Nos fins do século XIX, com o surgimento do movimento que visava a emancipação da mulher, começaram a ser construídas teorias sobre a identidade de género que apontavam no sentido de este ser socialmente construído, distinguindo-se esta categoria da de sexo, biologicamente dado. Mas, não por acidente, nesse mesmo período, vários intelectuais e cientistas dedicaram-se a enfatizar novamente as velhas teorias acerca da natureza – essencial e imutável - da mulher, acentuando as suas diferenças em relação ao homem. Ora numa época em que a ciência tinha adquirido enorme prestígio era difícil discutir princípios que gozavam de autoridade semelhante à que a Bíblia tinha desfrutado durante séculos. Curiosamente ou não, esses princípios não se afastavam muito das «verdades» bíblicas no que ao tema dizia respeito.
De qualquer modo, numa análise mais crítica da situação, constata-se que os cientistas de serviço se limitavam a interpretar os factos naturais e sociais à luz dos seus preconceitos e ideias feitas. Isso aconteceu, por exemplo, com um dos mais conceituados cientista da época, Herbert Spencer, autor de «Psychology of the Sexes» e de artigos publicados na Popular Science Monthly, uma revista de divulgação científica que atingia uma vasta e culta audiência muito influente na formação da opinião pública. Spencer aceitava que podia haver desvios entre os sexos, podendo indivíduos de ambos os sexos manifestar características pertencentes ao outro.
Assim, Spencer escreveu:
«Sob especial disciplina, o intelecto feminino poderá produzir resultados superiores aos intelectos da maior parte dos homens. Mas não vamos considerar isso como verdadeiramente feminino, se provocar uma diminuição na realização das funções maternais. Normalmente só é feminina a energia mental que pode coexistir com a produção e cuidado do devido número de crianças saudáveis.»
«Sob especial disciplina, o intelecto feminino poderá produzir resultados superiores aos intelectos da maior parte dos homens. Mas não vamos considerar isso como verdadeiramente feminino, se provocar uma diminuição na realização das funções maternais. Normalmente só é feminina a energia mental que pode coexistir com a produção e cuidado do devido número de crianças saudáveis.»
Esta teoria, na época, era considerada científica e tomava como respaldo a teoria evolucionista que sustentava afirmações de que a reprodução era aquilo para que a mulher estava pré-determinada; daí se deduzia que esse seria também o seu dever. Ainda segundo os partidários da teoria evolucionista, a mulher não desenvolvera capacidades intelectuais porque tal não fora preciso, dada a função que tinha de desempenhar ao serviço da espécie e, por isso, o seu cérebro também não se tinha desenvolvido; assim tornava-se inquestionável que o homem era pela sua natureza biológica intelectualmente superior à mulher.
Ainda segundo Spencer, « (já que) a evolução procede no sentido de uma crescente especialização … a mulher tornar-se-á, portanto, ainda mais maternal e o homem ainda mais inteligente.» Daqui ele conclui que a educação e a inteligência podem prejudicar a maternidade - a única função que é caracteristicamente feminina; para além disso, os traços de carácter que convirá desenvolver na mulher serão a obediência, o altruísmo e o sentido do dever moral, sendo a prática religiosa uma actividade muito indicada para a mulher.
Hoje estas opiniões, apresentadas como pretensas «teorias científicas», encontram-se nitidamente datadas, mas é melhor não estarmos muito distraídas porque elas costumam aparecer sob outras roupagens, como acontece com a exaltação constante da maternidade, nos mais variados meios de comunicação social, que tendem a convencer a mulher a desistir de outros empreendimentos pois a função que verdadeiramente a enobrece e sublima será aquela. As recentes campanhas sobre o aleitamento materno, em minha opinião, também trazem água escondida no bico; claro que qualquer mãe quer o melhor para as suas crianças, mas também deve querer o melhor para ela própria e, em caso de incompatibilidade, deve saber que há óptimos produtos lácteos no mercado que podem ajudar a aligeirar a sua carga, no caso de tal ser necessário; acontece até em muitas circunstâncias que o leite materno pode nem ser a melhor solução. De qualquer modo, parece-me, o que estas campanhas visam sempre é criar na mulher sentimentos de culpa no caso de não se mostrar tão altruísta e despojada de vontade própria como a cartilha tradicional prescreve.
Acontece ainda que com frequência assustadora, velhas teorias regressam à ribalta, como se pôde verificar em 1950 quando o reputado Newsweek declarou:
«For the American Girl, books and babies don´t mix»
O que não anda muito longe dos nossos dias, quando a líder anti-feminista Beveryl La Haye, ouvida por milhões de mulheres norte-americanas, aconselha as jovens a casarem cedo e a estabelecerem como prioridade tratar dos maridos e filhos!
Adilia,
ResponderEliminarNão queria deixar passar o Dia da Mulher sem lhe render uma pequena homenagem pelo seu empenhamento e pelo seu contributo em defesa dos direitos de todas nós.
Um bem-haja e que não lhe faltem as forças. Amanhã hei-de voltar com mais tempo para pôr a leitura em dia.
Ah! E uma coisita que escrevi no meu outro blogue, a ver se sai:
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Una rosa para ti, Mujer !!!
Una rosa para ti, MUJER,
en este Día de la Mujer.
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Tu que eres una gran persona
más allá de la lucha de generos!
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YO BRINDO POR LA ÉTICA Y LA LIBERTAD,
LA VERDADERA!
Y brindo por la gran, gran mayoría de mujeres anónimas ,
rostros de angustia
que han tragado sus lágrimas,
muchas veces el hambre y quizás el propio amor
para no dejarse colonizar
por imbeciles sexistas.
*
ADELANTE, SUPER WOMAN !!!
*
Día internacional de la Mujer Trabajadora (o también Día Internacional de la Mujer)
http://dreary-atom.blogspot.com/
Un abrazo, Adilia
Fico muito sensibilizada com as suas palavras encorajadoras.
ResponderEliminarTambém apreciei o seu texto de homenagem às mulheres anónimas que têm de viver em ambiente «politicamente hostil»
Abraço, Adília