Ruth Benedict, antropóloga social, autora de Patterns of Culture (1934), explicou com clareza como a categoria do «outro» surge enquanto pólo - perverso é certo, aparentemente necessário à afirmação de qualquer grupo social:
“O homem primitivo nunca considerou o mundo nem viu a Humanidade como se fosse um grupo, nem fez causa comum com a sua espécie. Desde o início foi o habitante de uma província que se isolou por meio de altas barreiras. Quer se tratasse de escolher mulher ou de cortar uma cabeça, a primeira distinção que fazia, e a mais importante, era entre o seu próprio grupo humano e os de fora do grémio. O seu grupo e todos os seus modos de comportamento eram únicos.”
Assim, o primeiro impulso de qualquer grupo social é o de destruir, exterminar o outro. E o outro é o que é diferente, considerado obviamente inferior; pode transformar-se com facilidade em bode expiatório ao qual se vai atribuir tudo o que de mal acontece. O outro ajuda à construção da identidade do grupo e é factor de coesão social.
Ora na relação estabelecida desde o início entre o homem e a mulher, verifica-se que esta funcionou também como o outro dentro do próprio grupo social. À custa desse outro, que era a mulher, o homem pôde construir e consolidar a sua própria identidade. Mas neste específico caso, o impulso de extermínio não poderia ser inteira e cabalmente satisfeito pois, se o fosse, conduziria à extinção da espécie, daí que os homens se tenham limitado, em termos gerais, a diminuir a mulher enquanto pessoa, impedindo a sua realização; ou, numa tentativa de suavizar o golpe, limitando essa realização a uma função biológica - a maternidade, que em dado momento procuraram mesmo idealizar e até sacralizar.
Todavia, não satisfeitos com essa limitação, houve sempre um grupo de mulheres que, simbolizando o mal absoluto, foram perseguidas e aceites apenas marginalmente ou mesmo exterminadas, estamos a falar das prostitutas, por um lado, e das bruxas da Idade Média, por outro, às quais foi aplicada com todo o zelo e eficiência uma espécie de «solução final».
É certo que todo este processo esteve longe de ser consciente, programado ou planejado, mas nem por isso deixou de ser menos deletério.
Compreender por que é que as mulheres aceitaram este papel que a sociedade dominada pelos homens lhes prescreveu não é tarefa fácil. Mas provavelmente não tiveram outro recurso: menos fortes do que os homens em termos físicos; sobrecarregadas com uma função reprodutiva sobre a qual não detinham qualquer controlo; condicionadas por um processo de aculturação que tudo fazia para as remeter para o seu «lugar natural» a que as religiões patriarcais conferiam um estatuto imutável e desejável; diminuídas moralmente com a interiorização do sentimento de culpa pelos males de que humanidade sofria, constituíam o objecto privilegiado sobre o qual se podia abater a vontade de poder do mais forte e acabaram por fornecer o modelo de todas as outras formas de opressão.
Hoje, com alterações profundas no modo de viver da humanidade, começa a ser possível desmontar estas questões e implementar um processo de libertação que, mesmo no mundo ocidental, se encontra muito longe de concluído.
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