Referi já que a concepção de ética que se perfilhe pode repercutir-se na valorização ou na desvalorização da mulher enquanto ser capaz de agência moral e consequentemente na sua capacidade de responsabilidade e autonomia. Neste aspecto, a ética kantiana e a concepção que Kant defende da mulher enquanto menos dotada de racionalidade é exemplar.
Diferentemente, David Hume (1711-1776), que precedeu Kant (1724-1804), defende uma ética que de maneira alguma permite discriminar negativamente as mulheres. Para percebermos melhor a posição de Hume, convém recordarmos alguns aspectos da ética kantiana e confrontá-la com as posições assumidas por Hume.
Kant erigia a razão no factor determinante da decisão ética e definia-a como uma faculdade pura capaz de encontrar leis e princípios universais; mas já antes de Kant, Hume manifestou cepticismo relativamente a essa pretensa faculdade racional, pura e independente da sensibilidade ou dos afectos e até dos interesses, uma razão solitária e intelectualizada muito cara aos filósofos tradicionais. Hume escandalizou a elite bem pensante do seu tempo, produzindo a afirmação algo paradoxal de que a razão é a escrava das paixões.
Está de tal modo está arreigada em nós a crença de que o que nos distingue da restante animalidade é a posse de uma razão superior que a primeira reacção à afirmação de que a razão é a escrava das paixões é de uma certa incredulidade; só com o passar do tempo a conseguimos digerir e perceber quão acutilante Hume se revelou e como ele conseguiu perceber, antes de muitos outros, como a razão pode entrar em delírios e produzir monstruosidades.
Quando Hume escreve que a razão é a escrava das paixões quer com isso manifestar que devemos desconfiar das suas pretensões à objectividade pura porque ela sempre tende a justificar aquilo que nos interessa. Ele não o disse, ou pelo menos não utilizou a expressão, mas di-lo-á por exemplo, Edgar Morin, quando afirma que é fácil à razão cair na racionalização – no delírio da razão. Na mesma ordem de ideias, hoje utiliza-se com frequência a expressão inglesa, dificilmente traduzível, «wishful thinking» para referir uma espécie de pensamento voluntarista que leva a pensar que é verdadeiro aquilo que mais agrada e que melhor corresponde aos anseios profundos das pessoas.
Podemos dar exemplos que facilmente permitirão compreender este ponto: (1) É frequente pessoas de altos rendimentos acreditarem piamente e justificarem racionalmente uma política de contenção de impostos, enquanto os desempregados ou aqueles que auferem salários escassos tenderão a considerar insuficiente o nível de taxação existente. Num caso e no outro, poderão produzir-se argumentos racionais bastante convincentes, embora de sentido oposto, o que pode permitir concluir que o que inclina a razão num ou no outro sentido são os interesses e as questões afectivas do agrado e do desagrado e que a razão é movida por esses interesses ao invés de os controlar. (2) Homens que tudo têm a ganhar de esposas devotadas e centradas nas necessidades deles próprios tenderão a encontrar argumentos racionais para manter a situação das mulheres inalterada e tudo farão para se convencerem da justeza da sua posição.
Estes e outros exemplos confirmam que não é possível separar a razão do sentimento e da afectividade em geral e que o melhor que podemos fazer é escrutinar sempre as nossas razões e tentar exercer sobre elas a crítica.
Postas estas reservas em relação à razão humana e à sua capacidade de determinação imparcial, resta a Hume reconhecer que no plano ético, para explicar as decisões morais, não é suficiente tomar como ponto de referência a razão, mas é também imprescindível incluir o sentimento. Neste sentido, Hume valoriza um traço que tem sido apontado como predominantemente feminino e, nesse aspecto, a ética que propõe não exclui as mulheres do universo ético.
No lugar da razão, Hume coloca a simpatia pelos que nos são próximos e por nós próprios e propõe que cultivemos atitudes de benevolência e de compreensão em relação ao outro. Não é um edifício imponente como aquele que Kant procurou construir, mas revela talvez maior valor pragmático e, embora menos rigorosa, lida melhor com a diferença e com a tolerância em relação aos outros, e não conduz à aceitação de verdadeiros atropelos contra as pessoas como os que por vezes se cometem em nome de princípios eternos e universais.
Diferentemente, David Hume (1711-1776), que precedeu Kant (1724-1804), defende uma ética que de maneira alguma permite discriminar negativamente as mulheres. Para percebermos melhor a posição de Hume, convém recordarmos alguns aspectos da ética kantiana e confrontá-la com as posições assumidas por Hume.
