terça-feira, 25 de agosto de 2009

(6) Sexo e amor em Johann Fichte: esposas ou putas em regime de exclusividade?

Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), filósofo alemão, protegido de Kant, foi um pensador democrata que não se livrou da terrível suspeita de ateísmo pois, entre outras coisas, teve a coragem de proclamar que Deus não estava a serviço dos príncipes. Mas, apesar de politicamente progressista, no que às mulheres diz respeito, e sobretudo no que respeita à sua sexualidade, as proclamações que proferiu são conservadoras e mesmo reaccionárias.

Fichte, embora teoricamente considerasse que homens e mulheres eram seres naturalmente livres, iguais e dotados de razão, não conseguiu extrair as consequências lógicas decorrentes da admissão deste princípio e à maneira dos pensadores liberais anglo-saxónicos da primeira vaga pretendeu que a mulher prescinde dos seus direitos no casamento e deixa-se representar pelo marido que saberá defender sempre os seus interesses.

Em relação à sexualidade as suas ideias estão eivadas dos preconceitos correntes na época que não conseguiu escrutinar criticamente e a que mais uma vez deu voz, como aconteceu com muitos outros filósofos:

“Fichte aceitou acriticamente a teoria suportada pela autoridade de Aristóteles e Tomás de Aquino segundo a qual o macho é activo na procriação e a fêmea inactiva. Pensou que isto colocava a mulher numa situação contraditória na qual ela, enquanto agente racional livre, escolhe um papel sexual passivo, o papel passivo da fêmea na procriação. O que a mulher faz, proclamava Fichte, é escolher satisfazer o macho para a salvaguarda do amor. O homem, diz, não deve tentar satisfazer a mulher. Fichte defendia que as mulheres amam naturalmente, enquanto os homens têm de aprender a amar. È interessante ver quão persistentes são algumas destas ideias. Muitas pessoas ainda pensam que as mulheres não podem, ou não devem, ter prazer com o sexo e que o homem não tem a responsabilidade de se preocupar com o prazer da mulher na relação sexual. " (1)

A teoria segunda a qual na procriação o macho é activo e a fêmea passiva apresentava-se, mesmo em fins do século XVIII, como uma teoria científica que hoje definitivamente sabemos estar errada e ser tudo menos científica. Este exemplo deveria levar os cientistas a serem mais modestos e cautelosos e a medirem bem as consequências de afirmações que, apresentando-se como científicas, podem ter um efeito deletério para o progresso da humanidade. Vem esta observação a propósito da sociobiologia do comportamento humano também conhecida por psicologia evolucionista que anda por aí a apresentar pretensas evidências das características inatas de fêmeas e machos humanos que explicariam, e consequentemente justificariam, o sistema patriarcal em que ainda vivemos.

A teoria da reprodução humana que Fichte aceitou, como atrás se aponta, explicaria a passividade da mulher no acto sexual e consequentemente a inexistência de prazer na fêmea humana e também ilibava o homem de qualquer preocupação com o prazer da sua parceira sexual, reduzindo a mulher à função de satisfazer as necessidades do macho.

Facilmente se vislumbra como estas teorizações podem ter prejudicado a construção da sexualidade feminina e o investimento das mulheres na actividade sexual. Muitas deveriam sentir-se profundamente inibidas em relação ao sexo, ou mesmo culpabilizadas, pois sentir prazer, no seu caso, corresponderia a uma anormalidade. O único caminho que a sexualidade lhes abria era a de agradarem ao macho e colocarem-se ao seu serviço, não só no plano doméstico como no sexual - putas voluntárias e em regime de exclusividade, parece demasiado cruel, mas não está muito longe da realidade!
(1) Don Marietta: Philosophy of Sexuality

3 comentários:

  1. Não está longe da realidade mesmo... basta vermos o quanto as mulheres compram a idéia de que suas vidas devem girar em torno de satisfazer os machos, seja através da prostituição, seja através do casamento... tudo girando em torno de um mesmo ideal,o de seduzir (e quase nunca ser seduzida), construído sobre uma confortável explicação biológica, que faz vistas grossas aos construtos histórico-sociais e só reforça o patriarcado. Amei o blog!

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  2. Devathai
    É terrivel verificar como nas diferentes épocas a própria ciência foi lacaia do sistema que oprimiu as mulheres e mais terrível ainda ver que em pleno século XXI os esforços nesse sentido permanecem.
    Talvez lhe interesse conhecer melhor a sociobiologia e as suas pretensões, tema que já abordei no blog, como não consigo colocar aqui o endereço, pode fazer favor de procurar nos posts anteriores, ainda em Agosto e fins de Julho.
    Obrigada pela visita,
    Abraço adília.

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  3. Ah, vou procurar sim! É sempre bom para termos mais argumentos, pois a todo tempo estão me abordando querendo me ridicularizar por ser feminista, como se isso fosse um palavrão, e o que é pior, o preconceito vem das próprias mulheres o.O

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