segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Anti-feministas e maternidade intensiva

Antes de mais, convém afirmar que o que vou colocar em questão não é a natureza gratificante e enriquecedora da experiencia da maternidade, nem tão pouco pôr em dúvida o amor das mulheres pelas suas crianças. O que aqui irei questionar é um ideal de maternidade, defendido pelas anti-feministas, que define e confina a mulher ao papel de esposa e de mãe. Algumas observações prévias permitirão compreender melhor as razões que explicam a necessidade que sinto de rejeitar esse ideal.

Como sabemos, a existência das sociedades humanas depende tanto da reprodução da espécie quanto da produção de bens que permitam a sua sobrevivência - é óbvio que estas duas actividades – reprodução e produção são igualmente indispensáveis; mas o facto é que, historicamente, a produção foi superiormente valorizada e, entregue aos homens, constituiu a base económica da sua supremacia, enquanto a capacidade reprodutiva das mulheres foi usada para as definir e limitar a uma existência de dependência e de subserviência. As coisas podiam ter-se passado de outra maneira, mas foi assim que aconteceram. Ficando a produção a cargo dos homens, estes garantiram na cadeia social um lugar de supremacia e de domínio; por seu lado, as mulheres, sobrecarregadas com uma função reprodutiva que não controlavam – o único meio de a controlarem seria negarem-se a ter relações sexuais com os homens, o que estava completamente fora do seu alcance, atendendo até à relação de poder estabelecida – não tiveram outra opção que não fosse a de aceitarem a sua condição como uma fatalidade e um destino.

Só muito recentemente as condições objectivas de existência das mulheres se alteraram e permitiram a sua entrada na força de trabalho bem como o controlo da natalidade; com este último instrumento ao seu alcance, as mulheres, pelo menos nos países democráticos, podem optar por ter ou não filhos e podem decidir quando e quantas crianças vão gerar e criar. E os factos falam por si, o número médio de nascimentos decresceu vertiginosamente o que só prova que não foi preciso grande incentivo para as mulheres tomarem nas suas mãos o controlo da sua capacidade reprodutiva tão logo encontraram meios seguros para o fazer.

Mas eis que, a sociedade, ainda de supremacia masculina, pela voz de mulheres que em assuntos desta natureza «parecem» mais credíveis do que as dos homens, resolveu entrar em jogo para tentar «boicotar» esta notável conquista, tendo ao seu dispor para atingir tal objectivo a conivência e a cumplicidade dos meios de comunicação social - rádios, televisões, revistas dirigidas a publico predominantemente feminino. È aqui que entram as anti-feministas e a sua retórica inflamada que visa sacralizar a maternidade e incentivar a «maternidade intensiva», tentando convencer as mulheres de que a sua função na vida é dar filhos à nação.

A estratégia de sacralização da maternidade posta em prática pelas anti-feministas revela bastante potencial e muitas mulheres deixam-se seduzir por ela. De facto, em relação à maternidade muitas mulheres sentem que, dados os arranjos sociais existentes, ela pode prejudicar a sua carreira profissional e o seu projecto de vida, sobretudo no caso de uma gravidez indesejada, mas por outro também sentem que amam esse ser que se dispõem a gerar e a proteger; encontram-se assim numa posição extremamente vulnerável e tornam-se presas fácies de uma retórica que as exalta e pretende dignificar e é tantas vezes tão ínfimo o quinhão que lhes coube em sorte que este aparente «empoderamento» surge como algo que não se podem permitir negligenciar. Claro que as anti-feministas não dormem em serviço e de brinde apresentam a exigência da responsabilidade da mulher para com o feto que carrega no ventre exigindo que ela sacrifique os seus interesses pessoais aos «pretensos» interesses do feto, advogando energicamente a rejeição da interrupção voluntaria da gravidez, vulgo, aborto.

