domingo, 25 de julho de 2010

A discriminação positiva continua a fazer sentido

Afinal a discriminação positiva e o sistema de quotas, tão desprestigiado em certos países como os Estados Unidos, continuam a ser usados em outros que apresentam elevados índices de desenvolvimento como é o caso da Noruega.

Em 2004 a Noruega introduziu uma lei que obrigava algumas empresas privadas, as mais importantes, inscrita na Oslo Stock Exchange, a integrarem um número maior de mulheres nas suas administrações. Nessa época, a voz corrente previu a desgraça: por causa das quotas as empresas iam ver-se obrigadas a admitir pessoas menos qualificadas; os resultados económicos iam ressentir-se; os homens seriam injustiçados porque teriam de dar a vez a mulheres que poderiam ter menor mérito do que eles para ocuparem o lugar. Numa palavra, os velhos argumentos que tão bem conhecemos.
Mas afinal as previsões não se realizaram e a medida foi sendo implementada pacificamente, não tendo havido objecções nem a apresentação de exemplos de experiências negativas. Talvez que isso tenha ocorrido pelo facto da medida ter sido apoiada por um largo espectro politico que incluía os conservadores e por na Noruega a opinião pública já estar acostumada com a ideia de quotas para cargos políticos, como meio de queimar etapas e repor uma situação mais equitativa e mais representativa da população. Contudo, só em 2006 a medida foi tornada obrigatória e foram previstas penalizações para os infractores, a partir daí o sistema funcionou com maior celeridade e em 2009 foi atingida a interessante percentagem de 40% de mulheres nos cargos administrativos dessas empresas.
(Li esta materia em post recente do blog Feminist Philosophers)

sábado, 24 de julho de 2010

A desigualdade sexual na origem da feminização da Sida

Na conferência internacional sobre a Sida (HIV), realizada em Viena em Julho de 2010, reconheceu-se que a violência sexual contra as mulheres e as jovens é a principal causa da feminização da Sida.

A desigualdade entre os sexos e a falta de poder das mulheres e das jovens para recusarem relações sexuais não protegidas constitui um autêntico atentado aos direitos humanos e é assim que deve ser entendida. É preciso diminuir a pressão cultural e religiosa que conforma as mulheres a submeterem-se e, ao mesmo tempo, é preciso publicar legislação e adoptar medidas que permitam o acesso das mulheres a cuidados de saúde e à informação indispensável, porque, como diz Brigitte Schmied:

«Negar a uma mulher os meios e a informação de que necessita para proteger e cuidar da sua saúde e da das suas filhas e filhos é negar o valor das suas vidas.»

Para além da expansão de medidas preventivas e de tratamento, é muito importante que as mulheres tomem consciência dos seus direitos enquanto direitos humanos e isso só será possível com o acesso à informação e com a diminuição da pressão cultural e religiosa; neste caso os líderes religiosos poderiam de facto utilizar o prestígio de que gozam junto das populações para ajudarem a mudar mentalidades e para exercerem uma função civilizadora que um entendimento mais humano da religião pode permitir. Mas não sei se será possível ir por aí quando é por demais conhecido o potencial misógino das diferentes religiões que apenas se limitam a mudar os nomes aos deuses, mantendo-se muito semelhantes no essencial.


Li esta importante matéria, que aqui abordo, num post do blog Genero con Clase

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Sexualidade e ética

A forte carga erótica e o glamour com que é representada a submissão sexual da mulher neste cartaz publicitário pode ajudar a compreender melhor o tema que hoje aqui trago. O belo e lúcido texto de Sandra Lee Bartky, a seguir apresentado, questiona-se sobre o conflito que as mulheres, e mais particularmente as feministas, podem vivenciar entre a sua vida sexual – comportamentos, desejos e fantasias - e os princípios éticos de autonomia, igualdade e liberdade pelos quais querem pautar as suas vidas; nele a autora aponta o caminho possível para a resolução deste conflito:

