segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A luta continua

Venho hoje saudar o aparecimento de um novo blog apostado na luta contra a pornografia, desejando-lhe sucesso. Aqui fica o endereço do HANNA BI/ FOGOS DE ARTÍFICIO para que o possam visitar e nele colaborar com os vossos comentários.

Não é de mais insistir que esta é uma luta muito difícil até porque o discurso pornográfico cooptou em seu favor os valores da democracia, declarando-se moderno, desinibido, anti-preconceito e libertador, e recorre a estratégias que basicamente apostam na «glamorização» e «erotização» de situações que, de outra maneira, dificilmente seriam aceitáveis pelas próprias mulheres.

Convencer as mulheres de que a perspectiva masculina sobre a sexualidade não é uma perspectiva, mas um dado universal, é o objectivo que a pornografia pretende atingir. E o facto é que à falta de outro tipo de educação sexual, ou à falta da possibilidade de as mulheres puderem conduzir as suas próprias experiências em matéria de sexo – como sabemos a promiscuidade sexual feminina continua a ser fortemente penalizada já que uma mulher que toma a liberdade de escolher e variar as suas experiências ainda hoje é considerada uma vádia, a pornografia (sexista) tem sido bem sucedida e hoje é consumida por muitas mulheres que são iniciadas pelos seus companheiros; estes, através da pornografia, têm uma oportunidade única de lhes mostrar o que esperam delas.

Não esqueçamos que as mulheres continuam a ser condicionadas para agradar aos homens; que os homens lhes devam agradar é, como diria Rousseau, esse inefável misógino travestido de cavalheiro, um aspecto secundário; por isso, também em sexo as mulheres acham muito mais importante que os homens sintam prazer com elas e até escondem muitas vezes e perdoam que os homens não lhes dêem prazer; não se importam de se apagar para que o macho brilhe e se sinta todo-poderoso. Esse poder, para ser completo, requer a conivência da mulher, esta tem de se mostrar reconhecida e satisfeita também. É que os homens não querem apenas escravas subservientes, querem escravas que adorem ser escravizadas. Por isso é que no registo pornográfico, as mulheres aparentam sempre experimentar enorme prazer com tudo o que fazem aos homens ou que eles lhes fazem. Nós até podemos imaginar o fingimento que há nessas expressões, mas, como é para «inglês ver», está tudo bem quando acaba bem.

A pornografia não liberta ninguém, nem os próprios homens e muito menos as mulheres, porque nunca há liberdade quando existem carcereiros e prisioneiros, os primeiros estão «presos» à necessidade de vigiar os segundos para que estes não escapem na primeira oportunidade. A pornografia só atinge o preconceito antiquíssimo que projecta negatividade no sexo, mas à conta desse benefício, acaba por reforçar preconceitos bem mais importantes para que a sociedade de supremacia masculina possa persistir inalterada em aspectos essenciais: os preconceitos que insistem na inferioridade e subalternidade das mulheres. Se a pornografia conseguir mostrar que no sexo é esse o papel das mulheres, fica menos difícil convencê-las que em outros aspectos ele também o é e que é igualmente desejável que assim seja. Homens controladores e mulheres submissas é o padrão de qualquer sociedade sexista e se a submissão puder ser aceite favoravelmente é a cereja no cimo do bolo. Mostrar a submissão como susceptível de provocar prazer dá uma ajuda muito «moderna», que não é de modo nenhum negligenciável. Mostrar que a mulher moderna não sente qualquer prurido em se entregar às práticas sexuais que a pornografia apresenta como normais e naturais só revela que ela é desinibida. Não queremos todas ser modernas! Não queremos todas ser desinibidas! Ora aí está a oportunidade para o mostrar, uma oportunidade fácil que não requer estudo, inteligência, valorização pessoal, apenas um físico apetecível e também a indispensável apetência para nos acomodarmos ao que os homens querem de nós.
P.S. Ao pesquisar no Google uma imagem para ilustrar o post de hoje a primeira a aparecer em Master and slave foi esta. Sintomático, não?!

