Porque o sufrágio não é um privilégio a ser desfrutado, mas, imposto às mulheres, torna-se um dever a ser cumprido.
Porque acreditamos que os homens de Estado são capazes de conduzir o governo em benefício de ambos, homens e mulheres, sendo os respectivos interesses, genericamente falando, os mesmos.
Porque as mulheres não estão a ser objecto de qualquer injustiça que possa ser rectificada pela concessão do voto.
Porque a igualdade política eventualmente privará as mulheres de alguns privilégios que as leis feitas pelos homens lhes concedem.
Porque o voto nas mãos dos homens tem provado não ser a cura para os males existentes e não há razão para acreditar que será mais efectivo nas mãos das mulheres. Não o tem sido nos Estados em que existe. No Colorado depois de um teste de 22 anos o resultado não mostra qualquer ganho nos costumes públicos e políticos sobre os estados em que o sufrágio é masculino.
Porque a igualdade no carácter não implica similitude na função e os deveres e a vida de homens e mulheres devem ser diferentes no Estado como no lar. O serviço do homem ao Estado é contrabalançado pelo serviço da mulher no lar.
Porque as mulheres mesmo fora da política são livres de apelar a qualquer partido em matéria de educação, caridade e reforma, acreditamos que seria desvantajoso para o estado e para as mulheres colocar esta metade, não participante da sociedade, na política.
Porque o movimento do sufrágio da mulher é um passo atrás no progresso da civilização na medida em que tenta apagar a diferenciação natural de função e produzir identidade em vez de divisão do trabalho.
The National Association Opposed Woman Suffrage (New York)
Analisemos a força destes argumentos:
Começa por se assumir o pressuposto de que o voto não é um direito, mas um dever. Mas este pressuposto não resiste ao escrutínio crítico, porque o voto é acima de tudo o direito que as pessoas têm de influenciar a política - na qual se tomam decisões que a todas as pessoas dizem respeito; se as decisões políticas dizem respeito a todas as pessoas e não apenas àquelas que governam então é lógico e moralmente defensável que todas usufruam desse instrumento que é o voto para elegerem quem as represente. Claro que se as pessoas têm direito de voto então têm também o dever de votar, mas a dimensão do voto enquanto direito é mais forte que a dimensão enquanto dever, tanto assim que na maior parte dos países o não cumprimento desse dever pode ser sancionado moralmente mas não o é pela força das leis. Aqui omite-se ardilosamente esta questão para se convencer a mulher que o voto será mais uma obrigação que ela terá de cumprir.
Claro que partir do princípio que os homens legislarão levando em conta os interesses das mulheres que, genericamente falando são os mesmos dos homens, é partir de um princípio que nem a experiência corrobora nem a lógica autoriza: sendo os homens homens é apenas natural que defendam os arranjos sociais que melhor lhes convém e foi assim que as coisas se passaram até ao momento em que as mulheres começaram a ter voz para reclamar a participação no poder político.
Claro que as mulheres estavam (e ainda estão) a ser objecto de injustiça e desvalorizar o voto enquanto instrumento de correcção de injustiças não é mais do que desvalorizar as práticas democráticas.
Evoca-se a possibilidade da a igualdade política vir a retirar privilégios às mulheres, mas como não se explica que privilégios são esses nem como tal processo ocorreria, parece que apenas se pretende atemorizar as mulheres.
Também neste ponto se desvaloriza o poder do voto enquanto instrumento, não se percebendo bem o que é que se está a sugerir como alternativa, talvez um despotismo qualquer ou um totalitarismo «que ponha as coisas nos eixos», tão ao gosto dos partidos extremistas.
Igualdade de carácter versus desigualdade de funções, a velha teoria da complementaridade na diferença que no fundo acaba por revelar que insistir nas diferenças que separam os sexos leva sempre a considerar um superior ao outro. Fala-se na igualdade na diferença apenas para tornar mais palatável a diferença e esconder a realidade do domínio de um sexo sobre o outro que está nos antípodas da igualdade.
O direito de voto para as mulheres não é um progresso é um retrocesso porque vai contribuir para esbater as diferenças entre mulheres e homens, vai aproximá-los em vez de os manter em esferas separadas. Mas qual é a vantagem que as mulheres tiram dessa separação? Que privilégios é que perdem? Não se demonstrando este ponto, o argumento não passa de uma proclamação pomposa.
Resumindo, os argumentos contra a concessão do voto para as mulheres não são consistentes nem convincentes, a sua fragilidade é extrema como acontece frequentemente nos discursos da direita, por isso é que a direita aposta na retórica dos slogans para esconder a pobreza dos raciocínios. Os princípios subjacentes a este discurso anti-feminista implicam a desvalorização da democracia e do voto enquanto instrumento de governo de um país; a separação entre esfera pública e privada, reservando a primeira para os homens e a segunda para as mulheres; e a defesa da teoria da complementaridade entre os sexos.
Quanto ao primeiro aspecto, reconhecendo-se os defeitos da democracia, ocorre perguntar qual a alternativa a esta forma de governo; também se pode perguntar a quem é que interessa manter a separação rígida entre esfera pública e privada com a separação de funções e papéis; por último, a teoria da complementaridade entre os sexos só se tem revelado como um meio de perpetuar a injustiça.
Portanto, atenção:
Se você também enche a boca com essa de que as mulheres são iguais, mas diferentes dos homens, então provavelmente você vai pactuar com a tendência para construir a diferença em termos não de igualdade mas de hierarquia. Se não quer correr esse risco, limite-se a dizer: as mulheres são iguais aos homens e isso é que importa, as diferenças são secundárias, são pessoas com as mesmas necessidades de realização e às quais devem ser concedidos os mesmo direitos fundamentais enquanto seres humanos.
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