Kant erigia a razão no factor determinante da decisão ética e definia-a como uma faculdade pura capaz de encontrar leis e princípios universais; mas já antes de Kant, Hume manifestou cepticismo relativamente a essa pretensa faculdade racional, pura e independente da sensibilidade ou dos afectos e até dos interesses, uma razão solitária e intelectualizada muito cara aos filósofos tradicionais. Hume escandalizou a elite bem pensante do seu tempo, produzindo a afirmação algo paradoxal de que a razão é a escrava das paixões.
Está de tal modo está arreigada em nós a crença de que o que nos distingue da restante animalidade é a posse de uma razão superior que a primeira reacção à afirmação de que a razão é a escrava das paixões é de uma certa incredulidade; só com o passar do tempo a conseguimos digerir e perceber quão acutilante Hume se revelou e como ele conseguiu perceber, antes de muitos outros, como a razão pode entrar em delírios e produzir monstruosidades.
Quando Hume escreve que a razão é a escrava das paixões quer com isso manifestar que devemos desconfiar das suas pretensões à objectividade pura porque ela sempre tende a justificar aquilo que nos interessa. Ele não o disse, ou pelo menos não utilizou a expressão, mas di-lo-á por exemplo, Edgar Morin, quando afirma que é fácil à razão cair na racionalização – no delírio da razão. Na mesma ordem de ideias, hoje utiliza-se com frequência a expressão inglesa, dificilmente traduzível, «wishful thinking» para referir uma espécie de pensamento voluntarista que leva a pensar que é verdadeiro aquilo que mais agrada e que melhor corresponde aos anseios profundos das pessoas.
Podemos dar exemplos que facilmente permitirão compreender este ponto: (1) É frequente pessoas de altos rendimentos acreditarem piamente e justificarem racionalmente uma política de contenção de impostos, enquanto os desempregados ou aqueles que auferem salários escassos tenderão a considerar insuficiente o nível de taxação existente. Num caso e no outro, poderão produzir-se argumentos racionais bastante convincentes, embora de sentido oposto, o que pode permitir concluir que o que inclina a razão num ou no outro sentido são os interesses e as questões afectivas do agrado e do desagrado e que a razão é movida por esses interesses ao invés de os controlar. (2) Homens que tudo têm a ganhar de esposas devotadas e centradas nas necessidades deles próprios tenderão a encontrar argumentos racionais para manter a situação das mulheres inalterada e tudo farão para se convencerem da justeza da sua posição.
Estes e outros exemplos confirmam que não é possível separar a razão do sentimento e da afectividade em geral e que o melhor que podemos fazer é escrutinar sempre as nossas razões e tentar exercer sobre elas a crítica.
Postas estas reservas em relação à razão humana e à sua capacidade de determinação imparcial, resta a Hume reconhecer que no plano ético, para explicar as decisões morais, não é suficiente tomar como ponto de referência a razão, mas é também imprescindível incluir o sentimento. Neste sentido, Hume valoriza um traço que tem sido apontado como predominantemente feminino e, nesse aspecto, a ética que propõe não exclui as mulheres do universo ético.
No lugar da razão, Hume coloca a simpatia pelos que nos são próximos e por nós próprios e propõe que cultivemos atitudes de benevolência e de compreensão em relação ao outro. Não é um edifício imponente como aquele que Kant procurou construir, mas revela talvez maior valor pragmático e, embora menos rigorosa, lida melhor com a diferença e com a tolerância em relação aos outros, e não conduz à aceitação de verdadeiros atropelos contra as pessoas como os que por vezes se cometem em nome de princípios eternos e universais.
Devo confessar que durante boa parte da minha vida me senti atraída pelo rigorismo e formalismo kantiano até que percebi que no mínimo ele é vazio e no máximo pode justificar qualquer forma de opressão e até de totalitarismo, a partir desse momento e tendo tomado conhecimento das propostas de Hume inclinei-me decisivamente no sentido das posições que ele defende.
Hola amiga:
ResponderEliminarAcabo de encontrarme con la desagradable sorpresa de que han clausurado el blog Sexismo Publicitario...aún no sabemos el motivo.Espero nos lo aclaren a la brevedad.Es por eso que si intentas entrar no podrás hacerlo.
Hasta pronto
Tere Marin
Olá Tere
ResponderEliminarVejo que ainda não conseguiu resolver a situação da qual porventura não tem qualquer responsabilidade. Gosto de visitar este seu blog pelo que espero consiga resolver rapidamente o problema.
um abraço,adília