segunda-feira, 28 de junho de 2010

Sexismo: a Banalidade do Mal

«Especificamente, o mal do sexismo não é perpetrado por monstros ou pervertidos (embora haja actos monstruosos cometidos por homens individuais); não, o sexismo é o crime de pessoas vulgares, principalmente, de homens vulgares que, na sua vulgaridade, são incapazes de pensar ou não desejam pensar, questionar-se a eles próprios, responder às questões acerca das suas próprias vidas.
A inconsciência do sexismo é manifesta no uso de clichés triviais («as mulheres são para estar em casa», «as mulheres merecem-na [a violação] e muitos outros); no uso de linguagem burocrática, no uso de linguagem que revela a incapacidade ou a não vontade do falante de universalizar, no sentido ético do termo (isto é, de se comprometer a ser tratado do mesmo modo que trata os outros); no carácter reducionista de muitas afirmações sexistas («tudo o que querem é poder»; quando as mulheres dizem Não querem dizer Sim»); na falta de vontade de serem informados acerca do que está a acontecer, especialmente a dor inconcebível que é provocada diariamente pelo sexismo, e por aí fora.”
Ignacio L. Götz: The Culture of Sexism, Praeger Publishers, Westport, CT. Publication, 1999, p.73.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Antifeminismo evangélico

É curioso que muitas mulheres, nos nossos dias, dizem não se identificar com o feminismo e recusam mesmo o epíteto mas, de facto, na sua prática quotidiana agem como feministas; tal como o Monsieur Jourdain da peça de Moliere fazia prosa sem o saber, também elas, mesmo que o não reconheçam, são feministas. E, basicamente, podemos dizer que isso acontece porque elas nem se consideram inferiores aos homens nem tão pouco menos merecedoras de direitos.
Assim, mesmo se muitas coisas não foram conseguidas e se o sistema patriarcal ainda se mantém em muitos aspectos, pelo menos o feminismo conseguiu que as mulheres, na grande maioria, interiorizassem sentimentos positivos e adquirissem a consciência de que lhes são devidos os mesmos direitos, liberdades e oportunidades que os homens gozam; regressar ao passado e ao recato do lar doméstico, sem participação na vida colectiva e no mundo do trabalho, parece hoje completamente fora de questão; ora, se lembrarmos que ainda na década de cinquenta do século XX esse era o modelo e o ideal proposto para as mulheres, percebemos bem como os tempos mudaram e como o feminismo contribuiu de forma decisiva para essa mudança.

Há, todavia, um outro aspecto, esse sim mais preocupante, o das mulheres que rejeitam a própria emancipação e que costumamos designar de antifeministas. Mas aqui temos dois grupos e dois estilos, o daquelas que, embora preguem os valores da domesticidade, são tudo menos domésticas e fazem carreiras profissionais, normalmente bem sucedidas, dizendo mal das feministas, e as que sofreram uma tal lavagem ao cérebro que não são capazes de se emanciparem e continuam a viver nas gaiolas douradas que o sistema lhes faculta. Têm medo da mudança e acham sempre preferível o statu quo.
Este segundo grupo, bem mais numeroso, é constituído por mulheres que são enquadradas por uma religião e por um entendimento conservador, literal e fundamentalista dessa religião; pensam que o papel que Deus lhes destinou foi o de serem um apêndice dos seus próprios maridos e que a sua função na vida é gerar e cuidar das crianças que Deus «lhes der». O paradoxo é que estas mulheres vão usar o voto e até as liberdades concretas que as feministas conquistaram para lutar contra instrumentos libertadores, sejam por exemplo o direito à contracepção, ao aborto, ao divórcio, bem como o acesso ao mundo do trabalho socialmente produtivo, e ainda por cima combatem as feministas com todo o ódio que os seus corações e mentes limitadas são capazes de abrigar, não percebendo sequer que a liberdade que gozam de se pronunciarem e de serem ouvidas nos media resultou das reivindicações feministas.
Estas mulheres continuam reféns do modelo que o século XIX lhes propôs e designam-se a si mesmas de «verdadeiras mulheres», isto é, mulheres obedientes aos desígnios de Deus, que é uma outra maneira de dizer, aos seus maridos, eles próprios intérpretes e intermediários da vontade divina. Em 2008, nos Estados Unidos, ocorreu um mega evento, The True Women Conference onde cerca de três mil «verdadeiras mulheres», apostadas em defender a sociedade patriarcal, afirmaram a necessidade de se cultivarem «virtudes tais como pureza, modéstia, submissão, mansidão e amor», uma espécie de retorno a uma moral entendida em termos sexuais e servis, na qual a virtude feminina se restringe à obediência e ao correcto comportamento sexual, mas que promove o fanatismo, a intolerância e o ódio contra quem se lhe opõe, ignorando completamente que a bondade e o rigor ético não passam decididamente por aí. Podemos dizer que estas são mulheres misóginas porque se atribuem a si mesmas pouco valor e se desprezam, pois só um ser que se despreza e que tem uma auto-imagem negativa abdica da liberdade, da autonomia e da capacidade para controlar a sua própria vida.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Cristãos conservadores e misoginia