«Ser um ser sexuado e ao mesmo tempo um agente moral pode na verdade constituir um elemento perturbador; não admira que os filósofos tenham desejado que nos pudéssemos ver livres da sexualidade. Que fazer, por exemplo, quando a estrutura do desejo entra em conflito com os princípios da pessoa? Esta é uma questão difícil para quem quer que seja consciente, mas é particularmente pungente para as feministas.
Uma contribuição teórica fundamental da análise feminista da opressão das mulheres pode ser apreendida através do slogan «o pessoal é político». O que este significa é que a subordinação das mulheres pelos homens é pervasiva: que ela regula as relações dos sexos em todas as áreas da vida; que uma politica sexual de dominação está em evidência tanto nas esferas privadas da família, da vida social comum e da sexualidade como nas esferas públicas do governo e da economia. A crença de que as coisas que fazemos no seio da família ou na cama são ou naturais ou simples função de idiossincrasias pessoais de indivíduos privados é mantida como uma «cortina ideológica» que esconde a realidade da sistemática opressão das mulheres.
Para a feminista duas coisas decorrem da descoberta de que a sexualidade também pertence à esfera do político. A primeira é que o que quer que faça parte da sexualidade – não apenas o comportamento sexual, mas também o desejo e as fantasias sexuais – tem de ser compreendido com relação a um sistema mais amplo de subordinação. O segundo é que a sexualidade deformada da cultura patriarcal deve ser deslocada do domínio escondido da «vida privada» para a arena da luta, onde uma sexualidade de respeito mútuo «politicamente correcta» irá conflituar com uma sexualidade «incorrecta» de domínio e submissão.»
Sandra Lee Bartky: «Femininity and domination: Studies in the Phenomenology of Oppression», Routledge, 1990, p. 45

domingo, 18 de julho de 2010

Não há liberdade sem poder



A liberdade das mulheres depende da sua participação nas diferentes formas de poder e requer um conjunto de condições objectivas que a tornem de facto, e não apenas de direito, possível. E essas condições para serem preenchidas dependem da participação das mulheres nos diferentes órgãos de poder político em paridade com os homens, bem como da sua participação na vida económica e cultural nos mesmos termos. Enquanto o mundo e os órgãos de decisão pertencerem aos homens em proporções avassaladoras, como ainda hoje se verifica, os obstáculos reais vão permanecer e os progressos talvez continuem a verificar-se, mas num ritmo extremamente lento, havendo a possibilidade de retrocessos. É para estes aspectos que o texto de Natasha Walter chama a nossa atenção e é melhor não fazermos ouvidos moucos!

«As mulheres moveram montanhas no sentido de despertarem a consciência das pessoas para a violência sexual e doméstica. Se ainda se encontram em desvantagem na obtenção de justiça para as mulheres que são violadas ou para encontrar protecção para as mulheres em risco nas suas próprias casas não é porque os seus argumentos não são comoventes e convincentes, mas sim porque não há um número suficiente de mulheres nas forças policiais e nos órgãos judiciais para dar todo o peso à palavra da mulher; não há mulheres em número suficiente no Parlamento e nos Serviços Civis para desenhar legislação que faça sentido para as mulheres. Somente quando as mulheres estiverem tão bem representadas quanto os homens nas forças policiais e nos tribunais se encontrará justiça para as mulheres. Somente quando as mulheres tiverem os mesmos papéis no Parlamento e nos Governos, a legislação tratará com igualdade homens e mulheres. Somente quando mulheres e homens tiverem igual independência financeira, as mulheres serão capazes de escapar de relações abusivas, quando o pretenderem; e, se decidirem ficar, saberão que essa é a sua escolha. Enquanto o suporte da desigualdade material não for suprimido, as mulheres não serão livres.” (Natasha Walter: The New Feminism, Virago Press, London, 1999, p. 223-224).