As anti-feministas insistem ainda no ideal de «maternidade intensiva» em que a mulher abandona a sua carreira para se dedicar em exclusivo ao cuidado dos filhos, defendendo que é este o ideal que melhor corresponde aos interesses da criança e considerando que estes devem prevalecer sobre os interesses da mãe, ou melhor, considerando que o interesse da mãe, da verdadeira mulher - e mais uma vez entra este chavão, é o interesse da sua criança, esquecendo que, mais provavelmente, a maternidade intensiva pode até nem ser o que melhor corresponde ao interesse da criança, mas é com certeza o que melhor corresponde aos interesses do pai da criança. E isto porque sacrificar a mãe, pensando exclusivamente no filho, não será bom nem para a mãe nem para o filho, e a colocação das crianças em boas creches onde o convívio com outras crianças torna mais enriquecedor o ambiente em que vão crescer e socializar-se pode ser uma solução alternativa bem mais saudável. Claro que um arranjo social deste tipo implica também o envolvimento do pai, esse grande ausente do cuidado com a criança, nas tarefas que até então só à mãe competem.

A ideia das anti-feministas é diferenciar bem os papéis, confinar a mulher ao papel de mãe e de esposa, ideia esta bem antiga! Mas quem disse que elas são modernas? Apenas vestem outras roupagens, mas no fundo, se pudessem, regressavam ao glorioso passado dos homens que florescem na esfera pública e das mulheres que, na sombra da esfera privada – de onde nunca deveriam ter saído, preparam o repouso do guerreiro. E a questão da maternidade com a sua ambivalência presta-se extraordinariamente bem para porem em curso a sua agenda sem abrirem muito o jogo.

Ao invés de lutarem por transformações sociais a nível do local de trabalho ou da organização da vida familiar, as anti-feministas são exímias em deitarem areia na engrenagem a fim de boicotarem a laboração! Creches de boa qualidade para as mães deixarem os seus filhos sem a angústia que muitas vezes experimentam ao sentirem que eles não ficam nas melhores condições? Não, nem pensar em implementar um sistema nacional de creches, isso seria gastar indevidamente o dinheiro dos contribuintes e atribuir ao Estado uma tarefa que as famílias não devem alienar até porque o Estado pode inculcar nas crianças valores que as famílias repudiem. Férias para o pai a quando do nascimento de um filho, para poder também cuidar dele e sentir o prazer do contacto direito com a nova vida que vai amar e aprender a proteger? Não é importante, pensam, já que é a mãe quem que está mais capacitada para cuidar da criança!

O que importa verdadeiramente às anti-feministas é incentivar o retorno das mulheres ao lar doméstico, pelo menos quando os filhos são pequenos, sacrificando carreira e futuro profissional e mantendo a dependência em relação aos seus maridos que assim se verão obrigados a prover às suas necessidades e dos filhos. Mas esquecem que este modelo foi aquele que existiu durante séculos e nem por isso favoreceu a situação das mulheres, bem pelo contrário. Além de que o tempo não volta para trás, e qualquer mulher minimamente inteligente sabe que se não cuidar do seu presente vai atraiçoar o seu futuro, experiência com que muitas já se confrontaram quando maridos na meia-idade resolveram trocá-las por mulheres troféu deixando-as entregues às doces (agora amargas) recordações de uma maternidade plena e intensivamente vivida, mas também na penúria.

9 comentários:

  1. Saudações feminista Adília,

    aqui quem escreve é a maçã podre da espécie "Patrick Monteiro", li seu texto, mas vou reler em grupo e esperar um comentário mais elaborado das demais maçãs. No momento, por diversas razões e razões óbvias, gostei do texto e, se me permitir, pediria que ao invés de usar o termo "maternidade intesiva", vc criasse com ele um "conceito" para que esta definição não "se perdesse" e, posteriormente quem sabe, fosse usada por outras dentro de qualquer texto do movimento feminista.

    Saudações podres!