Mike Huckabee (1950) é um político norte-americano, filiado no partido republicano, ex-governador do Arkansas e apresentado em 2008 como possível candidato a vice-presidente de MacCain; é ainda pastor da igreja baptista e, como não podia deixar de ser, cristão conservador, com larga audiência neste meio. Ora este senhor permitiu-se recentemente a seguinte graçola acerca de Nancy Pelosi (1940) e Helen Thomas (1920), a primeira, líder da maioria democrata no Congresso, a segunda, jornalista, actualmente aposentada, com uma carreira notável na vida publica norte-americana:

«A única coisa pior que um caso tórrido com a doce, doce Nancy seria um caso tórrido com Helen Thomas. Se essas fossem as minhas duas únicas opções, provavelmente eu apoiaria o casamento entre pessoas do mesmo sexo.»

Claro que, como não podia deixar de ser, os media prontamente divulgaram a «graçola», como sempre fazem com notícias que pretendem ridicularizar ou diminuir mulheres que ocupam cargos políticos ou desempenham papeis importantes na esfera pública, a par com os seus colegas masculinos. Acerca desta proclamação não posso deixar de traduzir um comentário de uma leitora que me parece muito lúcido:

«Minhas senhoras, aprendam a lição: não interessa quanto vocês consigam realizar na vida, há-de haver sempre um cara de cu que consegue cobertura nos media para dizer que ele não vos quer f… »

A proclamação merdosa do sr. Huckabee mostra que ele e muitos outros como ele continuam a olhar com hostilidade para as mulheres sempre que elas se destacam e revelam capacidade para ser outra coisa que não esposas dedicadas (a eles próprios!) e mães devotadas (da sua prole!); aí então vem a misoginia ao de cima e revelam o «cavalheirismo» que gostam tanto de cultivar.
De resto é esta mesma misoginia que está presente quando, face a candidatas femininas a cargos públicos, os comentários dos media se focam nos atributos físicos das mesmas ao invés de escrutinarem as suas aptidões para o lugar que pretendem vir a desempenhar e isto tem de ser denunciado com firmeza como aquilo que realmente é: o velho, estafado, mas nunca ultrapassado, preconceito machista.
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sexta-feira, 18 de junho de 2010

