Nos Estados Unidos existem actualmente várias organizações anti-feministas, mas, pela sua influência na vida americana, duas delas destacam-se nitidamente, a IWF (Independent Women’s Forum) e a CWA (Concerned Women for America). Estas organizações agrupam mulheres conservadoras, são activas, bem estruturadas, com capacidade de intervenção na esfera política e com acesso às organizações governamentais e aos Media.
A CWA foi criada em 1979 tendo como objectivo específico combater o ERA (Equal Rights Amendment) e é uma organização de mulheres conservadoras de filiação evangélica com preocupações morais tanto a nível da esfera privada quanto da esfera pública, que se opõe ao aborto, aos direitos civis para os homossexuais e que defende a reintrodução da oração nas escolas.
A IWF é uma organização económica conservadora criada em 1992 tendo como uma das fundadoras a senhora Lynne Cheney, esposa do vice-presidente na época Dick Cheney. Enquanto centrada em questões económico-políticas, a IWF procura limitar o número e o alcance de programas sociais federais, opõe-se a medidas limitativas e regulamentadoras da esfera económica e preconiza o desenvolvimento do sector privado no fornecimento de bens e de serviços públicos, adoptando assim uma linha nitidamente neo-liberal que pretende reduzir ao mínimo a interferência do Estado na vida dos cidadãos. Em relação a questões como o aborto, a IWF não intervém nem se pronuncia oficialmente.
Para além dos objectivos específicos acima enunciados, estas organizações cumprem uma agenda mais ampla, visando em primeiro lugar destruir a hegemonia feminista enquanto representante exclusiva dos interesses das mulheres. Não só contestam que o movimento feminista represente os interesses das mulheres como colocam em questão a definição desses interesses pelo movimento, e procuram intervir, sempre que oportuno, para minarem o sucesso das políticas propostas pelas feministas. Habilmente, através de uma retórica bem conseguida, apresentam valores conservadores sob roupagens feministas e conseguem atrair a atenção e o apoio de um número significativo de mulheres não só para os objectivos específicos que propõem, mas também conseguem mobilizá-las para a eleição de governos e de governantes conservadores. Como se costuma dizer, matam dois coelhos de uma só cajadada: reduzem a audiência e o impacto das organizações feministas e atraem mulheres para as políticas de direita que assim ficam legitimadas perante o eleitorado feminino.
As organizações anti-feministas não podem ignorar que, apesar do repúdio pela designação de «feministas», muitas mulheres sentem que as suas condições de vida foram favorecidas pelas reivindicações e pelas lutas que o movimento feminista empreendeu. Um inquérito recente realizado nos E. U mostrou que 80% das inquiridas considerava de forma positiva o Movimento das Mulheres (Women’s Movement) entendendo que este tinha aberto novas janelas de oportunidades para as mulheres tanto no plano económico como no educacional. Por isso um dos objectivos das organizações anti-feministas é mostrarem que se preocupam com os interesses das mulheres e este é conseguido através da integração de mulheres nos quadros políticos de partidos de direita ou em lugares de relevo de organizações governamentais. Ainda recentemente na eleição presidencial de 2008/2009, a escolha pelo partido republicano da governadora do Alasca Sara Palin para o cargo de vice-presidente parece ter correspondido a essa necessidade de mostrar às mulheres americanas que um partido conservador também se preocupa com as mulheres e coloca mulheres ou apresenta-as para eleição em cargos públicos de relevância nacional.
Apesar da importância óbvia destas organizações anti-feministas e do perigo que podem representar para o feminismo, o meio académico não tem mostrado interesse na sua análise e interpretação e escasseiam as publicações sobre o tema; esta atitude, em minha opinião, é preocupante pois parece-me que a política da avestruz de pôr a cabeça debaixo da areia, isto é, a política de ignorar os problemas, não consegue por esse meio eliminá-los, bem pelo contrário.
Por outro lado, simplificar a questão, pretendendo que as mulheres anti-feministas são vítimas de falsa consciência, pode não ser a melhor estratégia, mesmo que tal pretensão correspondesse à verdade, o que é discutível. Se reflectirmos um pouco sobre a psicologia da vítima constatamos que muitas pessoas que consideramos como vítimas recusam assumir esse estatuto e negam essa «realidade» a fim de protegerem a sua auto-imagem, estes processos de auto-mistificação resultam em princípio da actuação de mecanismos que operam ao nível do inconsciente ou do subconsciente.
Para nós, feministas, é óbvio que as anti-feministas estão a realizar as vontades dos seus maridos e a promover os valores familiares que a sua religião apresenta como fundamentais e inegociáveis. E objectivamente as coisas passam-se dessa maneira; por isso é que tanto os partidos políticos de direita como os Media (controlados por quem detém o capital, em princípio homens) dão um protagonismo por vezes nitidamente excessivo a mulheres que defendem os valores tradicionais e o status quo e ignoram ou desvirtuam completamente as propostas apresentadas pelas outras.
Claro que palavras como as que Dworkin pronunciou acerca das anti-feministas encontram eco na minha mente e na de muitas outras pessoas, somos tentadas a aceitá-las pelo seu valor facial:
«A tragédia é que mulheres tão preocupadas com a sobrevivência não conseguem reconhecer que estão a cometer suicídio. O perigo é que mulheres com espírito de auto-sacrifício dão soldados-rasos perfeitos que obedecem a ordens não importa quão criminosas essas ordens possam ser. A esperança é que essas mulheres, perturbadas com o conflito interno que não pode ser silenciado por manipulação, se vejam forçadas a articular as realidades das suas próprias experiências enquanto mulheres que se submetem à vontade dos homens.»
Mas para perceber por que motivos tantas mulheres se filiam e apoiam organizações anti-feministas não se pode ficar por aqui;interessa perceber o que tem vindo a afastar as mulheres do apoio declarado ao feminismo já que, mais indirectamente, não negam nem muito menos repudiam as vantagens que com ele alcançaram; numa palavra é urgente tomar consciência dos problemas e das dificuldades ao invés de optar pela reacção emocional primária; por outro lado, torna-se necessário desmontar a retórica anti-feminista ou pelo menos contrapor-lhe uma retórica paralela, à altura. Estas, parece-me, são tarefas e desafios prioritários.
Adília,
ResponderEliminar"interessa perceber o que tem vindo a afastar as mulheres do apoio declarado ao feminismo já que, mais indirectamente, não negam nem muito menos repudiam as vantagens que com ele alcançaram;"
... já viu como é cómodo desempenhar apenas um papel secundário sem ter de assumir posições de liderança e decisão?
Eu penso que esta 'preguiça' de liderar pode justificar a atitude dos movimentos anti-feministas.
Aprendi muitas coisas que não sabia, Adília, obrigada.
sou a favor do movimento feminista.apoio.
ResponderEliminarQuero um dia ver as mulheres com total autonomia e independencia.Espero que as mulheres tenham mais amor proprio, se valorizem e busquem seu espaço,que é merecido,uma vez que o homem nao é superior e nem melhor que a mulher em nada.todas as pessoas nascem de forma igual e todas morrem e simplismente se acabam debaixo da terra,endependentemente de situaçao finaceira,cor,sexo ou raça.todas as pessoas merececem ser tratadas com respeito.
Procurem o livro "Martin Van Creveld - O Mito da Fragilidade Feminina". Está no 4shared.
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