sexta-feira, 8 de maio de 2009

Carta aberta às mulheres que vivem à sombra dos homens

Simone de Beauvoir escreveu em Pour une Morale de l’Ambiguité (1947):

«Mesmo nos nossos dias, nos países do Ocidente, há muitas mulheres, de entre aquelas que não fizeram a aprendizagem da sua liberdade através do trabalho, que se abrigam à sombra dos homens; adoptam sem discussão as opiniões e os valores reconhecidos pelos seus maridos ou amantes, e isso permite-lhes desenvolver qualidades infantis interditas aos adultos porque repousam sobre um sentimento de irresponsabilidade. Se aquilo que se designa de futilidade feminina tem por vezes tanta graça e encanto, se por vezes possui mesmo um carácter comovente de autenticidade, é porque, assim como nos jogos infantis, ela manifesta um gosto gratuito pela existência, ela é a ausência do sério. O inconveniente é que, em muitos destes casos, essa despreocupação, essa alegria, essas invenções encantadoras implicam uma cumplicidade profunda com o mundo dos homens que tão graciosamente parecem contestar, e é com alguma contrariedade que nos espantamos ao ver, assim que o edifício que as abriga parece estar em perigo, as mulheres sensíveis, ingénuas, superficiais mostrarem-se mais agrestes, mais duras, mesmo mais furiosas ou mais cruéis que os seus senhores. Então descobrimos qual é a diferença que as distingue de uma verdadeira criança: à criança a situação é-lhe imposta, enquanto a mulher (entendo a mulher ocidental dos nossos dias) escolheu-a ou pelo menos deu-lhe o seu consentimento. A ignorância, o erro são factos tão inelutáveis como os muros de uma prisão (…) Mas, assim que uma libertação surge como possível, não explorar essa possibilidade é uma demissão da liberdade, demissão que implica má fé e que é uma falta positiva.»

Beauvoir está aqui a referir as mulheres cujos objectivos se centraram na esfera da vida pessoal e que escolheram ou consentiram viver à sombra dos homens; está a atingir um número muito significativo de mulheres da época, mas ainda hoje temos de reconhecer que esse universo é muito vasto. Essas mulheres tendem a partilhar acriticamente as opiniões e os valores dos homens e foi exactamente esta presunção que, mesmo quando, nos fins do século XVIII, o direito de voto foi concedido aos homens, justificou a recusa do mesmo às mulheres com o argumento de que o chefe da família já representava os seus interesses.
A mulher que vive e aceita esta situação de dependência desenvolve e muitas vezes cultiva atitudes infantis que pretensamente a tornam mais encantadora: a ingenuidade, volubilidade e uma certa futilidade são-lhe perdoadas, diria mesmo encorajadas, pois conducentes à cumplicidade com os homens, seus senhores e amantes. Por isso é que, essas mesmas mulheres, assim que o mundo masculino, em que tão bem se integram, parece correr risco, se arvoram nas suas mais extremosas defensoras. Isto pode explicar, penso, o facto de tantas mulheres encararem o feminismo com reservas, havendo muitas, sobretudo das classes privilegiadas que se lhe opõem abertamente.

Estas mulheres, que se poderiam libertar, mas não fazem qualquer tentativa nesse sentido, que se demitem da sua liberdade, são, na opinião de Beauvoir, e eu assino por baixo, pessoas de má fé e incorrem numa conduta verdadeiramente imoral pois cometem uma falta positiva.

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