sexta-feira, 16 de julho de 2010

O sufragismo norte-americano

Podemos considerar a Convenção de Seneca Falls em 1848 - na qual participaram cerca de 300 pessoas, das quais 40 eram homens - como um marco na história do sufragismo norte-americano. Nela, Elizabeth Cady Stanton, parafraseando a Declaração da Independência dos Estados Unidos, numa proclamação que ficou célebre – a Declaração de Sentimentos e Intenções - formulou a reivindicação do voto para as mulheres e exigiu o fim da discriminação com base no sexo.
Antes de Seneca Falls, as feministas já se tinham envolvido em movimentos tendentes à morigeração dos costumes, como o Movimento da Temperança que visava a proibição da venda de bebidas alcoólicas, cujo consumo, frequentemente excessivo, despoletava atitudes de violência doméstica cujas principais vítimas eram as mulheres e as crianças. Apoiaram também o movimento abolicionista e a participação que nele tiveram despertou com certeza as suas consciências para a própria injustiça da situação que viviam enquanto mulheres desprovidas dos direitos mais elementares, sujeitas à autoridade de maridos e de pais frequentemente tirânicos e abusadores. O debate sobre os direitos dos negros e a campanha para a abolição da escravatura levou-as a descobrir o seu próprio estatuto de autênticas «servas domésticas».
Um episódio ocorrido na época, numa reunião internacional, em Londres, em 1840, para debater a abolição da escravatura, mostra bem a discriminação que as mulheres tinham de enfrentar; neste fórum que se propunha lutar pela libertação de seres humanos oprimidos por leis iníquas, ironia das ironias, as delegadas femininas foram impedidas de usar a palavra.
Embora a reivindicação do direito de voto fosse o ponto fulcral do movimento, feministas, como Elizabeth C. Stanton e Susan Anthony, pelas campanhas que lideraram, conseguiram que a lei do divórcio, que até aí só podia ser requerido pelo marido, fosse alterada e que o regime de propriedade , que retirava às mulheres a capacidade legal de possuírem ou mesmo de administrarem os bens, inclusive os herdados, fosse modificada.
A reivindicação do voto, apresentada desde 1830, só começou a surgir com frequência a partir de 1860. No Reino Unido, Stuart Mill em 1867 apresentou no Parlamento, na Câmara dos Comuns, uma proposta nesse sentido que foi derrotada. Nos Estados Unidos, o direito só foi reconhecido constitucionalmente em 1920 e mesmo assim apenas para mulheres com idade superior a 30 anos; só em 1928 foi reconhecido nos mesmos termos em que era permitido aos homens.
A aquisição dos direitos políticos foi apenas um primeiro passo no sentido da emancipação, muito ainda precisava de ser feito, pois como bem sabemos, não se mudam mentalidades por decreto.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Maternidade, amor romântico e beleza, o que têm em comum?


A sacralização da maternidade e o mito do amor romântico foram dois instrumentos utilizados nos tempos modernos para minar as tentativas de emancipação das mulheres, na precisa altura em que elas começavam a tomar consciência mais aguda da situação de injustiça social em que viviam. É curioso constatar que estes dois instrumentos permanecem actuantes no mundo contemporâneo, complementados por um outro, igualmente eficaz, que é o mito da beleza feminina.

A «sagrada função da maternidade», tão exaltada por Rousseau como um dever cívico que as mulheres prestavam ao Estado, cumpre um objectivo dissimulado que é o de prender as mulheres à esfera doméstica, levando-as a secundarizar a sua formação intelectual e os seus projectos de carreira profissional. Ainda hoje, antifeministas, como Beverly Lahaye, fundadora do movimento «Concerned Women for America», com larga audiência e que consegue atrair milhares, para não dizer milhões, de mulheres norte-americanas, aconselha as jovens a casarem cedo - o que significa desistirem de estudos universitários - e a darem prioridade a maridos e filhos. Uma outra antifeminista, Laura Schlessinger, no seu Talk Show, não se cansa de fustigar as mães de filhos pequenos que trabalham fora de casa, aterrorizando-as com o papão de que se entregarem os filhos a creches e infantários vão contribuir para que estes não estabeleçam com elas laços afectivos fortes. Assim não é de admirar que ela e outras façam campanha contra todas as políticas progressistas e apoiem políticas de direita que recusam fundos do Estado para financiamento de creches e jardins-de-infância, precisamente as medidas que países mais progressistas e «amigos» das mulheres assumem como um dever da sociedade.


O amor romântico, ao apresentar a relação amorosa como o único veículo de realização feminina e o casamento e a maternidade como o «destino» das mulheres, também funciona como força alienadora ao serviço do statu quo. É curioso verificar como as séries televisivas, vulgo novelas, constantemente apresentam e reforçam este modelo, com as infalíveis e repetidas cenas de casamentos pomposos, em que a paixão é o ingrediente básico.


