Uma das críticas que mais insistentemente as esquerdas – feminismo radical e feminismos de inspiração marxista, fazem ao feminismo liberal é a de que ele é reformista e que, ao pretender conciliar mudanças e reformas com a manutenção das estruturas políticas existentes, não irá identificar as estruturas mais amplas que oprimem as mulheres, tais como o sistema patriarcal e a organização hierárquica do sistema capitalista. Mas as esquerdas parece não terem percebido que feminismo liberal não é igual a feminismo mais liberalismo e não querem ver que, de facto, o feminismo liberal revelou potencialidade para radicalizar o liberalismo porque, ao procurar fazer coisas que interessam às mulheres enquanto mulheres, acabou por ultrapassar a ideologia e por a subverter.
Podemos mostrar a bondade desta tese, lembrando factos. Foi o feminismo liberal que trouxe os problemas da esfera privada para a esfera pública, afinal foi ele que de facto e não apenas em teoria defendeu que «o pessoal é político», procurando promover e incrementar medidas tendentes a resolver os problemas com que as mulheres se deparam enquanto mulheres, tais como o problema da violência doméstica, até então conhecido pelo eufemismo de «disputa familiar» na qual obviamente a polícia não intervinha, lutando pela instituição de casas abrigo para as vítimas de abuso e sensibilizando os legisladores que haveriam de vir a reconhecer em épocas diferentes este crime como um crime público que qualquer um poderia denunciar. Foram feministas liberais que insistiram na necessidade de creches para as crianças das mães trabalhadoras, entendendo que todos estes problemas tinham uma dimensão social e política que não mais poderia ser escamoteada. Mais recentemente o estabelecimento nas próprias empresas privadas de licença parental quando do nascimento de filhas/os e a guarda comum das crianças em caso de divórcio, são relevantes conquistas pelas quais o feminismo liberal se bateu.
Podemos mostrar a bondade desta tese, lembrando factos. Foi o feminismo liberal que trouxe os problemas da esfera privada para a esfera pública, afinal foi ele que de facto e não apenas em teoria defendeu que «o pessoal é político», procurando promover e incrementar medidas tendentes a resolver os problemas com que as mulheres se deparam enquanto mulheres, tais como o problema da violência doméstica, até então conhecido pelo eufemismo de «disputa familiar» na qual obviamente a polícia não intervinha, lutando pela instituição de casas abrigo para as vítimas de abuso e sensibilizando os legisladores que haveriam de vir a reconhecer em épocas diferentes este crime como um crime público que qualquer um poderia denunciar. Foram feministas liberais que insistiram na necessidade de creches para as crianças das mães trabalhadoras, entendendo que todos estes problemas tinham uma dimensão social e política que não mais poderia ser escamoteada. Mais recentemente o estabelecimento nas próprias empresas privadas de licença parental quando do nascimento de filhas/os e a guarda comum das crianças em caso de divórcio, são relevantes conquistas pelas quais o feminismo liberal se bateu.
A agenda feminista liberal esteve e continua a estar no terreno, identificando problemas, definindo objectivos e propondo estratégias para os resolver e foi ela que na prática integrou muitos problemas familiares na esfera do social e do político, com isso operando transformações profundas ao nível da família e da esfera privada que até há pouco era considerada pelo próprio liberalismo como uma espécie de área sagrada onde o Estado nunca deveria intervir.
Assim, embora o feminismo liberal inclua como objectivo prioritário o acesso a direitos de que antes apenas os homens gozavam, sendo por isso acusado de burguês – o que de qualquer modo é contestável, não se ficou por aqui e na sua lógica interna de dar corpo a esses direitos acabou por transformar o próprio liberalismo, ao revelar, embora de forma implícita, que as mulheres constituem uma classe sexual que é oprimida enquanto tal, ora «Este reconhecimento das mulheres como uma classe sexual transfere a qualidade subversiva do feminismo para o liberalismo porque o liberalismo tomou como premissa para a exclusão das mulheres da vida pública essa base.» (1)
Se quiséssemos resumir o potencial revolucionário do feminismo liberal poderíamos dizer que, ao exigir igualdade de facto para as mulheres e ao levar essa exigência às suas lógicas consequências, ele acabará por desmantelar a estrutura patriarcal da família. Por isso, criticar o feminismo liberal por ele ser meramente reformista é ignorar que muitas das reformas que propõe e implementa, pela sua natureza subversiva, podem acabar numa autêntica revolução, não tão turbulenta, como estamos habituados a pensar, mas não menos revolucionária.
