domingo, 13 de junho de 2010

Promiscuidade, monogamia e violação - uma novela do arco-da-velha

Sobre estes candentes temas, traduzo um texto de Sharon Begley, jornalista, especializada em neurociência, que me parece mostrar bem como certos cientistas (?), esquecendo o rigor e a disciplina do labor científico, divagam, a propósito e a despropósito, procurando explicar/justificar, com base em preconceitos antiquíssimos, os mais preocupantes fenómenos sociais.
«O biólogo Randy Thornhill, professor da Universidade do Novo México, coautor de A Natural History of Rape: Biological Bases of Sexual Coercion, argumenta que a violação é (no vernáculo da biologia evolucionista) uma adaptação, um traço codificado pelos genes que confere uma vantagem a quem os possui. De volta ao ultimo Pleistoceno, 100,000 anos atrás, o livro, de 2000, defende que os homens que possuíam genes de violação tinham uma vantagem reprodutiva e evolutiva sobre os homens que os não tinham: eles tinham crianças não apenas com companheiras que os desejavam mas também com aquelas que os não desejavam, permitindo-lhes assim deixar mais rebentos (que também iriam possuir genes de violação) que similarmente tinham mais probabilidades de sobreviver e de se reproduzir na próxima geração. (…)
Segundo a Psicologia evolucionista, sucedâneo dos anos oitenta da desprestigiada Sociobiologia, nessas longínquas idades, os homens que eram promíscuos revelavam uma adaptação à evolução mais bem conseguida porque, - raciocinam os investigadores – expandindo mais amplamente a sua semente, deixavam mais descendentes. Por uma lógica similar, os psicólogos evolucionistas argumentavam, as mulheres que eram monógamas estavam mais bem adaptadas; ao serem seletivas em relação aos companheiros, procurando apenas aqueles com bons genes, podiam ter crianças mais saudáveis. Homens atraídos por mulheres jovens e curvilíneas eram mais adaptados, porque tais mulheres eram as mais férteis; (…) mulheres atraídas por homens de alto status, por machos prósperos, eram mais adaptadas. Tais homens podiam prover melhor para as crianças que, poupadas à fome, cresceriam para terem elas próprias muitas crianças. Homens que negligenciavam ou mesmo assassinavam os seus enteados (e matavam as esposas infiéis) eram mais bem adaptados porque não despendiam recursos com pessoas que não eram suas familiares. E o mesmo se passava com as vantagens do valor da violação. (…)
Não havendo uma máquina do tempo, como testar a afirmação de que a violação aumenta a capacidade adaptativa de um homem?
Kim Hill, colega de Thornhill na Universidade do Novo México, tinha qualquer coisa quase tão boa como uma máquina do tempo, ele tinha os Aché, tribo de índios do Paraguai, caçadores-recoletores, que vivem de uma forma muito semelhante à dos humanos de há 100,000 anos. Ele e dois colegas calcularam como a violação poderia afectar as expectativas de evolução de um Ache de 25 anos de idade (não observaram quaisquer violações, mas fizeram um calculo do que aconteceria, com base em medidas de, por exemplo, as probabilidades de uma mulher conceber em qualquer dia determinado).
Os cientistas foram generosos em relação à tese da violação-como-adaptação, assumindo que os violadores têm como alvo mulheres em idade reprodutiva, mesmo quando se sabe que na realidade meninas de menos de 10 anos e mulheres com mais de sessenta são frequentemente vítimas. Eles então calcularam os custos/benefícios do violador em termos adaptativos. A violação tem custos em termos de adaptação, se o marido da vítima ou outros familiares matam o violador; também perde pontos em termos adaptativos, se a mulher recusa criar uma criança fruto de uma violação, e se, sendo um violador conhecido (numa pequena tribo de caçadores-recoletores, violadores são conhecidos das pessoas) isso faz com que os outros tenham menos propensão a ajudá-lo a encontrar comida. A violação aumenta a capacidade adaptativa de um homem com base na possibilidade de que a vítima da violação seja fértil (15%), de que ela conceba (7%), de que ela não tenha um aborto (90%) e de que ela não deixe o bebe morrer (90%).
Hill então avaliou os custos/benefícios da violação reprodutiva. Nem sequer era próximo, o custo excedia o benefício por um factor de 10. «O que torna a probabilidade da violação como adaptação evolutiva extremamente baixo» diz Hill «Pura e simplesmente não teria feito sentido para os homens do Pleistoceno usarem a violação como estratégia reprodutiva, deste modo o argumento de que ela é pré-programada não se sustenta».


Why Do We Rape, Kill and Sleep Around? The fault, dear Darwin, lies not in our ancestors, but in ourselves. By Sharon Begley NEWSWEEK, Published Jun 20, 2009

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