O mito da beleza consegue distrair as mulheres, sobretudo as mais jovens, de outras preocupações que não sejam a sua aparência física que é apresentada como o segredo do sucesso e do poder. Ser bela, atraente, preocupar-se com a aparência física é tudo o que têm de fazer para conseguirem poder. Mas, é caso para perguntar, se esta é a chave do poder, do poder real e não de um simulacro, porque é que, por exemplo, o influente vice-presidente norte-americano, Dick Cheney, não ia para o seu gabinete de trabalho vestido de bailarina?
O mito da beleza é de extrema importância, sobretudo quando outros mecanismos falham, porque a beleza é e sempre foi extremamente apelativa e dificilmente as jovens e as mulheres em geral lhe conseguem resistir. Não percebem quão ilusório é o «poder» que ela lhes confere que é um simulacro de poder porque poder significa agência e agência implica um sujeito que age e aqui elas estão a aceitar a posição de objectos que são olhados, não de sujeitos que olham, que fazem escolhas e interferem com o meio e as circunstâncias. Esquecem que a única coisa que verdadeiramente lhes pode dar poder é o conhecimento, e que, por isso mesmo, o acesso à instrução tem sido sistematicamente negado a grupos sociais que importa manter num regime de submissão. Exemplo, das mulheres que, até ao século XIX, estavam impedidas de frequentar as universidades, ou dos negros do período colonial que estavam proibidos de aprender a ler. Num caso e no outro, quem dominava percebia bem o potencial libertador do conhecimento.

Para enquadrar tudo isto, importa ainda lembrar uma teoria muito divulgada entre o senso comum que defende a complementaridade entre os sexos, insistindo na diferença, embora também no igual valor dos dois sexos.
Esta teoria acaba por funcionar como um mecanismo de discriminação das mulheres porque, ao insistir na diferença, remete-as para papéis que de facto a sociedade considera de estatuto inferior. Ser uma boa dona de casa e uma esposa e mãe desvelada pode ser muito bonito, mas de facto não é a mesma coisa que ser uma cientista de renome ou uma artista plástica de reconhecida capacidade criativa. É que, apesar de tudo, entre a natureza e a cultura, nós, seres humanos, já percebemos que foi a cultura que, para o bem e para o mal, nos distanciou da restante animalidade.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Ainda o mito da beleza: talento e fealdade não combinam?

Bem, a resposta só é afirmativa se fores mulher, para os homens as coisas não se passam da mesma maneira. A este propósito Tania Gold, comentarista do Guardian, escreveu, referindo o caso específico da talentosa embora pouco atractiva Suzan Boyle:

«Porque é que o choque é tão grande quando mulheres «feias» conseguem fazer outras coisas que não apenas ficarem em casa chorando e desejando serem outra pessoa? Aos homens permite-se que sejam feios e talentosos. Alan Sugar parece um saco de farinha. Gordon Ramsey tem uma cara ressequida. Justin Collin é uma espécie de primo da Família Adams. Graham Norton lembra um macaco; e poderíamos continuar por aqui fora. Mas uma mulher precisa de ter a beleza brilhante e vazia de um brinquedo ou então ficar fora do ecran: não queremos olhar para ti, a não ser no noticiário, onde podes chorar porque qualquer espécie terrível de tragédia se abateu sobre a tua pessoa.»

Todas as personagens masculinas referidas por Tania Gold são figuras mediáticas apreciadas e reconhecidas apesar de desprovidas de atractivos físicos e isso não provoca qualquer estranheza. Em flagrante contraste, uma mulher talentosa nas mesmas circunstâncias é rejeitada ou apenas pontualmente aceite como uma ave rara, a excepção que confirma a regra.

