sábado, 30 de janeiro de 2010

As anti-femistas e a campanha contra o voto para as mulheres

As anti-feministas partem do pressuposto de que há diferenças significativas a nível biológico e social entre homens e mulheres que determinam o exercício de papéis diferentes e não intermutáveis e que constituem a base para a complementaridade entre os sexos. A partir daí enfatizam a função maternal da mulher, acusando as feministas de a desvalorizarem e consequentemente de constituírem uma ameaça ao estatuto social da mulher e à ordem social existente que, no contexto da relação entre os sexos, consideram ser a preferível. Para elas, pelo menos para muitas, o que confere à mulher especificidade e importância é a sua função enquanto mãe e cuidadora dos filhos e do marido, garantindo assim as bases para uma ordem social estável e segura.

Se recuarmos um pouco no tempo, constatamos que as anti-feministas, mesmo as dos nossos dias, seguem a doutrina de Rousseau; este já no século XVIII pretendia restringir o papel da mulher considerando que a sua função era «servir» o homem - como defende no Emílio ou da Educação, com o argumento de que as mulheres exercem uma influência positiva na educação dos homens, e indirectamente na vida da nação, por isso preconiza que: «toda a educação das mulheres deve ser relativa aos homens. Agradar-lhes, ser-lhes útil, fazer-se amar e honrar por eles, criá-los quando jovens, cuidar deles quando crescidos, aconselhá-los, consolá-los, tornar a sua vida agradável e doce; estes são os deveres das mulheres em todos os tempos e o que se lhes deve ensinar desde a infância.»

Como Rousseau, também as anti-feministas - se quiserem manter uma linha de coerência, aceitam que as mulheres não devem buscar a sua realização enquanto indivíduos através da procura de afirmação pessoal que possa ser conseguida pelo estudo ou pelo empenho em carreiras artísticas ou profissionais,na esfera pública, mas devem limitar-se à esfera privada da família e viver, digamos assim, por interpostas pessoas, sejam estas os filhos, obviamente os do sexo masculino- já que as jovens filhas devem ser educadas para desempenharem os papéis tradicionais, ou os maridos, criando-lhes as condições de estabilidade, segurança e conforto familiar para que eles possam florescer na esfera pública.

Neste contexto, podemos perceber os argumentos utilizados nos fins do século XIX e inícios do século XX pelas anti-feministas para justificarem a sua oposição à concessão do direito de voto para as mulheres, que era reivindicado pelas feministas. O slogan repetido era «O sufrágio da mulher opõe-se aos direitos da mulher» e procurava convencer as mulheres de que, no seu melhor interesse, se deveriam opor e fazer campanha contra essa reivindicação que consideravam espúria pois que se o direito de voto lhes fosse concedido, perderiam privilégios e veriam o seu estatuto de esposas e de mães diminuído já que pelos arranjos sociais existentes, as mulheres, por direito informalmente reconhecido, não precisavam de trabalhar pois os maridos proviam financeiramente às necessidades da família. Por outro lado, argumentavam que o exercício de direitos políticos iria distrair as mulheres da centralidade do seu papel enquanto esposas e mães.

Josephine Dodge, líder fundadora em 1911 do contra-movimento conhecido pela sigla NAOWS – National Association Opposed to Woman Suffrage, casada com um homem rico e poderoso (praticamente todas as lideres e membros influentes das organizações feministas estavam ligadas por casamento a políticos ilustre ou a barões da indústria) escreveu palavras bem esclarecedoras:

«É direito de uma mulher estar isenta de responsabilidade política de modo a que possa ficar livre para prestar o seu melhor serviço ao Estado. O Estado garante-lhe legislação protectora em ordem a que ela possa atingir a sua mais elevada eficiência naqueles departamentos do mundo do trabalho que pela sua natureza e pelo seu treino melhor se lhe adaptam.»

