As mulheres misóginas - expressão aparentemente paradoxal, assimilaram e interiorizaram os valores machistas e desse modo não percebem que se tornaram cúmplices do sistema opressor. Estão muitas vezes na primeira linha quando se trata de definir as atitudes que a «verdadeira» mulher deve adoptar ou quando se trata de desculpabilizar os homens por pretenso excessos que estes possam cometer, «provocados» pela aparência, por exemplo vestuário, ou por comportamento que considerem inapropriado, por exemplo, consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Esquecem que estão a utilizar um argumento antiquíssimo que encontramos nos textos bíblicos que identifica a mulher como a eterna sedutora e corruptora do homem e por isso culpada ab inicio dos piores crimes. Por outro lado elas próprias assimilaram a visão do sexo como algo mau, que os homens desde sempre endossaram; estes, sentindo-se culpabilizados por experimentarem desejo por algo que consideram mau, pelo mecanismo do bode expiatório projectam na mulher toda essa negatividade e culpabilidade que o sexo lhes provoca. Por exemplo, muitas mulheres são as primeiras a desculpar a promiscuidade sexual dos homens – mesmo quando estes são casados, e a punirem severamente o mesmo comportamento nas mulheres – mesmo quando estas são solteiras. Mas um pouco de reflexão permite-nos concluir que uma mulher promíscua – que tem relação com vários parceiros sexuais sem que isso envolva qualquer compromisso afectivo ou social, só pela experiência em si ou pelo prazer que ela lhe possa causar – revela, pela sua atitude a intenção de controlar a sua própria sexualidade, de procurar o seu prazer através de experiências diferentes e variadas e não se guardar para um único companheiro. Ora, como as mulheres que interiorizaram sentimentos misóginos não são capazes de deles se libertarem, atacam aquelas que furaram o bloqueio e muitas vezes dirigem esses sentimentos hostis contra si próprias o que explica também porque é que tantas sofrem de distúrbios digestivos, tem uma auto-imagem negativa ou entendem que o sofrimento que experimentam não é injusto.
Os homens e as mulheres misóginas bem como as sociedades misóginas - podemos tomar como exemplo extremo dos nossos dias a sociedade afegã, sempre protestam respeito pelas mulheres mesmo quando lhes batem ou ameaçam matá-las, justificando-se com o facto de elas não se conduzirem de acordo com a cartilha machista que é entendida como um autêntico manual de bom comportamento. A percepção que têm da mulher é a de um ser menor que, tal como uma criança, precisa de ser controlada para o seu próprio bem: assim como o pai que bate no filho quando ele faz uma asneira, também o marido que bate na mulher tem o mesmo tipo de razão, num caso ou no outro recusam ver aqui qualquer sintoma de ódio. Mas afinal não respeitam as mulheres o que respeitam e exaltam é um ideal de mulher que construíram nas suas cabeças pretendendo que todas se devem conformar a esse ideal, quando isso não acontece o respeito e a adoração descambam em desprezo e hostilidade e a mulher cai do belo pedestal em que a colocaram.
Tudo isto significa que o problema central com que as mulheres se vêem confrontadas não é tanto a misoginia mas sobretudo o sexismo nas suas diversas modalidades pois a misoginia é um produto lateral do sexismo, a misoginia é apenas o instrumento que é utilizado quando o sexismo é posto em causa, quando a mulher se rebela contra o papel que a sociedade sexista para ela estipula e, paralelamente, a tonalidade hostil que a acompanha apenas serve para justificar o recurso a esse instrumento de controlo, quando os mecanismos mais subtis falharam.
Resumindo, podemos dizer que a supremacia masculina, característica dominante da sociedade patriarcal, exige que os homens controlem as mulheres, o que será mais fácil se as convencerem de que elas necessitam de ser controladas e de que limitar-lhes a liberdade é uma forma de as protegerem. Para as controlarem, têm de as discriminar (sexismo) e, por último, para as discriminarem precisam de sentir que elas são inferiores (misoginia). Podemos assim dizer que o sexismo é a teoria e a misoginia é a prática e que esta pela violência de que se reveste requer um fundamento afectivo de hostilidade em relação às mulheres.