(1) Patrícia S. Misciano: Rethinking Feminist Identification. Praeger Publishers, 1997.
O feminismo liberal tem de assumir as vitórias mas também as derrotas e é isso que não tenho visto a Adília fazer. Se realmente é verdade que tem sido o feminismo liberal o motor da mudança (e isto estaria para demonstrar), o que significa que tem sido a visão liberal que tem imperado na generalidade das mulheres activistas e das suas organizações, então temos que assumir que o que ainda acontece, o que não mudou, o sexismo e a existência do patriarcado também é, em parte, responsabilidade da forma meramente reformista e conciliadora do feminismo liberal.
ResponderEliminarAo mesmo tempo que são focados os direitos conquistados, são ignoradas as novas formas de exploração e de destruição das mulheres que vão surgindo (a pornografia, a publicidade, a anorexia, etc.) e que são consequência de uma sociedade moldada pelo liberalismo e pela sua forma de fazer activismo feminista.
O radicalismo impõe rupturas e as épocas revolucionárias são escrutinadas pelos seus sucessos e pelos seus falhanços. O reformismo não. É geralmente visto como, na pior das hipóteses, como inofensivo e ineficaz e na melhor como força evolutiva, de mudança gradual. Mas não é bem assim no meu entender, porque na pior das hipóteses o reformismo é reaccionário, desvia as atenções do importante, ilude activistas, significa retrocesso durante longos períodos.
Essa ideia do "potencial revolucionário do feminismo liberal" é isso mesmo, uma potencialidade e não uma realidade, uma previsão e não uma constatação, como o próprio texto da Adília confirma: "ele acabará por desmantelar a estrutura patriarcal da família".
Obrigada pelo seu comentário crítico que estimula a reflexão.
ResponderEliminarVamos estabelecer um paralelo. Aqueles que apoiaram as lutas contra a discriminação com base na raça apoiaram-nas incondicionalmente e sabiam muito bem que o termo dessa discriminação não iria acabar com a opressão nem iria pôr em questão as estruturas opressivas da organização social. Ora nunca vi os sectores de esquerda, marxistas, anarquistas ou outros apresentarem reticências, críticas, denunciarem perigos que o movimento poderia esconder, etc. etc.
Agora pergunto, porque é que esses mesmos sectores se encarniçam contra a luta levada a cabo sobretudo pelo feminismo liberal para pôr cobro à discriminação sexual, dizendo entre outras coisas que é reformista e até reaccionária e qque vai manter intactas as estruturas opressivas? Parece que querem cobrar da luta contra a discriminação sexual o que nunca exigiram da luta contra a discriminação racial.
Ora também pergunto: você vê alguma diferença essencial e significativa entre discriminação racial e discriminação sexual? O que eu vejo é que num caso, a raça, e no outro, o sexo servem para discriminar negativamente pessoas e o que vejo ainda é que é muito mais difícil a luta contra a discriminação sexual do que a luta contra a discriminação racial e vejo também ou presumo que o preconceito com base no sexo é muito mais difícil de extirpar e muito mais persistente e universal.
Penso que está na hora das três principais tendências do movimento feminista, feminismo liberal, feminismo radical e feminismo de inspiração marxista, pararem de espingardear, todas têm um importante contributo a dar e é mais importante preservar o que as une do que valorizar o que as separa.
Agora sobre a pornografia e a publicidade, nem uma nem outra têm de ser necessariamente sexistas e se pararmos um pouco para pensar talvez cheguemos à conclusão de que se o são é enquanto redutos significativos de luta antifeminista encapotada, redutos esses que se encontram em mãos masculinas. Claro que isto é apenas uma interpretação minha e vale o que vale.
