Já a posição das mulheres, de muitas, provavelmente até da maioria, que directa ou indirectamente manifestam hostilidade em relação ao movimento, negando-se a assumir a sua bandeira, reclamando mesmo que não são feministas ou definindo-se até como anti-feministas, é bem mais difícil de compreender: como é que mulheres podem rejeitar um movimento que luta pelos direitos das mulheres, um movimento que é responsável por muitas das conquistas que são hoje dados adquiridos para as mulheres!?
Algumas hipóteses se colocam no sentido de esclarecer tão intrigante postura.
Em primeiro lugar a imagem que o feminismo passou e continua a passar, habilmente explorada pelos Media em todos os momentos em que se mostrou mais interventivo e, consequentemente, mais perigoso pelo abalo que poderia provocar no status quo, é uma imagem deturpada e desfocada que visa desmobilizar as mulheres no sentido destas não aderirem nem simpatizarem sequer com o movimento.
O feminismo é apresentado como o machismo, só que de sentido contrário: as feministas odiariam os homens, estes, se o que elas preconizam fosse realizado, seriam discriminados negativamente e transformar-se-iam em suas vítimas. Ao traçar paralelo entre machismo e feminismo, paralelo que infelizmente é facilitado pela própria fonética e sentido das duas palavras, omite-se que o machismo advoga abertamente a superioridade dos homens sobre as mulheres, enquanto o feminismo apenas pretende estabelecer um patamar de igualdade entre os sexos no plano dos direitos sociais e políticos. Claro que a realidade existente mesmo nos países mais evoluídos em questões de género mostra bem que não há qualquer vitimização dos homens e que, bem pelo contrário, apesar de todos os avanços, eles continuam a deter as alavancas do poder a todos os níveis, desde o poder económico até ao político, passando pelo domínio dos meios de comunicação que, sabemos bem, são responsáveis pelos próprios ataques de que o feminismo é o alvo preferencial. Mas, isto que para mim e para muitas pessoas que reflectem sobre o assunto é evidente, não se apresenta nestes termos para a maioria que, não só não é informada, como, o que é bem mais grave, é sistematicamente desinformada.
Por outro lado as feministas são apresentadas como «machonas», frequentemente até ridicularizadas, representadas em cartoons com barba, aspecto desmazelado e nada atraente; a representação às vezes é extremamente agressiva, como aconteceu com Hilary Clinton na última corrida presidencial norte americana ao ser representada escondendo um pénis entre as pernas. Tudo visa mostrar que as feministas não são femininas, leia-se, não são «verdadeiras» mulheres, e apenas pretendem usurpar o lugar e os papéis que normalmente cabem aos homens.
Esta deturpação da imagem da feminista não é de hoje; já no século XVIII o prestigiado Imanuel Kant, um dos ícons da Modernidade, refere-se a mulheres do seu tempo, cujo única pretensão era acederem à instrução literária e científica, nos seguintes termos: «Uma mulher que tenha a cabeça cheia de grego, como Madame Dacier, ou que se envolva em controvérsias fundamentais sobre mecânica, como a Madame de Chatelet - também devia ter uma barba, pois que talvez esta expressasse mais obviamente o semblante de profundidade no qual tanto se empenha»
Se um dos homens mais ilustres da época pode proferir tais disparates com tamanha impunidade, o que podemos esperar de outros dos nossos dias que de facto devem bem menos à ilustração e ao conhecimento?
E com tudo isso, somente nós, mulheres, continuamos a perder =/
ResponderEliminarBem Devathai, mesmo assim vamos com calma, uma pesquisa recente feita nos E.U mostra que a grande maioria das mulheres considera que muitos dos avanços conseguidos se ficaram a dever ao movimento das mulheres e isto apesar de não se reverem na designação feminista, o que não é de espantar dado o trabalho exemplar que os Media têm feito para apresentar o feminismo com a pior cara possível. Se tiver a paciência de ir seguindo os meus proximos posts verá que apesar de tudo há sinais de esperança. E que uma das coisas que nós podemos fazer e tomar consciência destes problemas para agirmos com mais eficácia.
ResponderEliminarabraço adilia
Compreendo melhor (o que não significa que compreenda totalmente) a infeliz afirmação de Kant, tendo em conta que era um homem extremamente religioso e portanto tolhido pelos dogmas (filho do seu tempo), do que os homens que hoje insistem em perpetuar os disparates preconizados por Kant. É que os segundo não têm desculpa.
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