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

violência contra as mulheres

No dia internacional da não violência contra as mulheres, a artista plástica uruguaia, radicada em Espanha, Luz Darriba presenteia-nos com uma proposta para começarmos a eliminar o sexismo subtil que aparentemente ninguém vê, mas que está omnipresente:

Porque esse sexismo é subtil, porque é normativo, mais difícil se torna de erradicar - dizem que estamos à procura de pelo em casca de ovo, mas ele fornece o enquadramneto para todas as outras formas de sexismo.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Catherine Ashton

Catherine Ashton (1956), membro do Partido Trabalhista britânico, foi nomeada em 19 de Novembro último Representante Máxima da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança.

Graduada em Economia, participou na Campanha para o Desarmamento Nuclear e ocupou importantes cargos públicos. Ashton é casada e tem dois filhos.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Selvajaria à solta na Somália

Terça-feira passada, na Somália, uma jovem de 20 anos, embora divorciada, foi acusada da prática de adultério por manter relações sexuais com um homem solteiro de 29 anos. O castigo aplicado foi o apedrejamento até à morte; enterrada até à cintura, o espectáculo ocorreu na praça pública perante uma multidão de cerca de 200 pessoas. O homem foi punido com 100 chibatadas.
A região onde este e outros «crimes» análogos têm ocorrido é a zona sudeste da Somália, dominada pelas milícias al-Shabab que pretendem restaurar a Lei Islâmica na sua «pureza» original, que neste particular proíbe uma mulher que tenha sido casada, mesmo se obtém o divórcio, de ter relações extra-conjugais.
Grupos de direitos humanos têm denunciado sem sucesso estes crimes, o mais revoltante ocorreu no ano passado quando uma menina de 13 anos, que já tinha sido casada, foi apedrejada até à morte. Esses grupos ainda alegaram que a menina tinha sido violada, mas os extremistas muçulmanos disseram que ela era mais velha e que não tinha havido violação.
A Somália, em pleno século XXI, para além de outras práticas macabras como a pirataria, continua a ignorar os direitos humanos, particularmente na pessoa das mulheres e a cometer impunemente as maiores atrocidades perante uma comunidade internacional que assobia para o ar. Até quando?

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Publicidade sexista ou anti-sexista?

Será sexista este anúncio publicitário? Ou será anti-sexista como pretende autoproclamar-se?



Bem, pelo menos uma coisa é certa, denuncia o sexismo e reconhece a objectificação da mulher na publicidade.Parece um avanço, já que obriga pelo menos quem vê a reflectir.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Relativismo cultural sim, mas devagar …

O novo Guia de Cidadania do Canadá toma uma posição clara relativamente aos direitos das mulheres enquanto direitos humanos, avisando desde logo que actos que atentem contra esses direitos cometidos e justificados em nome de um pretenso relativismo cultural não mais irão ser tolerados porque são práticas culturais bárbaras decorrentes de crenças que atentam contra valores fundamentais do Canadá; o texto é claro e especifica mesmo os comportamentos que constituem crime no Canadá e que deveriam constituir crime em qualquer parte do mundo:

«No Canadá homens e mulheres são iguais perante a Lei… A abertura do Canadá e a sua generosidade não são compatíveis com práticas culturais bárabaras que toleram o abuso das esposas, os «crimes de honra», a mutilação genital feminina, ou qualquer outro tipo de violência com fundamento no género. Todos os culpados de tais crimes serão severamente punidos de acordo com as leis penais do Canadá.»
Estava na hora de abandonar o políticamente correcto e chamar as coisas pelos seus nomes: as tradições podem ser bárbaras, opressoras e indignas de povos civilizados.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A luta contra os estereótipos de beleza

Por acaso já há muito uso os sabonetes desta marca, mas a partir de agora, vou procurar usar outros produtos da mesma marca. Depois da saturação de tanta publicidade sexista e da violência que por seu intermédio é cometida contra as mulheres, é um refrigério encontrar uma mensagem de auto estima que desde cedo deve começar a ser incutida nas próprias crianças.



encontrei o tema e o vídeo aqui

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Se você quer ser dominada, então a violação deve ser a sua prática sexual preferida!