Modelo tradicional de feminilidade e injustiça

No século XIX, Elizabeth Wordsworth (1840-1932), antifeminista e antisufragista assumida, manifestava, nestes termos, a sua preocupação a propósito da educação que se devia ministrar às jovens - futuras esposas e mães de família:
«Se, durante dez ou mais anos da sua vida, uma jovem está sempre enfronhada nos livros, como podemos esperar que, uma vez adulta, esteja atenta ao bem-estar pessoal dos que se encontram à sua volta – os idosos, os que trabalham arduamente, as crianças e os doentes?»
Para Dame Elizabeth, filha e irmã de clérigos anglicanos, colocados em altos cargos, como para as suas colegas antisufragistas, uma jovem não devia receber educação intelectual séria, não devia viver «enfronhada nos livros» porque isso poderia distraí-la e comprometer o papel que teria de desempenhar, quando adulta - um papel que exigia que se sacrificasse pelos outros e se esquecesse dela própria.
Elizabeth Wordsworth não parecia aperceber-se da injustiça que estava a cometer ao pretender impor a todas as jovens, futuras mulheres, aquilo que a ela parecia melhor e essa incompreensão resultava de defender um conceito de feminilidade que enaltecia a vocação maternal, o altruísmo e a devoção aos deveres familiares da «verdadeira mulher», estimulada a sacrificar os seus interesses pessoais, que, pasme-se, eram entendidos como interesses egoístas.
Neste paradigma de feminilidade, o lugar para a educação intelectual das jovens tinha de ser necessariamente limitado e o seu objectivo definido e orientado no sentido de as preparar para os papéis que a sociedade delas esperava. Ser mulher era uma espécie de ofício que uma educação intelectual «desequilibrada», leia-se, séria, poderia prejudicar. O mais que as antifeministas reconheciam era a necessidade das jovens serem formadas para virem a cumprir com eficácia a tarefa de educadoras dos seus filhos e para exercerem uma influência moralizadora positiva na vida social, logo uma educação que tinha acima de tudo uma vertente religiosa muito forte e que se centrava na modelação do carácter e das atitudes.
Este conceito de feminilidade encontra-se longe de estar ultrapassado; mesmo no mundo ocidental, num país como os Estados Unidos dos fins do século XX, a antifeminista Beverly La Haye (1929), presidente da organização «Concerned Women for America», ainda aconselhava as jovens a casarem cedo e a considerarem os maridos e os filhos como a sua prioridade. Como dizia o refrão dos anos cinquenta que ela implicitamente aceitava: «jovens americanas e livros não combinam»
Entre esta opinião da cristã evangélica Beverly La Haye e as preocupações de Elizabeth Wordsworth qualquer semelhança não é pura coincidência. As duas defendem para a mulher o lugar que tradicionalmente lhe foi reconhecido, as duas negam o feminismo e rejeitam a sua pretensão à construção de uma sociedade mais igualitária.
Podemos conceder que tanto estas duas mulheres, como as antifeministas em geral, actuam com base no convencimento da bondade das suas opiniões sobre como deve decorrer a vida das mulheres; mas também temos de reconhecer que, objectivamente, estas opiniões favorecem e suportam o tipo de sociedade em que os homens detém lugares de poder e de supremacia e as mulheres ocupam posições de subalternidade e de subserviência. Para reverter a situação e estabelecer relações de simetria entre homens e mulheres seria fundamental garantir às mulheres o acesso ao conhecimento que elas negam.
Desde sempre se percebeu que se as mulheres tivessem acesso ao conhecimento, a ordem patriarcal seria posta em causa e por isso é que a educação lhes foi recusada com diferentes justificações: começou por se dizer que não tinham capacidade e acabou a dizer-se que não seria conveniente.
Hoje, o exercício do poder sobre as mulheres já não assume as formas repressivas do passado, mas, não tenhamos ilusões, continua presente, só que mais criativo e, por isso, ainda mais perigoso e mistificador. Denunciá-lo; colocar em evidência a sua agenda escondida; revelar os seus disfarces e simulacros; numa palavra, despertar as consciências é tarefa de que não podemos demitir-nos.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Mulheres nas ciências e tecnologias

Em vez de filmes ou de documentários televisivos temos de nos contentar com T shirts para comemorar os feitos notáveis de mulheres a todos os títulos ilustres. É o que acontece com Ada Lovelace (que inventou o primeiro programa de computador conhecido) e Marie Curie (que descobriu a radioactividade). A boa notícia é que parte do rendimento das T shirst se destina a uma organização empenhada em apoiar programas de protecção a meninas em situação de risco.

Madame Curie é bastante conhecida, Ada Lovelace muito menos, daí o meu contributo com o breve registo a seguir apresentado:
Ada Augusta Byron, nasceu em 1815 e foi a única filha legítima do poeta Lord Byron. Os pais separaram-se quando tinha apenas um mês de idade e Byron, embora a lei inglesa lhe reconhecesse o direito de exigir a custódia da filha, nunca fez valer esse direito; Ada não chegou a conhecer o pai que morreu quando ela tinha 9 anos de idade.
Embora enfermiça e sujeita a períodos longos de doença, Ada interessava-se pelos estudos, particularmente pela matemática que começou a aprender de tenra idade com aulas ministradas por professores competentes, entre os quais se destacou Augustus de Morgan que cedo reconheceu capacidades notáveis na discípula, prevendo que viria a distinguir-se na matéria.
Casou com William King, primeiro conde de Lovelace em 1838 e tiveram três filhos, dois rapazes e uma rapariga. O seu interesse pela matemática continuou e ao traduzir um artigo de um matemático italiano, resolveu complementá-lo com um conjunto de notas suas mais extensas que o próprio artigo; essas notas incluem um método para calcular uma sequência numérica que, segundo os entendidos na matéria, foi o primeiro programa de computador conhecido.
Ada Lovelace morreu de cancro em 1852 com apenas trinta e seis anos.