Dê uma olhada no que Eu quero:
ResponderEliminarhttp://olhosepensamentos.blogspot.com/
blog atualizado, bjs
Cara Adília,
ResponderEliminarPenso que deve haver várias razões que justifiquem essa diferença de tratamentos. O sexismo nos meios revolucionários é uma delas concerteza, mas também me ocorre a prioritarização da questão económica (a pertença das mulheres à classe alta, o que tradicionalmente não acontece com as “raças” discriminadas).
No que respeita à actualidade há um contra-exemplo de peso, o aparecimento de Obama e as críticas de que ele foi alvo.
Bem, Mescalero
ResponderEliminarNas raças discriminadas também há pessoas muito bem sucedidas e muito bem integradas no sistema.
Quanto a Obama não vejo em que é que ele constituiu um contra exemplo, um contra exemplo de quê?
Mais uma vez insisto em não perdermos o foco e o que nos deve unir é a luta contra a discriminação das mulheres enquanto mulheres. Porque não perco este foco, acho estupidos os ataques sexistas à Sara Palin, ela não é melhor nem pior que muitos outros/as lideres de direita mas entricheiram-se todos e até muitas, contra ela, porque será?
Sabe que mesmo entre as feministas e os feministas continua a haver tremendas confusões e estas só poderão ser menorizadas se se cerrar fileiras a favor de objectivos comuns e um muito forte será o de varrer a discrimnação sexista onde tivermos braços e vassouras.
Hoje em dia sim, vê-se a integração das "raças" discriminadas, mas o que eu disse foi que tradicionalmente isso não acontece. No fundo é o mesmo que acontece com as mulheres.
ResponderEliminarO Obama é um contra-exemplo acabado de como os movimentos radicais fazem a crítica aos perigos de se achar que um negro num cargo de muito poder combate o racismo. Tal como fazem com as mulheres. Claro que agora falo da actualidade e as coisas estão diferentes.
Sobre a Palin concordo que ela foi vítima de sexismo mas o entrincheiramento contra ela não aconteceu por ser mulher mas sobretudo por ser um elo fraco, muito mais fraco que o sóbrio e estável McCain. Ela não é pior que outros líderes? Talvez não, embora tenha aquele estilo cowboy do Bush. A questão é que quando se fala de política está-se a falar de marketing político, que é o que ocupa a esmagadora maioria das preocupações quer de candidatos quer de eleitores, e não de ideias, programas ou ideologias. E o maketing político dela foi muito mau.
Sou a favor de se cerrar fileiras, muito a favor até, mas não acriticamente e a todo o custo. Estive do lado do Sim no referendo da IVG e, ao contrário do que é habitual, fui votar. Sou a favor da discriminação positiva e se for necessário de quotas, mas nunca vou apoiar políticos só porque são mulheres ou o facilitar o ingresso de mulheres nas forças armadas.
Fez a comparação correcta, a Palin é a equivalente do Bush. Quanto ao Obama, percebi agora o que quer dizer, mas mesmo assim acho muito importante a presidência de um negro como teria achado a da Hilary enquanto mulher, é uma questão simbólica e os símbolos quer queiramos quer não são muito importantes: influenciam a nossa percepção do real.
ResponderEliminarQuanto às forças armadas, suponho que ai intervém a sua opção política que presumo seja pacifista, não?
De resto eu não conheço bem o anarquismo, o tempo não dá para tudo, mas do que sei dele e do que conheço da humanidade, e que humanidade! penso que é impraticável e utópico, embora tenha ideias muito positivas.
Sou essencialmente pacifista, o problema da violência nas lutas sociais é um pouco complexo, mas o que muito claro para mim é que sou anti-militarista, o que coincide com uma das premissas estruturais do anarquismo. O anarquismo dava para falar outro tanto que o feminismo mas não será aqui o local apropriado. De qualquer forma devo dizer que num sistema arquista como o que temos (arquista, isto é, com hierarquias e relações de autoridade baseadas na força), não é fácil vislumbrar outra forma de organização e de relacionamento social, e daí que veja com naturalidade as apreensões e dúvidas das pessoas, mas daí a considerar formas horizontais, igualitárias e cooperativas como impraticáveis e utópicas vai um longo passo.
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