quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Ciência, objectividade e perspectiva masculina

Temos hoje como um dado incontroverso que o pensamento filosófico reflecte sempre as circunstâncias sociais em que é produzido, é sempre o pensamento de uma determinada época e a sua aspiração à universalidade e à intemporalidade é isso mesmo, aspiração. O filósofo é filho do seu tempo e não há como rejeitar essa paternidade. Hoje praticamente esta situação é reconhecida, não suscita polémica e não torna menos prestigiante a actividade filosófica, embora a envolva sempre em alguma suspeição, suspeição essa até saudável e consistente, se aceitarmos que a crítica, a dúvida, o cepticismo tem de ser elementos constitutivos do labor filosófico.
Já em relação à ciência e ao conhecimento científico o seu estatuto, por ora, encontra-se menos abalado, pois que, por um lado, é um conhecimento que pretende ater-se aos factos e, por outro, rodeia-se de uma panóplia de mecanismos de registo e de validação que, pensa-se, lhe garantem a racionalidade pura, pela anulação do sentimento e da emoção, numa palavra do parti e pris afectivo do cientista. Por isso, a ciência, até há bem pouco tempo, pôde arrogar-se a pretensão de descrever o mundo de um modo neutro, puramente racional, universal e objectivo descrevendo a realidade de uma forma imparcial. Mesmo ainda hoje é assim que a grande maioria das pessoas a percebe e lhe reconhece aquele poder que habitualmente só a associação entre conhecimento e verdade suscita. Mas, também há já quem comece a perceber que assim como a filosofia é feita por filósofos e estes são filhos do seu tempo, do mesmo modo a ciência é feita por cientistas e estes também não podem negar a sua filiação. Há já quem perceba o óbvio - escondido durante tanto tempo, a ciência é uma actividade social e, por isso, pese embora a sua pretensão à neutralidade e à universalidade, incorpora necessariamente os valores da sociedade em que é produzida porque, enquanto pensamento humano, é determinada pelas condições económicas e culturais da sociedade.

As sociedades em que a filosofia e a ciência, os mais altos expoentes do saber humano, têm sido produzidas, são inegavelmente sociedades sexistas nas quais os homens foram os protagonistas exclusivos; só a partir da época contemporânea as mulheres, timidamente, se vêm aventurando nestes redutos masculinos; e, assim como no passado, filosofias e ciências produziram concepções do mundo, da vida, das relações entre os sexos, que basicamente exprimiam o ponto de vista masculino, hoje não podemos esperar que, por um golpe de mágica, passem a descrever a realidade e, particularmente, as relações sociais sem o preconceito de género que desde sempre as condicionou.

Não mais é possível manter a ilusão de que a ciência descreve objectivamente a realidade – a ciência é feita por sujeitos e não pode anular-se a sua subjectividade sob pena de se anular o conhecimento; mas é possível alimentar a ambição de que ela deixe de descrever a realidade partindo da subjectividade masculina, partindo da perspectiva dos homens que é apenas um ponto de vista, que está longe de ser o único e não é com certeza nem neutro, nem imparcial e muito menos universal. Mas para que isso possa acontecer é necessário que cada vez mais e mais mulheres sigam carreiras cientificas, integrem e comecem mesmo a chefiar equipas de investigação. Aqui como em outros domínios é de esperar que os interesses das mulheres comecem a ser acautelados.

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