Eva e Prometeu ou o que distingue um homem de uma mulher

Se compararmos o mito de Prometeu com o mito de Eva, no episódio bíblico do pecado original, e se extrairmos o respectivo significado destes mitos, podemos verificar o desigual tratamento dado a homens e a mulheres, quando a sua atitude é similar.
Prometeu atreveu-se a desafiar os deuses, roubando o fogo sagrado para o entregar aos homens, mas é apresentado como um herói: o criador e benfeitor da humanidade. Eva, tentada pelo fruto da àrvore do conhecimento, ousou desobedecer ao mandamento divino e é apresentada como a personificação da maldade e da vilania, responsabilizada pelos infortúnios da humanidade.
A conclusão que se pode tirar é que ser audacioso quando se é homem compensa, pode-se ser castigado no imediato, mas a memória que fica é grandiosa e a dimensão do personagem ganha brilho com o decorrer do tempo. Ser audaciosa quando se é mulher, é algo ignóbil, uma mancha que só se adensa e intensifica com o passar do tempo.
Com histórias deste tipo se socializam meninos e meninas e se lhes diz o caminho que devem percorrer: comprometer-se, correr riscos, triunfar, num caso, secundarizar-se, comportar-se passivamente, ser comedida nas suas ambições, no outro.
De resto, não deixa de ser curioso o resultado da pesquisa de imagens que leitores/as podem fazer. Procurem «Prometeu» e procurem «Eva», no primeiro caso encontram uma figura tratada pela Arte de várias épocas, uma das imagens é mesmo a de uma estátua moderna que assinala uma barragem, símbolo de energia e de poder. No segundo caso … vá, experimentem ... sabem o que vão encontrar? Garotas de programa em posições mais ou menos ousadas, pensar que são poderosas?! Só a brincar.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

“Feministas” neoconservadoras ou aproveitadoras?!


É difícil aceitar que mulheres que são contra o aborto em toda e qualquer circunstância, mesmo, por exemplo, em caso de violação, tenham alguma coisa a ver com o feminismo porque este implica defender que as mulheres, na medida do possível, possam controlar o seu destino e isso, obviamente, passa pelo controlo da sua capacidade reprodutiva.
Claro que as feministas não advogam o aborto como recurso contraceptivo - defendem sim que se disponibilize educação sexual e uso de anticoncepcionais -, mas encaram-no como legítimo quando houver qualquer falha, ou quando razões terapêuticas ou situação de violação o justificarem. Criminalizar o aborto será, na opinião das feministas, retirar autonomia às mulheres: sob a capa do valor sagrado da vida do feto; hipocritamente, o que se pretende é continuar a controlar as mulheres. Claro que não é este o entendimento que muitas mulheres têm do assunto, e isso é lamentável, mas até é compreensível, o que já não é compreensível nem desculpável é que se sirvam da capa do feminismo para defenderem a sua posição contra o aborto. É o que acontece com a organização Susan B. Anthony List.

A Susan B. Anthony List, fundada em 1992 nos Estados Unidos para apoiar o movimento pró-vida, tem actualmente como objectivo colocar mulheres que são contra a legalização do aborto em lugares de decisão política, dedicando-se à angariação de fundos para apoiar essas candidatas. Curiosamente, esta e outras organizações de direita não «desbaratam» dinheiros em apoios às camadas sociais mais desfavorecidas, mas canalizam-nos para conseguirem chegar a lugares onde podem influenciar as decisões e até contrariar medidas, essas sim de protecção social.
A escolha desta designação - Susan B. Anthony List - representa uma manobra de evidente má-fé e de desonestidade intelectual pois procura cooptar o feminismo para a causa e para tal serve-se do nome de uma das mais proeminentes líderes feministas do século XIX, companheira de Elizabeth Cady Stanton, embora mais comedida e moderada do que esta.