Quer dizer a função da mulher esgota-se no seu papel de esposa e mãe e para bem desempenhar esse papel os assuntos políticos não a devem perturbar e o Estado deve protegê-la. Repare-se como se justifica a recusa de direitos políticos para as mulheres: deixam de ser direitos e passam a ser um encargo que é melhor reservar para os homens, com o pressuposto de que eles irão sempre legislar no melhor interesse das mulheres. De facto, se considerarmos que o melhor interesse das mulheres é, como dizia Rousseau, agradar e servir os homens, então não há qualquer problema. E postas as coisas cruamente é assim que as anti-feministas «vêem» o lugar da mulher na sociedade. Com isto todavia não conseguem fugir a uma contradição de fundo: é que o papel que elas advogam para «a mulher» não é nada parecido com o que elas próprias assumem enquanto líderes de organizações que procuram fazer a diferença na esfera pública; podem sempre argumentar que se trata de um papel provisório, uma espécie de missão, que abandonarão tão logo sejam conseguidos os objectivos que se propõem, para regressarem ao recato do lar doméstico, mas este argumento não parece muito convincente pois elas não conseguem esconder pela sua própria prática de vida a necessidade de protagonismo que as suas adversárias até reconhecem como legítima. Mas apesar desta contradição, que deveria suscitar alguma reflexão crítica, o facto é que a retórica anti-feminista foi perigosa porque conseguiu fazer passar junto de muitas mulheres a imagem de que as sufragistas pretendiam destruir a Família e prejudicar as mulheres, que perderiam o direito a serem suportadas financeiramente pelos maridos. Ora, mesmo em relação à família, o que as sufragistas defendiam era um modelo de família em que a relação de domínio/submissão não tivesse lugar e fosse substituída pela cooperação e pelo verdadeiro companheirismo. Defendiam ainda o acesso das mulheres à educação e ao trabalho considerado socialmente produtivo como garantia de autonomia pessoal em todos os domínios, a começar pelo financeiro que é o básico e o suporte de todos os outros, o que não implicava obrigar as mulheres a desistirem do ideal de vida exclusivamente doméstica se essa fosse a sua real opção.

As anti-sufragistas acabaram por perder a batalha pois o direito de voto para as mulheres foi aprovado nos Estados Unidos em 1920, mas continuaram a postos para minarem os sucessos alcançados ou para integrarem movimentos de reacção em outras frentes. Um desses movimentos foi a WKKK – Women of the Ku Klux Klan que, como o congénere masculino, defendia a pureza racial, étnica e religiosa, considerada indispensável para a grandeza da nação americana; nessa conformidade advogava ainda o apoio à procriação dos casais brancos (preferencialmente protestantes) como antídoto contra a proliferação de indivíduos de outras raças. Curiosamente, ainda hoje esse argumento é invocado quando se discute a questão do aborto, só que agora o perigo já não parecem ser directamente os negros ou os judeus, mas os muçulmanos.

A KKK e a sua porta-voz feminina a WKKK deixaram uma memória muito triste e lamentável na história americana e é de notar como aquelas que se opunham aos direitos das mulheres afinal também se mostravam disponíveis para fazerem coro com aqueles que se opunham aos direitos dos negros, pretendendo manter estruturas sociais injustas, discricionárias e anquilosadas e não hesitando em recorrer ao terrorismo para alcançar pelo medo o que não conseguiam através da luta politica tradicional. O mesmo estratagema é usado ainda hoje, no fundo pela mesma gente, quando recorre ao assassínio de médicos e de pessoal de clínicas que praticam o aborto, no quadro da lei estabelecida nos Estados Unidos, para conseguirem pelo terror o que não conseguem na arena política.

No decurso da segunda guerra mundial, organizações anti-feministas defenderam o anti semitismo e o isolacionismo norte americano mostrando mais uma vez a sua propensão anti-progressista e reaccionária, ou seja, a sua verdadeira face.
A partir dos finais da década de 70 do século XX as organizações anti-feministas reciclaram-se, fizeram algumas concessões e modificaram o discurso, mas os pressupostos básicos e os objectivos não se alteraram substancialmente.

3 comentários:

  1. uaaau , seu blog eh impressionante! parabens... sera que vc poderia divulgar o meu blog por favor? visite-o, espero que goste. love-cricri.blogspot.com aqui tem um pouquinho pra cd tipo de pessoa.. espero poder fazer o mesmo pelo seu

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  2. ola Cri-cri, já fui dar uma mirada ao seu blog e pareceu-me interessante, mas vou voltar com mais vagar.
    Bem vinda à blogosfera e felicidades.
    abraço, adília

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  3. Felizmente, podemos votar!

    E não foi fácil lá chegar... uff!

    É esclarecedora, a constatação:

    " No decurso da segunda guerra mundial, organizações anti-feministas defenderam o anti semitismo e o isolacionismo norte americano mostrando mais uma vez a sua propensão anti-progressista e reaccionária, ou seja, a sua verdadeira face."

    Obrigada, Adília.
    Um abraço.

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