Ainda hoje, quando um marido, namorado ou companheiro maltrata ou mata uma mulher, continua a fazer-se passar a mensagem, mesmo que sub-repticiamente, que o fez por amor e não por poder; um amor excessivo, traduzido em ciúmes mórbidos, ou um amor que não aguentou a rejeição; deste modo, com tal percepção, aceita-se a violência masculina e, obviamente, criam-se condições para a perpetuar.
Mas, a violência masculina não é um fenómeno individual, atribuível a idiossincrasias destas ou daquelas pessoas, embora obviamente possa ter uma componente desse tipo, e, por isso, não deve ser encarada dessa maneira; ela é a consequência natural do sistema de dominação em que vivemos, no qual continua a imperar a supremacia masculina; é um fenómeno político, resultante do modo como a vida de homens e de mulheres se encontra organizada; se não se entender isto, não se vai resolver o problema, pode-se agir circunstancialmente, mas o remédio será ineficaz.
Mesmo nas nossas modernas sociedades é difícil encontrar mulheres que em uma ou outra circunstância da sua vida não tenham sofrido ou temido a violência masculina e é esta dimensão que importa não escamotear; todavia, apesar desta constatação, muitas mulheres jovens preferem pensar que a igualdade já foi alcançada e que os casos de violência masculina são esporádicos e pontuais; pensar assim é muito reconfortante, mas ilude a questão porque a violência existe de facto e a ameaça que representa, quanto mais não seja, limita os movimentos das mulheres e por isso é um real impedimento à igualdade. É muito doloroso ter esta consciência e por isso é tão fácil rejeitá-la. Um caso obvio de dissonância cognitiva.