segunda-feira, 4 de maio de 2009

Duplo padrão e «mulheres más»

O princípio do duplo padrão de conduta criminaliza na mulher aquilo que admite no homem, ou seja a infidelidade conjugal. Este princípio ou costume, como queiramos chamar-lhe, é tão velho quanto a sociedade patriarcal e até mesmo os filósofos do século XVIII, no período das Luzes, procuraram encontrar para ele uma justificação racional. O próprio David Hume reconheceu que a virtude da castidade e o correspondente comportamento de fidelidade exigível nas mulheres era desculpável nos homens. Só que Hume e todos os que o antecederam e lhe sucederam não tiraram todas as consequências da admissão do princípio, a mais óbvia das quais é que para ser posto em prática requer a existência de uma reserva considerável de «mulheres más», pois para «dançar a valsa» continuam a ser precisos dois e os homens só podem ser infiéis com outras mulheres, a menos que adoptem a prática grega da homossexualidade, mas esta está longe de satisfazer todos.
Deste modo se percebe porque é que a prostituição, repudiada em teoria e nos termos de uma moral hipócrita, acabou por ser vista como um mal necessário. Mas não deixa de ser curioso que a culpa desse mal seja toda atribuída à mulher, não há vislumbre da mínima recriminação a respeito do homem que dela se serve. A este título o pronunciamento dos doutores da Igreja é espantoso, vejamos o que dizem Agostinho e Tomás de Aquino, respectivamente:

«O que é que pode ser mais sórdido, mais desprovido de modéstia, mais vergonhoso do que prostitutas, bordeis e todos os outros males deste tipo?! Todavia, remove a prostituição dos assuntos humanos e poluirás todas as coisas com luxúria, estabelece-a entre as matronas honestas e desonrarás todas as coisas com desgraça e torpeza.»
«A prostituição no mundo é como a imundície no mar ou o esgoto num palácio. Retira o esgoto e encherás o palácio com poluição; o mesmo acontecerá com a imundície do mar. Afasta as prostitutas do mundo e irás enchê-lo de sodomia…»

Os dois convergem em considerar a prostituição como indispensável para evitar um mal maior. Falam em poluição, mas omitem «sensatamente» o autêntico poluidor. Esquecem ainda que do lote das prostitutas fazem normalmente parte as mulheres mais pobres e desfavorecidas da sociedade que esta empurra, através de vicissitudes de vária ordem, para essa degradante situação. Num caso e no outro a prostituição é vista como um mal necessário, o que não deixa de ser curioso, mas a culpa desse mal parece ser toda atribuída à mulher, não há vislumbre da mínima recriminação a respeito do homem que dela se serve. Mesmo aqueles governantes que tentaram proibir a prostituição só previram sanções para as prostitutas que iam desde chibatadas e expulsão até à condenação à morte.

Tão difícil é mudar as mentalidades que, ainda hoje, se consultarmos um simples dicionário, vemos que a prostituição é definida como o trabalho que a prostituta exerce com total ausência de referência àquele que usufrui desse trabalho o que mostra bem a unilateralidade e o enviezamento com que o tema é abordado; somente em países mais evoluídos da Europa, como por exemplo a Suécia, é que o homem é penalizado por um comportamento que aí se considera negativamente, o que de qualquer modo já constitui uma esperança de que qualquer coisa começa a mudar.

4 comentários:

  1. Achei que ias achar interesse neste post que encontrei num blog.

    http://emigrante-iniciao.blogspot.com/2009/05/casos-de-um-outro-mundo.html

    Pelos comentários vê-se que o caso não é novo (se é que é mesmo verdadeiro)

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  2. Olá Mescalero
    Obrigada pela notícia desse blog que eu não conheci. Para já ainda nem consegui digerir o post, mas estou pasma. Em que mundo vivemos?
    Anda uma pessoa tão preocupada a explicar as coisas e leva nas ventas com um par deste calibre!

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  3. Não é só na Suécia. Na Califórnia chama-se soliciting e o macho, para além da devassa da sua vida privada com todas as implicações que isso acarreta, familiares, económicas, sociais, ainda vai de cana.

    Arrisca-se até a ser preso numa "emboscada" policial. Repara, lá a polícia dá-se ao luxo de "tentar" potenciais prevaricadores, tal a sanha com que o fenómeno da prostituição é proibido...

    É por estas e por outras que, quando se fala de prostituição, das suas vantagens e dos seus contras, evito pronunciar-me e me remeto a um silêncio circunspecto.

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  4. Bem de qualquer maneira eu não me remeto ao silêncio sobretudo dada a tendência que as sociedades manifestam para penalizar a mulher e desculpabilizar o homem, só por isso acho que a mudança dá um sinal positivo.

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