Susan B. Anthony - segundo Lynn Sherr, sua biógrafa, e Ann Gordon, editora da obra de Anthony e historiadora feminista - nunca tomou posição pública contra o aborto, nem pareceu interessar-se pelo assunto, e vivia numa sociedade (e numa família) que aceitava o aborto quando se tratava de uma gravidez indesejada; apenas se lhe conhece uma breve referência ao problema, quando a cunhada ficou presa a uma cama por motivo de um aborto mal realizado, a frase é uma – única - e é ambígua. «Depois de uma visita com o irmão, Anthony anota no seu diário que a cunhada tinha abortado, as coisas não tinham corrido bem e ficara entrevada. Anthony conclui, «ela lamentará o dia em que contrariou a natureza” Claramente Anthony não aplaude a acção da cunhada, mas a referência é ambígua. É o acto abortivo que ela lamenta ou as suas consequências, com o risco que a própria vida da pessoa corre? »*
Esta escassa e ambígua referência não impediu a mediática Sara Palin que, desde a corrida à vice-presidência dos Estados Unidos em 2008, não pára de nos surpreender, de discursar numa reunião da Susan B. Anthony List usando e abusando da palavra feminismo, referindo-se a um feminismo conservador e a feministas conservadoras que estariam a repor o feminismo na sua «pureza original»
A ideia que tudo isto dá, de facto, é que ela e outras que tais querem cavalgar a onda do feminismo, imprimindo-lhe outra direcção; o que, segundo Amanda Marcotte, não constitui novidade nenhuma pois Palin «é a última encarnação de uma longa e nobre linhagem de feministas antifeministas: mulheres que se auto-intitulam feministas, mas que colocam objeção à existência do movimento feminista e se organizam para se lhe oporem.»
De resto, se Palin parasse para pensar - o que me parece pouco provável - teria de reconhecer que só foi escolhida pelos republicanos para candidata à vice-presidência, como uma tentativa de manobra para derrotar Hillary Clinton; de outra maneira, nem o partido se teria lembrado dela nem ela teria o protagonismo que veio a conseguir. Teria de reconhecer que a direita conservadora só dá voz às mulheres quando se trata de derrotar o feminismo, porque percebe que é sempre mais credível colocar mulheres a dizer mal das feministas do que homens; estes têm um óbvio interesse na matéria que nas mulheres está camuflado. Teria de reconhecer o cinismo do partido republicano que escolheu uma mulher (ela própria) que se está nas tintas para a luta pelos direitos das mulheres, que pretende ilegalizar o aborto e a contracepção de emergência, que propõe que se retire financiamento ao programa estatal de luta contra a violência doméstica e que é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Teria de reconhecer que o partido não escolheu outra - de entre as várias hipóteses que se lhe ofereciam - porque temia que o tiro lhe saísse pela culatra, coisa que com ela de certeza não iria acontecer.

Estas manobras e contra-manobras, bem como a cooptação do feminismo para a causa antifeminista, são muito interessantes mas, apesar de tudo, embora preocupantes, revelam que o feminismo, na aparência adormecido, continua a assustar muita gente instalada que tem medo da mudança como o diabo da cruz.