domingo, 11 de julho de 2010

Como o mito da beleza pode prejudicar os interesses das mulheres


É tão trivial que mal damos conta do sucedido: todas nós, no nosso quotidiano, fomos já confrontadas com os comentários dos nossos companheiros, filhos e outros familiares ou amigos sobre figuras femininas públicas que aparecem na televisão; esses comentários, apreciativos ou depreciativos, incidem invariavelmente sobre a aparência da personagem e não sobre as ideias que ela apresenta, distraindo a nossa atenção do que é dito para o que é visto - a figura, o vestuário, o penteado - e mostram quão prevalecente e invasivo continua a ser o mito da beleza.

O mito da beleza - a ideia de que o que é essencial numa mulher é a sua aparência física - explica porque as mulheres espectadoras têm tão pouca tendência a identificarem-se com figuras femininas que exercem funções de relevo na esfera pública; cumpre assim uma função nitidamente antifeminista, impedindo as mulheres de «sonharem» com papéis que não os tradicionais.
Um qualquer político, administrador de empresa ou intelectual é avaliado pelas suas opiniões, cultura e capacidade argumentativa, uma mulher em situação equivalente começa por sofrer uma devassa na sua aparência física e só depois, se é que isso acontece, é ouvida e avaliada por aquilo que diz. Temos pois boas razões para supor que muitas evitarão ocupar lugares de exposição pública precisamente porque pressentem que não se vão sentir à vontade com o injusto escrutínio a que inevitavelmente ficarão sujeitas.

Se sairmos dos media para a indústria do cinema e para a sua meca – Hollywood - também constatamos que nos inúmeros filmes produzidos, raros, muito raros mesmos, são aqueles em que a protagonista é uma mulher e em que mulheres, cuja vida mereceria ser contada porque se destacaram pelos seus méritos pessoais e contributo civilizacional, constituam o leitmotiv da história. Por outro lado, apenas mulheres jovens e de uma maneira geral belas são apresentadas; já em relação aos protagonistas masculinos, os critérios selectivos são completamente diferentes, tanto em termos de idade como de aspecto físico.

Para a publicidade aos mais diversos produtos ou para o exercício de cargos nas televisões, como, por exemplo, o de apresentadora, a tendência, escandalosamente dominante, é a de contratar mulheres jovens e belas, outros méritos são totalmente desvalorizados se estes dois critérios não forem assegurados.

Por tudo isto, importa denunciar a utilização do mito da beleza, importa mostrar como este implica discriminação injusta e serve a manutenção e replicação de uma sociedade sexista. As mulheres são inteligentes, cultas e interessadas nos problemas sociais, temos o direito de poder ouvir as suas opiniões e de considerar secundária a sua aparência física, mas, para isso, é necessário que esta não seja o critério essencial para as colocar nos meios de comunicação social. Como escreve Naomi Wollf: «Se rejeitarmos a afirmação insistente de que a aparência de uma mulher é o seu discurso, se nos ouvirmos umas às outras fora dos limites do mito da beleza, isso já será um passo político em frente.» (O Mito da Beleza, Rocco, 1992, p. 365.)

sábado, 3 de julho de 2010

Susan B. Anthony e as «feministas conservadoras»