Quando iniciei este blog não me passava pela cabeça que me iria ocupar tão extensivamente com temas relacionados com a sexualidade. Pensava mesmo que poderia passar à margem deles e focar-me em outras situações que objectivamente prejudicam e maltratam as mulheres. Mas à medida que fui progredindo e lendo diferentes textos, comecei a sentir que iria ser impossível não entrar num tema, em que ainda por cima me sentia bastante ignorante; esta convicção foi reforçada quando encontrei uma referência de Catharine Mackinnon, segundo a qual:

«A sexualidade está para o feminismo como o trabalho está para o marxismo, constituem aquilo que mais intimamente nos pertence, mas de que mesmo assim mais somos espoliad@s

Esta declaração deu-me que pensar, sobretudo no que tem a ver com a sexualidade feminina. É que em boa verdade, o que existe é sexualidade masculina que fornece o modelo e a norma do que é a sexualidade e as mulheres devem conformar-se e interiorizar essa norma e esse modelo. E o que é ainda mais grave, segundo me parece, é que nem a generalidade dos homens nem a generalidade das mulheres têm a consciência mínima de que este é um problema, de que ele existe e tem consequências nefastas na vida de muitas pessoas e que é mais uma tremenda injustiça e violência cometida contra as mulheres.

Durante muito tempo, a sexualidade foi aberta e declaradamente definida em termos masculinos e o acto sexual era descrito como culminando com a ejaculação masculina, sem a menor atenção ao que se passava com a mulher. Hoje as coisas não são postas tão cruamente, a não ser no registo pornográfico sexista, mas o que é certo é que o modelo de sexualidade apresentado como norma é o masculino. Este modelo é o de domínio/submissão, típico da sexualidade masculina heterossexual, que parte do princípio, que ninguém questiona, que em termos sexuais as mulheres querem o que os homens querem, não tem vontades próprias, desejam o que o macho deseja e se ele deseja dominar elas então desejam que ele domina e consequentemente desejam ser dominadas. Se as mulheres aceitarem este modelo, e tudo é feito para que tal aconteça, então a violação deve ser uma prática sexual a que nada há a opor, porque nela o domínio de um e a submissão de outra são totais. E nesta ordem de ideias, como algumas feministas defendem, entre sexo (heterossexual) e violação não haveria diferença de natureza, só de grau.
Curiosamente já tinha lido esta aproximação entre sexo e violação e não tinha percebido onde com ela se queria chegar, pois não estava a ver a ligação e, como acontece comigo o que com certeza acontece com outras mulheres que são tratadas com carinho e respeito pelos seus companheiros, parecia-me injusta e questionável tal ligação. Também nunca tive qualquer fantasia de querer ser dominada sexualmente e, como já tive oportunidade de dizer em outros textos, privilegio sempre a reciprocidade na relação sexual, mas quando encontro mulheres que não tem pejo em declarar para quem as quer ouvir que se querem submeter aos seus companheiros, que gostam de homens bem machos, leia-se dominadores, então sem qualquer piedade, o que me apetece dizer-lhes é que, nesse caso, a sua prática favorita deve ser a violação. Essas mulheres não percebem que estão a ser «a voz do dono», não tem sequer a sensibilidade para perceberem que desistiram de construir a sua própria sexualidade para se limitarem a interiorizar a sexualidade masculina. Eu compreendo, mas não perdoo. Sobretudo não perdoo que não se sintam mal consigo mesmas por se terem tornado cúmplices totais do sistema que as oprime.

domingo, 8 de novembro de 2009

A pornografia constrói as mulheres como coisas para uso sexual

O texto de Catharine Mackinnon, que a seguir traduzo, reflecte sobre a pornografia, sua natureza e consequências; é um texto publicado em 1995 e podem dizer que já não traduz a realidade, porque entretanto a pornografia, face à demanda feminina de consumo, se alterou. Mas, embora aceite que ocorreram alterações no sentido de atenuar a carga sexista que comporta, penso que no essencial não se modificou e que o modelo permanece nas suas características essenciais.

A crítica de Mackinnon à pornografia não se funda na moralidade tradicional nem no pretenso carácter obsceno do relato pornográfico, tem o seu fundamento na convicção, para a qual as narrativas pornográficas que abundam no mercado fornecem argumentos, de que a pornografia inferioriza as mulheres e, reforçando o modelo sexual de domínio – submissão, reforça o estatuto que a sociedade sexista lhes atribui.

Sabemos das tentativas de produção de filmes porno não sexistas, por pessoas que, não vendo qualquer hipótese de se eliminar a pornografia sexista, supõem que o melhor antídoto é mais pornografia, de sentido diferente, como quando se combate um fogo com a técnica do contra-fogo. A intenção é positiva e louvável e recuso-me a adiantar mais sem ter a experiência directa desse tipo de filmes. Mas a pornografia que continua facilmente disponível, nomeadamente através da Internet continua a ser sexista, e a insistir na representação intensiva e extensiva da mulher como objecto sexual.

Para qualquer espectador que se esforça por ser imparcial - se é que isso é possível, a pornografia é uma mistificação, é uma mentira, porque as mulheres, nomeadamente as actrizes porno, não estão a sentir prazer, estão a fingir prazer o que é uma coisa completamente diferente, e estão a fingir prazer de situações que objectivamente não é suposto provocarem sensações de prazer, mas que são erotizadas, isto é que são apresentadas como se dessem prazer. A pornografia constrói assim a sexualidade feminina e também a masculina, mostrando modelos que uns e outras devem seguir para terem prazer. Que os homens tenham prazer através das práticas mostradas, não existem dúvidas, já em relação às mulheres, o que muitas dizem e há que não desvalorizar o seu testemunho, é que tais práticas não lhes dão prazer e são mesmo desagradáveis ou repugnantes.
Mesmo assim há quem defenda a pornografia e realce o seu poder libertador, é caso para perguntar, libertador para quem? È que, para as mulheres, tal como é apresentada (e estou para ver por que ainda não conheço a pornografia não sexista), reforça modelos de sujeição e de extrema dependência, de anulação da mulher como pessoa.

A pornografia não sexista pode revestir interesse se ajudar as mulheres a construírem a sua sexualidade em termos completamente diferentes daqueles que conhecemos e que a pornografia sexista vende. E essa tarefa, que tem até de passar pela construção de nova linguagem para referir a actividade sexual, é muito necessária se queremos uma sociedade justa e psicologicamente saudável.

Vejamos pois o texto de Mackinnon:
“Para a questão que Freud nunca colocou e que define a sexualidade numa perspectiva feminina: O que é que os homens querem? A pornografia fornece a resposta. A pornografia permite aos homens terem tudo aquilo que sexualmente desejam. Ela é para eles a verdade acerca do sexo. Ela relaciona a centralidade da objectificação sexual tanto com a excitação sexual masculina como com os modelos masculinos de conhecimento e verificação, conectando objectividade com objectificação. Mostra como os homens vêem o mundo, como ao vê-lo a ele acedem e o possuem, e mostra como é a acção humana de domínio sobre ele. Mostra o que os homens querem e como conseguem o que querem.
A partir do testemunho da pornografia, o que os homens querem é mulheres dominadas, mulheres espancadas, mulheres torturadas, mulheres degradadas e conspurcadas, mulheres assassinadas. Ou, para sermos just@s com o registo mais suave (soft core), mulheres sexualmente acessíveis, possuíveis, que estão ali à sua disposição, querendo ser possuídas e usadas, talvez com uma ligeira sugestão de escravidão. Qualquer acto de violentação das mulheres - violação, espancamento, prostituição, abuso sexual de crianças, assédio sexual, é apresentado como sexualidade, é tornado sexy, divertido e libertador da verdadeira natureza da mulher na pornografia. (…)
As mulheres são transformadas em e postas em paralelo com qualquer coisa considerada inferior ao humano: animais, objectos, crianças e – claro, outras mulheres. (…)
A pornografia é um meio através do qual a sexualidade é socialmente construída, é um lugar de construção, um domínio de exercício. Constrói as mulheres como coisas para uso sexual e constrói os seus consumidores para quererem desesperadamente a posse, a crueldade e a desumanização. A própria desigualdade, a própria sujeição, a própria hierarquização, a própria objectificação, o abandono em êxtase da capacidade de auto-determinação, é o conteúdo aparente do desejo sexual das mulheres e é o que é desejável. (…)
Se a pornografia não se tivesse tornado sexo para os homens e do ponto de vista dos homens, seria difícil explicar porque é que a indústria pornográfica arrecada biliões de dólares por ano vendendo-a como sexo principalmente para homens; porque é que é utilizada para ensinar sexo às prostitutas infantis, às esposas, filhas e namoradas recalcitrantes, a estudantes de medicina e a agressores sexuais; porque é que quase universalmente é classificada como uma subdivisão da «literatura erótica»; porque é que é protegida e defendida como se fosse o próprio sexo. E porque é que um eminente sexólogo manifesta o receio de que, se a perspectiva feminista se reforçar contra a pornografia na sociedade, os homens tornar-se-ão «eroticamente inertes»: não havendo pornografia, não há sexualidade masculina.”

Catharine Mackinnon: Sexuality, Pornography, and Method: "Pleasure Under Patriarchy"

Podemos resumir o conteúdo deste texto nos seguintes pontos:

1. A pornografia é para os homens a verdade acerca do sexo (é preciso dizer que se está a falar da pornografia sexista e da generalidade dos homens). A verdade dos homens é que a mulher é objecto sexual e é nesse contexto que os excita.

2. É a redução da mulher a objecto que fornece o enquadramento para a sua dominação sexual, elemento importante da sua dominação social.

3. Mas os homens não querem apenas dominar as mulheres, querem que elas gostem de ser dominadas.

4. E aqui a pornografia fornece os instrumentos de violência simbólica ao erotizar e transformar em sexo inúmeras situações de violência, com a correspondente mensagem: ser sexualmente dominada pelo homem é sexy, responder positiva e gratamente a todos os desejos e fantasias do homem é sexy; rejeitar em êxtase a sua própria capacidade de auto-determinação é sexy.

5. As imagens pornográficas mostram constantemente mulheres revelando excitação e prazer por tudo quanto fazem aos homens e por tudo quanto os homens lhes fazem, sendo que tudo gravita ao redor da «imponência» do pénis. Mesmo as situações que objectivamente não é suposto provocarem sensações de prazer são erotizadas, isto é são apresentadas como se dessem prazer, a avaliar pelos sons emitidos pelas personagens, pelas suas expressões faciais ou pelas expressões verbais utilizadas.

6. A pornografia é assim um poderoso instrumento de construção da sexualidade: a sexualidade é uma construção social de poder masculino, definida pelos homens e «imposta» às mulheres. A pornografia constrói as mulheres como coisas e constrói os homens como sujeitos que vão usar sexualmente as mulheres.

7. As mulheres aprendem a sexualidade com os seus companheiros e estes são socializados com o modelo sexual de domínio/submissão que é expresso através da própria linguagem. Deste modo, as mulheres são privadas da possibilidade de terem experiências suas e dos próprios termos que eventualmente as pudessem descrever: são «obrigadas» a verem-se e a referirem-se a si próprias nos termos que os homens e a linguagem sexista estipularam.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Misoginia no local de trabalho

Mori Cameron (44), a primeira mulher guarda da Torre de Londres em 524 anos acusou três colegas de a terem assediado sexualmente quando se encontrava (sozinha) no seu posto. A queixa está a ser investigada e dois deles foram entretanto suspensos de funções.

O uniforme de Cameron foi vandalizado e foram deixados comentários insultuosos no seu cacifo. Parece que os homens continuam a reagir negativamente ao acesso das mulheres a um estatuto profissional igualitário e que o cavalheirismo descamba em misoginia sempre que a oportunidade se oferece.
O episódio é tanto mais grave quando seria de esperar um comportamento digno e irrepreensível de elementos do exército britânico que são escolhidos para este cargo depois de terem prestado provas exigentes e após um longo período de exercício de funções.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Complexo de Édipo e misoginia

Embora, como referi em texto anterior, a principal causa da misoginia radique no desejo de manter as mulheres em sujeição, já que é sempre qualquer atitude de rebeldia que a desencadeia, há também componentes psicológicas que ajudam a compreender melhor este complexo fenómeno.

