Li no Feminist Philosophers um post com o sugestivo título «Perfect Recipe for Sustaining the Patriarchy, Compliments of God» que descreve uma comunidade religiosa dos Estados Unidos na qual as mulheres não usam qualquer tipo de controlo de nascimentos e têm tantos filhos quantos «Deus quer», preferencialmente em casa e sem assistência médica, entregues à guarda da divina providência. Essa comunidade orgulha-se de promover a família patriarcal ideal, com a clausura das mulheres na esfera privada e a obediência total aos maridos. O artigo é muito sugestivo e os comentários são numerosos, diversos, interessantes.
Parece que tudo se passa noutro planeta quando confrontamos com as sociedades modernas tais como as conhecemos. Mas, se lembrarmos que, ainda há dois séculos, Rousseau e outros filósofos faziam a apologia da família patriarcal e do confinamento da mulher à esfera doméstica considerando que o lar era o seu lugar natural e a maternidade o seu exclusivo destino, já não nos espantamos tanto. Contudo, é caso para ficarmos ainda mais preocupadas pois afinal não são só pessoas, que supomos pouco instruídas e educadas, que perfilham estes valores.
Rousseau viveu no período do Iluminismo e defendeu uma democracia radical mas, em relação às mulheres, não podia ser mais conservador. Deixo-vos com um excerto do Livro V do Emílio ou da Educação, pouco conhecido, conquanto esclarecedor desta postura:
«As mulheres, direis, nem sempre tem crianças! Não, mas o destino que lhes é próprio é esse. O quê? Porque há no universo uma centena de grandes cidades onde as mulheres, vivendo em licenciosidade, têm poucos filhos, pretendeis que esse é o estado das mulheres? E que aconteceria às vossas cidades se as vilórias afastadas onde as mulheres vivem mais simples e castamente não reparassem a esterilidade das damas? Em quantas províncias as mulheres que não têm mais do que quatro ou cinco filhos são consideradas pouco férteis? Enfim que importa que esta ou aquela mulher tenha poucos filhos. O papel da mulher não continua a ser o de mãe? E não é por leis gerais que a natureza e os costumes devem regular esse papel?»
Rousseau e muitos outros pensadores conseguiram conciliar o que escreviam sobre a liberdade com a subjugação feminina. Para mim ainda é mais estranho que revolucionários fervorosos defensores da liberdade, como Marx ou Proudhon, o fizessem. Nem acho que seja apenas um sinal dos tempos, é mesmo porque sempre houve prioridades e hierarquias nas lutas e nas filosofias.
ResponderEliminarMescalero,
ResponderEliminarProudhon é realmente um caso perdido, mas, em minha opinião, não se pode pôr Marx no mesmo saco. Não esqueça que ele,juntamente com Engels, foi o primeiro a apontar uma história, isto é, um início, para a família patriarcal, contrariando as doutrinas da época que a consideravam um dado natural; além disso, defendeu a ideia de que o domínio da mulher pelo homem constituiu o modelo de todos os subsquentes sistemas de poder e da própria opressão.
Obrigada pelo seu comentário; vou contar com a sua visita participativa.
Adília,
ResponderEliminarMas não é verdade que Marx era profundamente machista na sua vida pessoal? Não sou grande conhecedor do Marx mas creio que foi o que li.
cumps
Mescalero,
ResponderEliminarO que sei da vida familiar de Marx é que fez um casamento de amor com Jenny von Westphalen à qual foi sempre muito dedicado, tendo sofrido muito com a sua morte,sobrevivendo-lhe pouco mais de um ano. Teria atitudes machistas? Não possuo informação, mas por vezes as pessoas conseguem sobreviver às contradições entre as teorias e as práticas.