segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Anti-sufragistas e lealdade de classe

As líderes anti-sufragistas norte-americanas pertenciam homogeneamente à classe alta – uma espécie de aristocracia urbana, e tinham acesso fácil ao mundo da governação por intermédio de laços familiares e de casamento, o que significa dizer que eram filhas, irmãs ou esposas de homens altamente colocados no mundo da finança, da indústria e da política. O facto de pertencerem à classe social dominante da América dos fins do século XIX é um elemento chave para se compreender a sua oposição em relação ao movimento de emancipação das mulheres. Em certo sentido, poderia dizer-se que para elas, especificamente, a emancipação não tinha grande significado, pois a sua posição era já influente e privilegiada e poderiam imaginar, com boas razões, que uma mais extensa democratização da sociedade só iria contribuir para uma diminuição dos seus privilégios de classe. Assim, por exemplo, quando refutavam a necessidade do voto para as mulheres com o argumento de que os homens representavam bem os interesses destas, até estavam com certeza a ser sinceras, porque a sua experiência pessoal era exactamente essa, como constatavam ao conseguirem atenção das altas instâncias governativas para qualquer solicitação que fizessem. Elas afinal já gozavam de muito poder e alargar o poder político conferido pelo voto a todas as mulheres não era coisa que as seduzisse, bem pelo contrário; além disso, tal como os membros masculinos da classe social a que pertenciam, desconfiavam das massas e receavam perder a hegemonia de que gozavam enquanto classe. Isto para dizer que as anti-feministas não eram tolas, nem eram anti-feministas por estarem colonizadas pelos homens, eram-no porque tinham a percepção de que iriam perder mais do que a ganhar com a emancipação das mulheres, em termos de estatuto, em termos de prestígio, em termos de poder real.

As líderes anti-feministas pertenciam a famílias descendente dos primeiros colonizadores da América, brancos, puritanos e de ascendência anglo-saxónica; essas famílias, através de políticas informais de endogamia no casamento, tinham conseguido manter-se separadas e distanciadas da restante população e, confundiam, muito convenientemente, os seus interesses com os interesses da nação americana.
Politicamente, as anti-sufragistas eram conservadoras e entendiam que o Estado devia imiscuir-se o mínimo na vida das pessoas; para elas a pobreza era uma manifestação de fraqueza de carácter, e os salários baixos das mulheres trabalhadoras resultavam, em seu entender, do fraco desempenho destas; viam pois estes problemas como problemas individuais e pessoais, não como problemas políticos. Para minimizarem os custos sociais da pobreza, dedicavam-se a actividades filantrópicas e de beneficência, as únicas consideradas compatíveis com o seu estatuto social. Estavam em claro confronto com as líderes sufragistas; estas, de uma maneira geral, eram mulheres com instrução superior, de estrato social médio, por vezes alto, que propunham reformas que se deveriam traduzir em contribuições do Estado em serviços sociais, encarando a pobreza mais como um problema político do que como uma questão pessoal. Claro que tais políticas reformista, além de representarem perda de prestígio para as senhoras da elite que se dedicavam à filantropia, iriam traduzir-se no longo prazo em aumento de impostos e esse era um ponto sensível que alienava muitas pessoas, não apenas as elites, que se viam atingidas por tais políticas das quais não seriam beneficiárias directas.
Podemos assim perceber porque é que as líderes anti-sufragistas pensavam como pensavam em relação ao sufrágio feminino, afinal a sua lealdade era para com a classe social a que pertenciam, mas é mais difícil entender como é que conseguiram convencer tantas mulheres de que o seu melhor interesse era rejeitar o voto e, portanto, a cidadania e a capacidade de intervenção na vida política. Para compreendermos essa situação paradoxal, temos de ter em mente que nos fins do século XIX e inícios do século XX, a América, embora formalmente uma democracia, era governada pela elite a que elas pertenciam e por esse facto tinham acesso fácil aos centros de decisão política, a recursos económicos e aos meios de comunicação social, que a mesma elite directa ou indirectamente controlava. Podiam rápida e oportunamente apresentar petições nos competentes órgãos de poder político legislativo e muitas vezes impedir que as propostas das feministas sequer fossem discutidas. Por outro lado, mesmos os meios intelectuais e até a comunidade científica - muitas vezes dependentes da elite no poder e dos seus patrocínios, tomavam posições públicas, através de artigos em jornais e revistas de larga circulação, que reforçavam os seus pontos de vista; a tudo isso acrescia a influência das Igrejas que não perdiam oportunidade para condicionar a audiência em sentido conservador.
Com esta parafernália de recursos, explorando o medo, a ansiedade e as ideias feitas das pessoas, acabaram por atrair à sua causa um número muito significativo de elementos da classe média e nesta das mulheres, o elo mais fraco. As anti-sufragistas profetizavam que o sufrágio iria provocar a hostilidade dos homens e até a sua deserção: deixariam de proteger as mulheres, pois o cavalheirismo, o sentido da honra e da responsabilidade para com a família iriam ser minados. Para muitas mulheres da classe média esta perspectiva parecia catastrófica porque não estavam preparadas para a emancipação, não tinham independência económica nem meios para a alcançar, e então as anti-sufragistas acenavam-lhes com a cenoura: aquelas que não se desviassem do ideal da «verdadeira mulher» não teriam com que se preocupar: enquanto esposas fiéis e mães devotadas seriam respeitadas, e viveriam com segurança e conforto no desempenho dos seus «sacrossantos deveres».