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  2. ps:
    a mensagem "excluida" foi retificada no trecho:
    "fosse usada por OUTRAS dentro de qualquer texto do movimento feminista".

    antes estava a generalização "outros"

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  3. Caro Patrick
    Voltei a postar hoje tentando precisar o conceito de «maternidade intensiva» e as implicações negativas de que ele se reveste. Não sei se com isto estou a responder à sua sugestão.
    Abraço, Adília

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  4. Ola querida Adilia,
    Sempre que posso entro no blog e me coloco a ler seus pensamentos e críticas sobre a sociedade.
    Este movimento (anti-feministas) realmente vem acordando o dragão adormecido. Por que ainda estamos tentando matá-lo!
    Tenho muito interesse pelos estudos sobre maternidade e opressão feminina. Tanto que colocarei algumas idéias pontuais dos meus estudos:
    * A maternidade se entrelaçou na história feminina camuflada como função natural. Todavia para além do biológico, manter a mulher relegada à maternidade era mantê-la longe da esfera política e pública. Para isto era preciso que a principal personagem (odeio esta palavra, afinal na vida real não interpretamos e sim vivemos, neutralidade obscena, mas vá lá) se rendesse a esta idéia, pior a comprasse e reproduzisse as assimetrias de gêneros aos descendentes. Surge então um movimento chamado Marianismo, na qual a mulher sofre grande influência da imagem de Maria Mãe de Jesus. Este movimento foi mais contundente na América Latina, dado a cultura católica enraizada na época da colonização dos mesmos. E claro pelas especificidades históricas e culturais destes países, também lembrando que esta idéia é bem criticada!!!
    As mulheres entenderam então que a maternidade era realmente "padecer no paraíso" e se permitiram enveredar por uma história asfixiada pelos cuidados para com os filhos tão somente.
    Pior que não só a religião foi a "vilã", mas houveram importantes participações do Estado e da Medicina.
    A Medicina com suas propostas biologizantes que via a reprodução como central na saúde feminina. Em específico a psicologia que cria uma estrutura rígida de cuidados corretos, de estímulos e vínculos com os filhos que eram meras abstrações do que verdade. Uma engenhoca lucrativa até os dias de hoje. Vê o livro de Augusto Cury: Maria, a maior educadora da História. Eu não li, mas gostaria de saber se um livro assim prega que temos que ser mulheres-mães virgens? seria uma derrota!
    Bom, a psicologia e pediatria também têm seus dedinhos (sujos) na história, por muito tempo as mulheres-mães foram criminalizadas pelos seus filhos autistas ou pela capacidade de produzir psicopatas. Obrigada Freud por mais esta!
    Os factóides reacendem a cultura e a Mídia faz algazarra. Coma isto, compre esta frauda, não fume, não faça sexo, coma a placenta!
    E o Estado que encontrou na mulher o canal reprodutor das assimetrias de poder, afinal ele era Paterno/Provedor cabendo todos os respeitos imputados ao pai biológico. Uma ideologiazinha caseira cozida no fogão, mas caldo da política e do respeito aos que Mandam. E na sociedade quem manda é o homem.
    Mas vamos ser honestos, havia muito de Maquiavel nisto, mas também de que estas instituições realmente acreditavam nestas idéias e por isso as reproduziam. Ou seja, elas as reproduziam e eram produzidas pelas idéias. Sabe aquele lance de dialética, pois é.

    Outro ponto bastante bacana é o uso por algumas estudiosas (não me pergunte quem agora) é o uso de mulher-mãe, assim desvinculando que toda mulher é fadada a maternidade. Maternidade é uma função social e não só biológica/reprodutiva.

    E por fim, o outro lado da moeda. Tem muitos estudos que demonstram como o homem foi afastado dos cuidados com a criança. A história e a sociedade cobravam isto da mulher, mas também abriu um abismo entre o filho e o pai. Com algumas mudanças sociais, como o DNA, idéias feministas circulando por aí e outras coisitas mais. Existe uma re-organização cultural em que o homem busca participar ativamente da criação dos filhos!
    Veja este site:
    http://www.papai.org.br/

    Bom, querida era isto. Desculpa os dados jogados ao cru. Mas estava pulsando estas contribuições, se você quiser referências, darei com muito prazer.

