quinta-feira, 20 de agosto de 2009

(3) Sexo e amor em Marcilio Ficino – não ao homossexualismo, sim ao homoerotismo

Nos fins da Idade Média e início da Moderna, pressente-se certo desregramento nos costumes e na vida sexual, como as histórias contadas por Boccaccio no Decameron, os relatos dos escândalos da vida dissoluta de figuras do alto clero e os sermões inflamados do carismático Savonarola, sugerem. Mas, se consultarmos os escritos de Marcilio Ficino, verificamos que as ideias defendidas não anunciavam ainda mudanças significativas.

Marcilio Ficino (1433-1499), filosofo neoplatónico, criador da Academia de Florença e tutor de Lourenço de Médicis, procurou conciliar o platonismo com o cristianismo. Ficino desenvolveu o conceito de amor platónico, defendendo que todo o amor deve ser espelho do amor de Deus e, portanto, de natureza puramente espiritual, embora se possa ascender da contemplação da beleza física até à própria beleza de Deus. A beleza do corpo humano seria o laço entre o mundo sensível e Deus. Só o amor permitiria atingir a realidade de Deus:

«A definição de beleza de Ficino é a de “uma certa graça que, na maior parte das vezes, resulta da harmonia de várias coisas (De Amore). Esta graça pode ser do tipo de almas que se conhecem através do intelecto, de corpos através da visão, de sons através da audição. “Deste modo, o amor é limitado a estes três tipos, qualquer apetite que siga outro sentido, não é chamado amor, mas luxúria ou loucura (De Amore).” Portanto, Ficino declara que o desejo do coito, porque envolve o sentido do tacto, não é chamado amor, mas é o seu oposto. Esta era a razão dos seus frequentes ataques contra o desejo lascivo que impele as almas para a copulação …
Através das suas mútuas percepções de beleza, tanto física como intelectual, o homem (adulto) e o jovem cultivam o amor por uma beleza superior.» (1)

Na prática, esta concepção de amor permitiu a Marcílio Ficino manter relação estreita com Giovanni Cavalcanti, jovem e nobre, a quem dirigiu inflamadas cartas de amor, pois embora condenasse as relações sexuais entre homens, considerou que o amor entre homens era um sentimento positivo – repudiou o homossexualismo, mas exaltou o homoerotismo – o prazer que decorre da contemplação dos corpos belos e da conversação entre almas sublimes.

Podemos pois dizer que na Renascença prevalece a separação entre sexo e amor, considerando-se o sexo degradante, culpabilizando-se os prazeres da carne, que continuam a ser considerados pecaminosos, e enaltecendo-se o amor enquanto realidade puramente espiritual. Mas, para além destes aspectos, percebe-se já a valorização do corpo (masculino) que pela sua beleza é um reflexo da beleza divina e procura-se uma certa ligação entre sexualidade e espiritualidade.
(1) A. Ferreiro e J. Burton Russell: The Devil, Heresy and Witchcraft in Middle Ages.

Sem comentários:

Enviar um comentário