sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Sim é sim e não é não

A sexualidade feminina tem sido reprimida através dos séculos, nas diferentes épocas e culturas; essa repressão foi o meio que as sociedades de supremacia masculina utilizaram, e ainda utilizam, para a controlar. É nesse sentido que práticas flagrantemente misóginas como a ablação do clítoris, a proibição do aborto em todas e quaisquer circunstâncias e a negação do recurso a anticoncepcionais devem ser entendidas: controlar os corpos das mulheres, negar-lhes autonomia, é um meio - muitas vezes disfarçado com o apelo a slogans que só tem força porque espaldados em convicções religiosas, de manter a dominação de uns e a submissão de outras.
Por este motivo, desde sempre a educação das jovens as condicionou a resistirem aos avanços masculinos, mesmo se esses avanços eram por elas desejados, e levou ao cultivo de virtudes pretensamente femininas como a modéstia e o pudor, sempre ligadas ao comportamento sexual das mulheres. Por isso é que muitas ainda hoje sentem vergonha em relação ao sexo e se sentem desconfortáveis em falar do assunto, mesmo quando se atrevem a fazê-lo; por isso também é que muitos homens interpretam um não como um sim disfarçado que afinal só coloca, como diria Rousseau, um pouco de pimenta (leia-se excitação) na relação.
Está na hora, todavia, de as mulheres reconhecerem e aceitarem os seus desejos, o seu direito ao prazer sexual, o que significa dizerem sim quando o sexo corresponde ao que no momento realmente querem e dizerem não, e assim serem entendidas, quando por qualquer motivo não estão interessadas. Os homens, de facto, só vão perceber que não significa não, se perceberem que a mulher afinal também tem vontades próprias e o direito de as satisfazer.
Estas considerações foram inspiradas pela leitura de um excelente livro que recomendo vivamente e que podem encontrar na gigapedia; para abrir o apetite traduzo o seguinte excerto:

«No esforço incessante de descrever homens e mulheres como opostos, os homens assumem o papel do agressor sexual e esperam que as mulheres sejam sexualmente evasivas. Embora a virgindade até ao casamento seja praticada por muito poucas mulheres, permanecem profundamente enraizados os padrões de virtude feminina, e as mulheres raramente são ensinadas a como dizer sim ao sexo, ou como agir em função dos seus desejos. Mais, dizem-lhes que na actividade sexual os papéis implicam homens insistentes e mulheres que colocam um travão a essa insistência.
Ao mesmo tempo que isto compromete claramente a subjectividade sexual das mulheres, também desfavorece os homens e impede que eles assumam os seus próprios desejos com autenticidade. Os homens são tão versados na dança sexual quanto as mulheres e se eles estão plenamente convencidos de que se espera que as mulheres digam não, mesmo quando gostariam de dizer sim, estarão pouco inclinados a aceitar um não pelo seu valor facial.»

Jaclyn Friedman e Jessica Valenti: Yes means yes, visions of female sexual power and a world without rape. Seal Press, 2008. Encontram mais informação aqui

2 comentários:

  1. Post interessantíssimo, vai ao encontro da reflexão que eu fiz em meu blogue, sobre o fato de as mulheres indianas serem vistas como 'santinhas'. Muitas vezes, as brasileiras invejam essa fama de 'santinhas' que as indianas têm. Daí que eu discuti justamente essa pretensa polaridade que o patriarcado cria entre as 'santas' e as 'putas', sendo que a opressão se dá sobre os dois tipos de mulheres, tanto as 'virtuosas' quanto as 'pecadoras', por assim dizer. Só que ninguém vê isso. Continuam a repetir padrões, como se o que se considera 'virtude' fosse mesmo uma virtude.

    Ah, eu adoro o seu blog! Aprendo tanto aqui =)

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  2. Olá Devathai
    Fico feliz por saber que encontra interesse no meu blog e espero que continue a «frequentá-lo».
    fui também ler o seu ultimo texto que tem a vantagem de ser mais proximo da realidade concreta do que os meus, que talvez por deformação profissional falham nesse peculiar.
    Vou abordar proximamente essa dicotomia das «santas« e das «putas», que você refere e que tanto favorece o sistema de opressão das mulheres em geral.
    abraço adília

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