    Beijocas, Ana Laura

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  5. Gente, a referência sobre Freud não é totalmente correta. Mas não consegui me safar da brincadeira. Sobre o autismo foi um pseudo conhecedor da história que fundou este pensamento, mas agora não lembro o nome. Vou pesquisar melhor.
    Desculpem os erros no português. Estes dedinhos fervem!
    Ana Laura

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  6. Laura
    Obrigado por me permitir conhecer algumas das suas reflexões sobre este tema. Não sei se já as aprofundou e desenvolveu mas se não o fez encorajo-a veementemente a fazê-lo porque de facto a maternidade funcionou e alguns/algumas ainda pretendem que continue a funcionar, como uma estrutura opressiva.
    Li também algures, e se conseguir localizar a fonte transmito-lha, que o facto de a mulher ser praticamente a única a criar filhas e neste caso sobretudo os filhos é responsável pela postura ambivalente dos homens em relação às mulheres e pode contribuir para explicar melhor a misoginia latente ou explícita em muitos.
    abraço, adília

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  7. Bom e eu vou entrar aqui com outros dados, diferentes desses...

    Primeiro é q por mais idealistas q as defensoras da maternidade intensiva sejam ela não podem ir contra o nºs... e os nºs não validam o retorno voluntário à amelice... os divorcios aumentam e os casamentos diminuem um pouco por todo lado, e no Brasil 53% das familias já são monoparentais chefiadas por mulheres... q ja sabem q esse papo é falido... e esse dado vem direto do senado brasileiro...

    a outra questão é a q se refere ao sistema produtivo, esse sim, tem de mudar... kkkkkkkkk... não vamos deixar de ser mães por causa da ilusão das carreiras de sucesso, pq dessa forma tbm estamos trabalhando pro "boneco", perpetuando um sistema muito injusto de produção e exploração... se a maternidade não nos satisfaz, dentro desse sistema, muito menos anos e anos de exploração em carreiras muito longe de ter reconhecimento ou valoração... salvo raras exceções, nem tão honrosas assim... ja q a mulher q obtem sucesso no mercado de trabalho é aquela q se adapta melhor ao patriarcado e age tal e qual os homens...

    como eu vejo, e o q acredito, é na construção de um modelo social de partilha comunitaria da produção, em setores sustentaveis e muito provavelmente sistemas familiares mais alargados ou mesmo matrilineares... na verdade até ja existem e co-existem com o patriarcado... mas são invisiveis... como é o caso das comunidades do Musuo e de Meghalaya ou algumas tribos nativas... invisiveis como são 53% das familias brasileiras, uma maioria q ninguem vê, cegas pela ilusão patriarcal dos modelos de familia ideal "doriana"...

    bobagem, como disse a Rose Marie Muraro, em relação às minhas alunas adolescentes q tbm viam na maternidade precoce a sua saida "profissional"... assim q elas se depararem com a realidade pratica da vida, filho no colo e contas p pagar, sem marido elas deixam essa bobagem de lado...

    e as taxas tendem a aumentar cada vez mais... o matriarcado ja está de volta, falta apenas a consciencia feminina do seu poder e da sua propria feminilidade ancestral...

    afinal, existimos a cerca de 60 mil anos, vivendo como nomades, e depois em comunidades matrilineares, vilas e cidades imperios chefiadas por mulheres... só 10% desse tempo, os ultimos 6 mil anos, forma patriarcais...

    mas esse ciclo está chegando ao fim... felizmente...

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  8. Gostaria de saber se alguma se a autora ou algumas das comentadoras do texto é mãe. Pois eu sou. Tenho mestrado, exercia um trabalho importante e bem remunerado e agora estou em casa cuidando da minha filha. Não sou oprimida. Não fui seduzida pelas anti-feministas. Apenas percebo e sinto que meu bebê precisa de mim neste momento. Só sendo mãe para entender. Por favor, não falem daquilo que não vivenciaram.

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