Susan Brown Anthony, 1820-1906, foi a segunda de sete filhos de uma família Quaker que, como acontecia entre os Quakers, era contra a escravatura e acreditava na igualdade entre homens e mulheres. Susan viveu pois num ambiente familiar muito progressista, numa casa que era o ponto de encontro de activistas anti-esclavagistas e teve como vizinho o grande orador afro-americano Frederick Douglas.
Depois de receber educação numa escola religiosa Quaker em Filadélfia, Susan seguiu a carreira de professora durante alguns anos - uma das poucas profissões então abertas a mulheres, ganhando um quinto do que os colegas masculinos ganhavam – e combateu a segregação racial nas escolas. Em 1848, juntou-se às «Filhas da Temperança» (Daughters of Temperance) e em 1852 fundou a Sociedade das Mulheres pela temperança, do Estado de New Jersey (Women´s New York State of Temperance Society), preocupada com os abusos sofridos pelas crianças e mulheres de alcoólicos, apoiou e chegou mesmo a liderar um movimento contra a venda de bebidas alcoólicas.
Conheceu Elizabeth Cady Stanton em 1851 numa convenção anti-esclavagista e tornaram-se amigas. Em 1854 apresentou uma petição sobre os direitos de propriedade das mulheres e sobre o sufrágio. Viu a primeira reivindicação satisfeita em 1860 quando foi reconhecido legalmente o direito das mulheres controlarem os seus próprios salários e heranças e exercerem autoridade sobre os filhos.
Em relação ao sufrágio, a principal reivindicação feminista da época, exigiu-o para mulheres brancas e negras; mas, porque se pronunciou sobre o absurdo que era conceder o voto a homens analfabetos enquanto se negava o mesmo direito a mulheres cultas, foi acusada de elitista. Ora tal acusação, em meu entender, resulta apenas de se ignorar propositadamente o contexto em que as afirmações são proferidas, para distorcer completamente o seu sentido.
Em 1872 teve a ousadia de votar para a eleição presidencial argumentando que a constituição diz: «Nós, as pessoas, e não, nós cidadãos brancos do sexo masculino.» Foi presa, julgada e multada, mas nunca pagou a multa.
De 1868 a 1870 foi proprietária de um jornal - «Revolution» - que, entre outros tópicos, lutava contra a discriminação no trabalho e na aplicação de leis do divórcio. Os apoios financeiros escassearam e ela própria teve de trabalhar durante alguns anos para pagar as dívidas, entretanto contraídas.
Organizou em 1890, em Washington, a primeira convenção para o sufrágio feminino e participou em outros datas e lugares em movimentos a favor do sufrágio pelo que foi de todo o direito que a emenda constitucional, que viria a legitimar o sufrágio nos Estados Unidos, ficou conhecida pela Emenda Susan B. Anthony.
Com este brilhante currículo só é de estranhar que antifeministas dos nossos dias se procurem apropriar do nome e do prestígio de que Susan Anthony goza para promoverem uma agenda que não defende os interesses das mulheres.
Susan Anthony bateu-se pelo direito de voto para as mulheres; lutou pela abolição da escravatura; reivindicou o direito das mulheres controlarem os seus salários e heranças bem como de terem autoridade sobre os filhos e poderem interpor acções de divórcio; combateu a violência doméstica; pugnou para que as mulheres não fossem discriminadas, como ela própria foi, no exercício das diferentes profissões. Todas estas lutas eram no momento lutas prioritárias e corajosas. Poderíamos perguntar se mulheres que hoje nos Estados Unidos se reclamam do seu legado, as tais «feministas conservadoras» de que fala Sara Palin, as teriam endossado. A resposta credível é rotundamente negativa. Hoje gozam de direitos de cidadania que só existem porque as feministas lutaram quando era preciso fazê-lo e quando surgiram condições objectivas para essa luta, mas é de presumir que então teriam adoptado a posição que as antifeministas assumiram, considerando que o voto não era necessário pois os homens representavam bem os interesses das mulheres.
Hoje, a luta feminista centra-se sobre a questão da autonomia das mulheres que passa pelo controlo da sua capacidade reprodutiva e pela garantia dos seus direitos reprodutivos, bem como pelo desenvolvimento de facto das liberdades que a lei lhes concede; ora é precisamente neste campo que as «feministas conservadoras» assestam baterias para minar qualquer pretensão libertadora. (Sara Palin vai ao ponto de afirmar que se uma sua filha fosse violada e engravidasse, a gravidez seria para levar até ao fim). As «feministas conservadoras» costumam ainda rejeitar o apoio a medidas que visam facilitar a vida das mães trabalhadoras, como é o caso da instituição de creches e de outros apoios. Quanto à violência doméstica, embora a critiquem, também não se cansam de afirmar que as feministas exageram o fenómeno. A culpa pelo divórcio é por vezes por elas atribuída a mulheres demasiado exigentes, influenciadas pelo feminismo. Tudo isto, penso, é mais do que suficiente para denunciar o aproveitamento que fazem do nome de uma mulher, essa sim, uma autêntica feminista porque colocou a sua vida ao serviço dos interesses das mulheres com a consciência plena de que estes passam pela sua autonomia e libertação.