quinta-feira, 12 de março de 2009

Kant e o infanticídio

Não são só as autoridades eclesiásticas que do alto dos seus princípios puros e etéreos fulminam os pobres mortais quando descem ao povoado; infelizmente não são detentoras do monopólio da tolice. Também os filósofos, dos quais se esperaria maior capacidade crítica e contenção, cometem o mesmo «pecado». Isso mesmo aconteceu com Immanuel Kant, monstro sagrado da filosofia ocidental, que, malgrado a sua escassa experiência em relação às mulheres e à vida sexual, não se coibiu de proferir os maiores impropérios. Na Metafísica dos Costumes, (e passo a transcrever de Alan Soble: Kant and Sexual Perversion) refere um crime sobre o qual tem dúvidas se mereceria a pena de morte: o crime de infantícidio, de uma mãe que mata um filho fruto de uma relação sexual ilegítima, isto é, de uma relação adúltera. Kant escreveu:

«A legislação não pode remover a desgraça de um nascimento ilegítimo ... Uma criança que vem ao mundo fora do casamento nasce fora da lei e consequentemente fora da protecção da lei. É como se fosse um roubo à comunidade (como mercadoria de contrabando) assim a comunidade pode ignorar a sua existência (já que não foi correcto que tivesse vindo à existência desse modo) e, portanto, também pode ignorar o seu aniquilamento.»


Cá estão novamente presentes os princípios abstractos e ausentes o bom senso, a benevolência e a compaixão. E assim, embora em campos opostos, podem verificar-se os efeitos perniciosos de se seguirem princípios morais rigidos, completamente desligados do mais elementar bom senso.

3 comentários:

  1. Bem, também teremos que ver a coisa no seu contexto histórico; Na época de Kant e mesmo no Ocidente o peso da religião era ainda enorme e, por outro lado, o estatuto da mulher nada tinha a ver com o dos nossos dias. Talvez fosse interessante procurar filósofos contemporâneos de Kant que se demarcassem desta atitude e avaliar do sucesso (ou não) com que foram recebidas as suas posições

    ResponderEliminar
  2. David,
    Mas na época de kant, Condorcet, e mesmo antes, David Hume demaracaram-se perfeitamente desta postura embora de facto as suas intervenções não tenham tido grande acolhimento o que leva, e em minha opinião com muita razão, algumas autoras feminista a considerarem que o canon filosófico é misógino.

    ResponderEliminar
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar