sábado, 13 de fevereiro de 2010

Anti-feminismo e religião estabelecida

Sempre existiram, e ainda hoje existem, mecanismos ideológicos extremamente poderosos, contra os quais é muito difícil lutar, que alienam completamente as mulheres e não permitem que se libertem da opressão, porque elas próprias interiorizaram os valores que se encontram ao serviço dessa mesma opressão. De entre estes valores, encontram-se os valores religiosos que, infelizmente, nem sempre são tão puros como se proclama e que, manipulados com habilidade e oportunidade, podem justificar – e de facto justificaram, entre outras coisas, a supremacia masculina e a obediência das mulheres. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos com o movimento anti-feminista que teve, desde os seus primórdios, o aval e o incentivo da religião estabelecida.

As anti-feministas norte-americanas uniram-se e organizaram-se para lutar contra a concessão do direito de voto às mulheres e contaram com o apoio inestimável de inúmeros ministros religiosos que, pela sua posição social e pelo prestígio de que gozavam junto das populações crentes, exerciam enorme influência; assim, a partir do púlpito podiam diabolizar as feministas e exigir das mulheres que assistiam aos cultos o respeito pelo que entendiam ser os ensinamentos cristãos. Provavelmente isso explica em grande parte a resistência contra a aprovação de legislação progressista que tornasse o sufrágio realmente universal. Lembremos que os negros, do sexo masculino, conseguiram o voto mais de meio século antes das mulheres e lembremos também que isso aconteceu porque muitas mulheres convenceram-se não só que ele não era importante como até poderia ser-lhes desvantajoso e contrariar o papel que deveriam desempenhar na sociedade; e as igrejas que essas mulheres frequentavam assiduamente desempenharam a sua quota-parte nesse seu convencimento.

Os ministros e guardiões da fé e dos bons costumes, intermediários e auto-nomeados intérpretes da vontade divina, empunharam as Escrituras para mostrar às mulheres o que não deveriam querer fazer: não deveriam querer emancipar-se da tutela dos homens porque tal atitude, que rotulavam de egoísta e irresponsável, constituía um autêntico desafio ao Plano Divino. As mulheres, de acordo com o mesmo plano, que o apóstolo Paulo tão bem tinha defendido, eram fracas, não só física como moralmente, como o Génesis provara: tinha sido uma mulher a responsável pela expulsão do Paraíso e pelo subsequente sofrimento humano e seria de esperar que mulheres a quem fosse concedido o direito de voto só o saberiam usar de forma corrupta e arbitrária. Fraqueza intelectual e fraqueza moral, portanto, aconselhavam a que não se cometesse o erro de permitir que as mulheres se emancipassem dos homens; pois estes, por contraponto, seriam inteligentes e capazes de rectidão moral. Numa altura em que as mulheres reivindicavam «direitos naturais ao sufrágio», as Igrejas, pela voz dos seus ministros e teólogos de serviço, responderam com a «natural subordinação das mulheres».

A partir desta base ideológica, absorvida acriticamente por mulheres cujo único alimento cultural era a fé religiosa, tornava-se mais fácil dividir as mulheres e levá-las a lutarem contra os seus próprios interesses, precisamente porque essa base ideológica negava que esses fossem os seus interesses. Os seus interesses seriam obedecer à vontade divina, e Deus, pelo menos assim o proclamavam os seus ministros, queria que elas fossem obedientes aos seus maridos e que os deixassem zelar na esfera pública por aquilo que lhes convinha, tomando as respectivas decisões.
Deste modo, a religião instituída deu uma ajuda de peso ao movimento anti-feminista e, ao mesmo tempo, perante uma população maioritariamente religiosa, colocou as feministas numa posição extremamente incómoda como se elas fossem o inimigo público a abater já que verdadeiramente o que elas quereriam, dizia-se, era atacar a religião e as crenças mais queridas e reconfortantes das pessoas. Ora o facto é que as feministas não queriam nem querem atacar as crenças religiosas das pessoas; ao contrário, estas (crenças religiosas) é que muitas vezes se mostram fanática e intolerantemente incompatíveis com os princípios de justiça e de equidade. Se querer ter o direito de voto e de participação na vida pública contraria os ensinamentos da Bíblia, então tanto pior para a Bíblia, pois se trata de um elementar direito de justiça e eu não posso prescindir dele sob pena de me degradar enquanto pessoa. Se alguém ainda, invocando a história mítica do Génesis, acrescenta que eu, mulher, não devo poder votar porque sou descendente da maléfica Eva e por isso um ser degradado e inferior, então tanto pior para a história mítica!

O problema tem de ser equacionado de outra maneira. Não é o feminismo que está contra a religião; é a religião, ou a utilização que dela se faz, que está contra o feminismo e como para mim o feminismo é uma questão de elementar justiça, é uma questão de lutar contra as injustiças de que as mulheres têm sido alvo pelo facto de serem mulheres, concluo que a religião ou a utilização que dela se faz, afinal apesar de tantas proclamações pomposas não está preocupada com a justiça; será que delega a questão para o juízo final? Bem, pode ser, mas eu não pretendo deixar a questão em mãos alheias e muito menos para tão tarde!

6 comentários:

  1. Olá Adília, adoramos o seu blog e convidamos vc a nos visitar ...
    www.viagemafora.blogspot.com
    bjs
    Antonio & Ellen

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  2. aposto que a Nana Odara vai concordar comigo:
    deixe o Deus Cristão [e seus acólitos] de lado e tente o caminho do Sagrado Feminino.
    O Paganismo Moderno é uma alternativa assaz considerável diante da opressão da Igreja, do Cristianismo e do Deus Cristão.

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  3. Caro Beto
    Do paganismo moderno pouco conheço, além do nome que me é simpático. Será que no seu blog já tem algum texto esclarecedor? Pode indicá-lo? Gostava de conhecer os princípios gerais pois dada a necessidade que as pessoas em geral têm de religião, se calhar poderia funcionar como alternativa a religioes misóginas e declaradamente ao serviço do sistema patriarcal de organização da sociedade.

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  4. Olá António & Ellen
    Também já visitei o vosso blog, tudo muito bonito.
    Que bela vida, é de fazer crescer água na boca.
    Bjs Adília

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  5. O ressurgimento do Sagrado Feminino nos traz uma nova visão espiritual. A espiritualidade centrada no culto à Deusa implica no respeito à natureza e à vida em todos as suas manifestações, no cultivo da compaixão e aceitação nossa e dos outros, no reconhecimento da intuição e sabedoria existentes – mesmo que latentes – em todos nós, na celebração alegra da unidade com toda a criação.

    Para sentir o poder da Deusa, comece a perceber o sagrado em tudo que a cerca, em cada dia, em cada lugar. Talvez precise de algum tempo para notar e experimentar conscientemente momentos, vivências, encontros, que antes passavam de forma fugaz sem que você percebesse o seu valor. Adquirindo uma nova consciência a sua vida torna-se mais rica, um acontecimento ou encontro não mais é algo fortuito, as “coincidências” passam a ser facetas da sincronicidade cósmica.

    A mulher tem um enorme poder dentro de si. Não é o poder sobre alguém ou contra alguém, é o seu poder inato e ancestral, a sua intuição, percepção, compreensão, compaixão, criatividade, amor e conexão – consigo mesma, com os outros, com o Divino.

    Nas antigas tradições e culturas o poder criativo e renovador da Deusa eram o símbolo da própria vida, a Terra e a mulher eram consideradas sagradas sendo suas representações. Nos cultos e mistérios femininos honravam-se os ciclos eternos que marcavam a vida do renascimento à morte, e desta para um novo início através do renascimento. Vida e morte eram interligadas de forma misteriosa e divina, competindo às mulheres as tarefas de recepcionar e cuidar da vida (como parteiras, mães, curandeiras), assistir e auxiliar as transições (como xamãs e sacerdotisas) e servir como intermediarias entre o humano e o divino (profetisas, oráculos).

    O poder da Deusa possibilita a expansão do potencial emocional, mental, criativo e espiritual inatos em cada mulher. O poder da mulher está na sua sabedoria, a compreensão intuitiva, imparcial e sábia dos processos e das surpresas da vida. Nem toda mulher pode ser jovem, bonita, culta, rica, mas todas as mulheres podem se tornar sábias, permanecendo serenas no meio do tumulto.

    As mulheres que almejam o poder da Deusa cultivam uma forma diferente de espiritualidade, buscando expandir sua consciência, honrando a vida em tudo ao seu redor e transformando o mundano em sagrado. A chave para a transformação espiritual é o enriquecimento e o aprofundamento de sua vida interior, podendo assim acessar e confiar no seu Eu Superior.
    [Mirella Feur]

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  6. Beto
    Obrigada pelo texto. Interessante.

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