*Sarah Palin is no Susan B. Anthony, By Ann Gordon and Lynn Sherr

domingo, 13 de junho de 2010

Promiscuidade, monogamia e violação - uma novela do arco-da-velha

Sobre estes candentes temas, traduzo um texto de Sharon Begley, jornalista, especializada em neurociência, que me parece mostrar bem como certos cientistas (?), esquecendo o rigor e a disciplina do labor científico, divagam, a propósito e a despropósito, procurando explicar/justificar, com base em preconceitos antiquíssimos, os mais preocupantes fenómenos sociais.
«O biólogo Randy Thornhill, professor da Universidade do Novo México, coautor de A Natural History of Rape: Biological Bases of Sexual Coercion, argumenta que a violação é (no vernáculo da biologia evolucionista) uma adaptação, um traço codificado pelos genes que confere uma vantagem a quem os possui. De volta ao ultimo Pleistoceno, 100,000 anos atrás, o livro, de 2000, defende que os homens que possuíam genes de violação tinham uma vantagem reprodutiva e evolutiva sobre os homens que os não tinham: eles tinham crianças não apenas com companheiras que os desejavam mas também com aquelas que os não desejavam, permitindo-lhes assim deixar mais rebentos (que também iriam possuir genes de violação) que similarmente tinham mais probabilidades de sobreviver e de se reproduzir na próxima geração. (…)
Segundo a Psicologia evolucionista, sucedâneo dos anos oitenta da desprestigiada Sociobiologia, nessas longínquas idades, os homens que eram promíscuos revelavam uma adaptação à evolução mais bem conseguida porque, - raciocinam os investigadores – expandindo mais amplamente a sua semente, deixavam mais descendentes. Por uma lógica similar, os psicólogos evolucionistas argumentavam, as mulheres que eram monógamas estavam mais bem adaptadas; ao serem seletivas em relação aos companheiros, procurando apenas aqueles com bons genes, podiam ter crianças mais saudáveis. Homens atraídos por mulheres jovens e curvilíneas eram mais adaptados, porque tais mulheres eram as mais férteis; (…) mulheres atraídas por homens de alto status, por machos prósperos, eram mais adaptadas. Tais homens podiam prover melhor para as crianças que, poupadas à fome, cresceriam para terem elas próprias muitas crianças. Homens que negligenciavam ou mesmo assassinavam os seus enteados (e matavam as esposas infiéis) eram mais bem adaptados porque não despendiam recursos com pessoas que não eram suas familiares. E o mesmo se passava com as vantagens do valor da violação. (…)
Não havendo uma máquina do tempo, como testar a afirmação de que a violação aumenta a capacidade adaptativa de um homem?
Kim Hill, colega de Thornhill na Universidade do Novo México, tinha qualquer coisa quase tão boa como uma máquina do tempo, ele tinha os Aché, tribo de índios do Paraguai, caçadores-recoletores, que vivem de uma forma muito semelhante à dos humanos de há 100,000 anos. Ele e dois colegas calcularam como a violação poderia afectar as expectativas de evolução de um Ache de 25 anos de idade (não observaram quaisquer violações, mas fizeram um calculo do que aconteceria, com base em medidas de, por exemplo, as probabilidades de uma mulher conceber em qualquer dia determinado).
Os cientistas foram generosos em relação à tese da violação-como-adaptação, assumindo que os violadores têm como alvo mulheres em idade reprodutiva, mesmo quando se sabe que na realidade meninas de menos de 10 anos e mulheres com mais de sessenta são frequentemente vítimas. Eles então calcularam os custos/benefícios do violador em termos adaptativos. A violação tem custos em termos de adaptação, se o marido da vítima ou outros familiares matam o violador; também perde pontos em termos adaptativos, se a mulher recusa criar uma criança fruto de uma violação, e se, sendo um violador conhecido (numa pequena tribo de caçadores-recoletores, violadores são conhecidos das pessoas) isso faz com que os outros tenham menos propensão a ajudá-lo a encontrar comida. A violação aumenta a capacidade adaptativa de um homem com base na possibilidade de que a vítima da violação seja fértil (15%), de que ela conceba (7%), de que ela não tenha um aborto (90%) e de que ela não deixe o bebe morrer (90%).
Hill então avaliou os custos/benefícios da violação reprodutiva. Nem sequer era próximo, o custo excedia o benefício por um factor de 10. «O que torna a probabilidade da violação como adaptação evolutiva extremamente baixo» diz Hill «Pura e simplesmente não teria feito sentido para os homens do Pleistoceno usarem a violação como estratégia reprodutiva, deste modo o argumento de que ela é pré-programada não se sustenta».


Why Do We Rape, Kill and Sleep Around? The fault, dear Darwin, lies not in our ancestors, but in ourselves. By Sharon Begley NEWSWEEK, Published Jun 20, 2009

O combate pela igualdade das mulheres - um imperativo do século XXI

Hillary Clinton proferiu na ONU, em 12/3/10, um excelente discurso sobre o Estatuto da Mulher que pode ser ouvido e lido na íntegra neste sítio. Do discurso destaco:

«O estatuto das mulheres não é apenas uma questão de moralidade e de justiça. È também um imperativo político, económico e social; dito de modo simples, o mundo não pode fazer progressos duradouros se às mulheres e às jovens forem negados os seus direitos e se forem abandonadas. […]
A evidência é irrefutável: quando as mulheres são livres para desenvolver os seus talentos, todos beneficiam, mulheres e homens, rapazes e raparigas. Quando as mulheres são livres para votar e concorrer a cargos políticos, os governos são mais efectivos e respondem melhor às necessidades dos povos. Quando as mulheres são livres para ganhar a vida e iniciar pequenos negócios, os dados são claros, elas tornam-se factores nevrálgicos do crescimento económico nas diferentes regiões e sectores. Quando às mulheres são dadas oportunidades de educação e acesso aos cuidados de saúde, as suas famílias e comunidades prosperam. E quando as mulheres têm direitos iguais, as nações são mais estáveis, pacíficas e seguras.»
Citando o jornalista, Nicholas Christof, Clinton lembrou que, se, no século XIX, o grande imperativo moral foi o combate contra a escravatura; se, no século XX, foi o combate contra os totalitarismos, no século XXI, o grande princípio norteador deverá ser o combate pela igualdade das mulheres.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Quem tem medo do feminismo e porquê?

As pessoas conservadoras, sejam homens ou mulheres, vêem com apreensão o feminismo pois julgam - e, parafraseando Susan Falludi[1], “só podemos esperar que tenham razão” – que, se o movimento for bem sucedido, acabará por implicar mudanças profundas na ordem social estabelecida e nas estruturas familiares, culturais e políticas que a sustentam; isto é, acabará por modificar o mundo como ele é.

Hoje, diferentemente do que acontecia nos tempos do antisufragismo, já não se discute o acesso das mulheres à educação, a cargos políticos ou a lugares de chefia (embora o número de mulheres nestes dois domínios seja ainda diminuto) - mas espera-se que, no exercício desses cargos, que desde sempre foram privilégio masculino, as mulheres se comportem como os homens ou mesmo com maior «firmeza» e aceitem as regras de um jogo já definidas à partida.

Ao ocuparem alguns lugares no mundo dos homens, as mulheres entram em terreno minado e têm enorme dificuldade em lidar com a situação, mesmo se dela se apercebem – o que também nem sempre acontece. Estão constantemente debaixo de fogo, ou porque são «moles» demais ou porque afinal são «duronas», numa palavra, presas por ter cão e presas por não terem.
Assim, o desafio com que as mulheres se confrontam é o de fazer a diferença num mundo de homens e, sempre que possível, não aceitar o mundo como ele é, inventar um mundo novo, mais fraterno e solidário, numa palavra, um mundo humano.

[1] Susan Faludi, escreveu no prefácio à edição de 2006 de Backlash: «Os opositores da libertação das mulheres estão entrincheirados à espera do próximo assalto das mulheres americanas. Parecem acreditar que será um assalto ao mundo como ele é. Só podemos esperar que tenham razão.»

terça-feira, 8 de junho de 2010

Prêmio Dardos

No dia 6 de Junho passado, o blog da SEAF atribuiu o Prémio Dardos ao blog Sexismo e Misoginia, em reconhecimento do trabalho aqui desenvolvido.
Agradeço a distinção e, cumprindo o estipulado, passo o testemunho indicando 15 blogs que, em minha opinião, merecem este prémio, apresentando-os por ordem alfabética:

Após o recebimento deste selo, deve: a) exibir a imagem do selo em seu blog; b) postar um link para o blog que o/a escolheu;c) escolher outros quinze blogs a quem entregar o prêmio;d) avisar aos escolhidos.

domingo, 6 de junho de 2010

Futebol ... pelas piores razões!!

Do blog da Lúcia, transcrevo um excerto do texto aí publicado, revelador de como a violência contra as mulheres se exprime a todos os níveis e em todas as arenas, começando pelo próprio discurso linguístico e pelo futebol.
O futebolista que proferiu tão infelizes expressões, devia pensar - mas mão pensou - que com esse linguajar está a trivializar e consequentemente a aceitar e a legitimar a violência contra as mulheres.

