quarta-feira, 25 de março de 2009

Natureza feminina?!

Para começar a abordar o problema da natureza das mulheres convém conhecer os pressupostos de que se costuma partir. São estes que vamos aqui reportar.
A justificação dos papéis sociais que tradicionalmente as mulheres têm exercido sempre se baseou em alegada diferença de natureza entre os dois sexos: As mulheres seriam por natureza muito diferentes dos homens e isso justificaria que fossem confinadas à esfera privada e ao exercício exclusivo dos papéis sociais de esposa e de mãe.
Há motivos para pensar que esta alegada diferença, ou pelo menos a interpretação que lhe tem sido dada, não é correcta. Vejamos esses motivos.
Em primeiro lugar e antes de mais, as teorias acerca das naturezas de homens e de mulheres foram estabelecidas pelos homens e estes têm um interesse muito forte no assunto que não lhes permite uma postura imparcial. A sua posição é semelhante à de quaisquer grupos sociais dominantes que, para conservarem o seu domínio, têm sempre toda a vantagem em encontrar justificações teóricas que permitam disfarçar a opressão sob a forma de um simulacro de correcção moral. A história é fértil em exemplos que o confirmam. Nada parece ser mais reconfortante para um homem do que acreditar que a única vocação da mulher é dedicar a sua vida a tomar conta dele e dos filhos. Rousseau no Livro V do Emile emprestou a força retórica do seu estilo à defesa desta mesma crença:

«Toda a educação das mulheres deve ser relativa aos homens. Agradar-lhes, ser-lhes útil, fazer-se amar e honrar por eles; criá-los quando jovens, cuidar deles quando crescidos, aconselhá-los, consolá-los, tornar a sua vida agradável e doce; estes são os deveres das mulheres em todos os tempos e o que se deve ensinar-lhes desde a infância Quanto mais nos afastarmos destes princípios, mais nos afastaremos do nosso objectivo e todos os preceitos que lhes dermos falharão no sentido de garantir a sua felicidade ou a nossa.»

Esta razão toma por base o facto de os homens terem construído uma ideia acerca da natureza das mulheres que é tudo menos imparcial, e que deve ser em grande parte o resultado de um pensamento voluntarista - aquilo que em língua inglesa se designa por wishful thinking.

Uma outra razão, igualmente importante, que nos leva a pôr em causa esta pretensa diferença de natureza entre homens e mulheres e suas implicações, decorre do facto de que, para se conhecer a natureza de uma coisa, - admitindo-se que exista tal coisa como a natureza de uma coisa - não basta fazer umas quantas observações de senso comum; as coisas ocorrem sempre em determinados contextos e estes não podem ser ignorados. Ora, no caso em apreço, há fortes contextos circunstanciais, ligados ao processo de aculturação das mulheres. O modo como as mulheres têm sido condicionadas pelo meio e pela educação leva a colocar em dúvida a existência de uma natureza dada, tão ao gosto dos homens, e a pensar numa natureza que é pelo menos em grande parte uma construção social e que, assim como foi adquirida, também pode ser alterada.

2 comentários:

  1. Vamos lá vêr, isso é em grande parte verdade, muito embora, se deva notar que há componentes de comportamento humano que são inatos e o Darwin encontrou vários exemplos disso no mundo animal. Como tal alguns deste estéreotipos tem raizes de certo modo cientificas.

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  2. A existência de sociedades em que não existe a divisão do trabalho ou em que as relações entre os sexos são igualitárias provam o erro que é esse argumento da natureza humana.
    A própria ciência moderna nem sequer coloca a questão nesses termos.
    Ainda assim, acho que se deve atacar os argumentos contrários em todas as frentes.

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