É ao pensamento liberal que devemos a noção de direitos do indivíduo. O liberalismo parte do princípio de que o indivíduo, enquanto indivíduo, e não enquanto homem ou mulher, rico ou pobre, ignorante ou instruído, membro desta ou daquela família, desta ou daquela religião, ou mesmo sem religião, tem valor intrínseco, enquanto ser dotado de razão e de autonomia, e é portador de direitos inalienáveis que o Estado deve garantir e proteger.
Considerando como as comunidades, e nestas as próprias famílias, funcionaram e funcionam enquanto mecanismos opressores e repressores dos elementos femininos, insistir nos direitos do indivíduo, defender que a identidade do indivíduo não é anulável pela sua pertença a uma comunidade, representa um valor inestimável, uma conquista da humanidade e para as mulheres algo de que não podem desistir sob pena de se regressar à idade das trevas. O conceito de direitos do indivíduo revelou-se assim um instrumento poderoso na luta das mulheres contra a opressão de que têm sido vítimas e permitiu-lhes reivindicar com sucesso o direito a tomarem decisões acerca da sua própria vida.
Por outro lado, a linguagem dos direitos é uma que todos compreendem, não requer explicações adicionais e permite que se percebam rapidamente as injustiças de que as mulheres têm sido o alvo preferencial, pois que se os seres racionais merecem respeito e reconhecimento dos seus direitos, então, se as mulheres são seres racionais, elas também merecem o mesmo respeito e reconhecimento dos mesmo direitos e, se tal não acontece, algo está errado e é moralmente repreensível. Como se pode ver, uma argumentação clara, consistente e … irrespondível.
Por último, mas não menos importante, o pensamento liberal repousa no conceito de indivíduo enquanto capaz não só de razão, mas também de reflexão e de auto-reflexão e não puramente determinado por forças biológicas e sociais que escapem completamente ao seu controlo. Este conceito é importante pois que, se aceitássemos, como pretende a sociobiologia, a noção de que o indivíduo é determinado, então poderíamos perguntar onde é que, nesse contexto, fica a ética, pois deixaríamos de poder julgar os comportamentos como certos ou errados, e nesse caso a opressão das mulheres surgiria como algo inevitável e não susceptível de apreciação moral.
Por todas estas razões, penso que o pensamento liberal continua a ser um aliado poderoso do feminismo.
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