«Como na música, “todo dia a cidade vem e nos desafia...” e é assim mesmo, todos os dias somos provocadas em nossa dignidade e não é de hoje as lutas dos movimentos e das organizações ligadas ao combate da violência contra as mulheres. Constantemente enfrentamos “ferrenhas” batalhas contra as campanhas publicitárias que utilizam a imagem da mulher em seus produtos e as oferecem como objeto de consumo. A coisificação tá escancarada e o desrespeito cada vez maior.
Esta semana fomos surpreendidas com a deplorável declaração de um desportista, jogador de futebol da Seleção Brasileira, Felipe Melo, ao falar sobre a sua insatisfação com a Jabulani, a bola oficial da Copa do Mundo:

"A outra bola é igual a mulher de malandro: você chuta e ela continua ali. Essa de agora é igual a uma patricinha, que não quer ser chutada de jeito nenhum".

O que nos leva a várias interpretações podendo entender que tanto a “mulher de malandro”, como “a patricinha”, (sem contar a ofensa dos rótulos) mesmo as duas não querendo, serão vítimas de violência, a diferença é que uma é agredida e se cala e a outra mesmo resistindo e reclamando será agredida também.
O fato é: a famigerada declaração vem carregada de machismo e nas entrelinhas revela a cultura de violência “velada” que existe no “mundo das personalidades” (o que não é nenhuma novidade pra nós), nos levando a uma reflexão sobre a postura do referido e o quanto isso nos transtorna.»

sábado, 5 de junho de 2010

A invisibilidade das mulheres no cinema

O vídeo abaixo apresentado chama a nossa atenção para um problema que tem passado desapercebido: o imenso numero de filmes que são acerca de homens e dos seus interesses e a constante invisibilidade das mulheres. Este fenómeno é facilmente constatado se fizermos três simples perguntas: há pelo menos duas mulheres e têm nomes? Falam uma com a outra? Falam de outra coisa que não sejam homens.
Fica pois o desafio: antes de dedicar o seu tempo a assistir a um filme, faça estas três perguntas.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O feminismo da diferença e seus riscos

O feminismo não é de modo algum monolítico, existem tendências diversas, mas parece legítimo defender que aquelas tendências que insistem na diferença entre os sexos e que referem modos de conhecer ou de agir moral especificamente femininos constituem uma faca de dois gumes pois, embora pareçam conceder às mulheres uma superioridade, continuam a repetir a velha tecla que insistia na superioridade moral das mulheres, abnegadas e dotadas e espírito de sacrifício, mas continuava a relegá-las para uma posição social inferior de subordinação aos homens.

Numa fase em que a igualdade de direitos era pura utopia, em que era negado às mulheres acesso à esfera pública, até se percebe que elas lutassem com as armas que tinham à sua disposição e insistissem em diferenças que aparentemente as «superiorizavam» e lhes conferiam poder; percebe-se que reivindicassem, por exemplo, acesso à educação com o argumento de que assim se tornariam melhores mães e esposas; mas, hoje, encontramo-nos noutro patamar de exigências e parece menos acautelado voltar a insistir numa tecla que pode justificar o estabelecimento de desigualdades legais ou outras nos diversos domínios em que decorre a vida de mulheres e homens, até porque, como a diferença foi constituída em termos de hierarquia, com a insistência na diferença corre-se o risco de perpetuar a hierarquia.

Por tudo isto, fico sempre preocupada quando vejo mulheres a tentarem mostrar quão melhores são do que os homens, mais preocupadas com os outros, mais protectoras, dadoras de vida e de amor, porque lembro sempre o velho slogan, tão ao gosto de uma certa elite conservadora, que não cansa de apostar na complementaridade dos sexos com mulheres maternais e homens inteligentes, omitindo sempre que o que de facto valoriza é a inteligência e não a maternidade - aquela a mais alta manifestação do espírito humano, esta uma função biológica que muitos mamíferos também desempenham exemplarmente.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Opressão e sistema económico e sócio-cultural

O feminismo dos anos setenta teve a inteligência de nos fazer perceber que a situação em que as mulheres se encontram desde longa data é fruto de um sistema social e cultural que as discrimina e as subordina aos interesses do sexo masculino; isto é, não é culpa das próprias mulheres - que não teriam maiores ambições, nem tão pouco dos homens, tomados individualmente, mas da sociedade que, através de mecanismos legais e ideológicos, mantém e replica essa discriminação e subordinação. Quer dizer, em rigor, não são os homens que oprimem as mulheres, são estruturas opressivas em que a vida das mulheres decorre que exercem essa função. Daí que para operar mudanças significativas, tem de se alterar essas estruturas e isso só pode ser feito se as mulheres tomarem consciência da situação e se o sexo masculino colaborar.