Resumindo, para compreendermos a dificuldade da luta pelo sufrágio feminino importa perceber que o contra-ataque anti-sufragista foi empreendido por mulheres com recursos em tempo e em dinheiro, com uma rede de relações extremamente influente, contando com o enquadramento religioso e cultural que lhes fornecia os necessários argumentos bem como a necessária audiência e conveniente divulgação. Mas cumpre também reconhecer que as anti-sufragistas souberam agarrar a oportunidade, tirando partido das circunstâncias que lhes eram favoráveis e mostrando capacidade para atrair e mobilizar aderentes e simpatizantes através de uma retórica exemplar e da exploração hábil dos Media que quase unanimemente se colocaram à sua disposição.

O fenómeno da luta anti-sufrágio, que à partida me deixava perplexa pois não percebia porque é que mulheres tinham empreendido uma luta contra um direito tão elementar das próprias mulheres e não compreendia porque é que não tinham sido desde logo denunciadas e a sua pretensão rejeitada, com o decorrer do estudo suscitou-me uma reflexão de sentido contrária, isto é, levou-me a perguntar como é que com tantos obstáculos e resistências foi possível ver finalmente reconhecido o sufrágio feminino.

2 comentários:

  1. As mulheres posicionavam-se contra o sufrágio porque eram queriam aumentar o número de mulheres no Mercado de Trabalho. Pois caso a mulher votasse ela teria que primeiramente se alistar no exército (como os homens), e com isso se caso houvesse alguma Guerra elas seriam obrigadas a irem lutar. Tendo que ir para a guera elas não poderiam trabalhar. Lembrado que a Primeira Guerra Mundial aconteceu em 1918, praticamente no meio a primeira onda feminista.

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  2. Parabéns pelo texto, promoveuuma reflexão fundamental para mim. Confesso que fiquei brava lendo isso, assim como fico com raiva ao pensar nas mulheres de hoje que, num movimento de retrocesso, vão a público para reafirmar a suposta inferioridade feminina, e apoiar aqueles que desejam se tornar seus algozes. Mas, infelizmente, parece uma constante: todo movimento, por melhor que seja para o grupo que defende, sempre terá dentro desses grupos figuras grotescas, encarnações da ignorância e estupidez, que vão lutar contra com unhas e dentes.

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