Comecemos por lembrar que vivemos em sociedades moldadas pelos valores do judaísmo e do cristianismo – adquiridos por processos de impregnação cultural, que projectam no sexo uma tremenda carga negativa e lembremos ainda que, apesar de todos os avanços, as mentalidades resistem sempre à mudança, sobretudo quando se trata do núcleo duro das nossas emoções e sentimentos. Isto dito, para realçar que por mais modern@s que sejamos, continua a haver muito de atávico e de atrasado em nós.

A carga negativa que o sexo suscita transporta consigo um sentimento de culpa e desde cedo aprendemos que tudo o que com ele se relaciona é feio, obsceno e tabu. Os homens, tal como as mulheres, experimentam este sentimento de culpa que os leva a considerar o sexo degradante, e como para tudo, sempre que se pode, é bom encontrar um bode expiatório, como puderam, foram muito expeditos em projectar na mulher, no objecto do seu desejo sexual, essa carga negativa. A sua preocupação com o sexo é tão obsessiva e a tendência para reprimir o desejo sexual tão forte que, para se desculpabilizarem, precisam de perceber as mulheres como seres desprovidos de espiritualidade, puramente carnais e apostadas em os seduzir e corromper, por isso tem de as degradar, desvalorizar e culpabilizar. Se o sexo é degradante, se as mulheres são objectos sexuais e se reduzem ao sexo, então as mulheres são seres degradantes e obviamente inferiores. Toda esta construção mental, que nem sempre é muito óbvia, revela-se claramente se pensarmos num exemplo simples e bastante comum: não se considera indigno ou menos respeitável o homem que tem sexo com prostitutas, mas, em contrapartida, estas são percebidas como criaturas desprezíveis sobre as quais recai um tremendo estigma social. Não é o homem que é desprezível, por desejar sexualmente a mulher e por pagar para conseguir satisfazer o seu desejo, é a mulher que é desprezível por satisfazer esse desejo a troco de uma remuneração.

Há ainda um outro aspecto que em minha opinião lança alguma luz sobre esta curiosa tendência que os homens (muitos, com certeza mesmo mais do que imaginamos) têm para degradar e desrespeitar as mulheres, reduzindo-as à condição de objecto sexual mais ou menos desprovido de valor, em conformidade com os seus atractivos físicos e idade. Este aspecto tem alguma relação com o famoso complexo de Édipo que Freud descreveu.

Freud considerou que o desenvolvimento psicológico das crianças do sexo masculino passa por uma fase - que designou de Complexo de Édipo, na qual o menino «ama» a mãe e detesta o pai que surge como rival do carinho e atenção que a mãe lhe prodigaliza. Mas se evoluir normalmente acabará por resolver este complexo e por se tornar um adulto equilibrado.

Ora o que é que o complexo de Édipo poderá ter a ver com o desrespeito e depreciação das mulheres pelos homens? A resposta, embora puramente especulativa, parece revestir algum poder explicativo: pode supor-se que em muitos homens o complexo de Édipo vai deixar sempre uma marca, eles aprenderam a desistir do amor físico pela mãe, mas, assim como não puderam amar fisicamente a mãe, pela qual sentiam carinho e respeito, também não vão ser capazes de amar fisicamente qualquer mulher pela qual nutram sentimentos equivalentes. Como é que resolvem a situação? Amando fisicamente uma mulher que desrespeitem nem que para tal tenham de a levar a aderir (adesão extorquida) a comportamentos e atitudes que eles próprios consideram degradantes. Isto em certa medida poderia explicar toda a parafernália de actos pretensamente eróticos, mas intrinsecamente violentos e degradantes, que a pornografia vende com tanto sucesso.

Uma última nota: a depreciação e repressão da actividade sexual é uma constante de todas as culturas que repousam numa concepção dualista do ser humano enquanto composto de espírito e de corpo da qual decorre a desvalorização do corpo e de todas as actividades que com ele directamente se relacionam.