Contra essa discriminação e subordinação as mulheres só começaram a rebelar-se a partir do momento em que surgiram condições objectivas que permitiram alguma esperança de sucesso. Durante séculos e séculos, as condições eram-lhes de tal modo adversas que apenas poderiam tentar tirar o melhor partido possível das circunstâncias em que se encontravam, coisa que algumas fizeram com particular êxito.
As condições objectivas acima referidas foram sobretudo de natureza material, mas também ideológica. No primeiro aspecto, decorreram da industrialização do mundo ocidental e do acesso das mulheres ao mercado de trabalho; no segundo, decorreram da ideologia iluminista, moderna e racionalista, que, ao exigir igualdade e universalidade de direitos para todos os homens, também abriu a porta às mulheres, embora muito a contragosto, começando por permitir-lhes aceder ao tipo de educação até então reservado exclusivamente para os homens.

Deste modo, a consciência de que as mulheres fazem parte de uma classe discriminada e desfavorecida esteve como que adormecida durante séculos: «A partir do berço aprendiam os comportamentos femininos apropriados; do púlpito aprendiam o pecado de Eva e os papeis que Deus ordenara para homens e mulheres. Liam na literatura popular que a «libertação» consistia em serem salvas por um homem e em apaixonarem-se. Desafiar o seu destino seria desafiar Deus, a Igreja, o Estado e o poder do amor romântico.» * Ainda hoje essa consciência não se encontra muito disseminada porque as alavancas do poder continuam nas mãos dos homens e estes, mesmo que inconscientemente, não têm nenhum interesses em que as coisas se modifiquem e nem sequer lhes podemos levar isso a mal. Se não vejamos: na igreja, na alta finança, na política, na ciência, no mundo da cultura, sobretudo da cultura de massas: revistas, filmes, televisões, quem dá cartas, quem põe e dispõe são homens; as mulheres, além de recém-chegadas, encontram-se na maior parte das vezes na situação de dependentes de «patrões» que decidem o que fazer e como fazer, e que não convém hostilizar; assim não é de espantar que a ideologia dominante continue a ser a masculina que, habilmente, não podemos deixar de o reconhecer, usa o poder, não de forma repressiva, mas de forma criativa para convencer as mulheres de que os seus verdadeiros interesses são aqueles que vão ao encontro dos interesses dos homens; e também temos de reconhecer, com alguma humildade, que muitas mulheres não parecem difíceis de convencer. O inefável Rousseau, que a sabia toda, embora negasse às mulheres os mais elementares direitos, já dizia que elas não deviam abdicar do «império» que tinham sobre os homens; infelizmente continua a haver muitas que não percebem como esse império é precário - vamos dizer, volátil, e sacrificam o seu desenvolvimento como pessoas a um qualquer projecto centrado no agrado e na deferência que podem propiciar aos homens ou a um homem em particular.

Há pois aspectos muito concretos que tem de ser acautelados; um dos mais importantes é a garantia de independência económica das mulheres, mas para que esta funcione e não surja como mais uma forma de as oprimir - lembremos por exemplo a dupla jornada de trabalho, é necessário proceder a novos arranjos sociais na família e no local de trabalho e isso só será possível se as mulheres participarem de modo significativo na vida política e se começarem a furar o bloqueio que as tem afastado das diferentes esferas de influência social, desde a religiosa, passando pela económica e pela cultural Um mundo de coisas por fazer que nos deve levar a concluir que o feminismo continua a fazer todo o sentido.
*Carolyn Johnston: Sexual Power: Feminism and the Family in America, Tuscaloosa, Alabama, University of Alabama Press, 1992, prefácio, p. x.