sábado, 1 de agosto de 2009

Sociobiologia e critérios de cientificidade

Segue hoje mais um episódio sobre a Sociobiologia no qual se discute a sua legitimidade enquanto teoria que pretende ser científica, ou, como dizem os filósofos, o seu estatuto epistemológico.

A título prévio, precisamos dizer que a evidência que suporta uma teoria pode ser verdadeira e a teoria pode ser falsa e que a mesma evidência pode encontrar-se na origem de teorias alternativas. Isto acontece porque a evidencia constitui a premissa ou premissas de que se parte e a teoria é a conclusão a que se chega através de uma dedução e o laço entre umas e outra pode não ser constringente.

Como já referimos, a Sociobiologia, partindo da reprodução e do modo como ela afecta homens e mulheres, defende que os traços de carácter masculinos diferem radicalmente dos traços de carácter femininos; considera que essa diferença, geneticamente determinada, explica a dominância e agressividade masculina e a passividade e submissão feminina. As mulheres, de acordo com esta teoria, são passivas e submissas porque tal está inscrito no seu código genético; pelo mesmo motivo, os homens são dominadores e agressivos.

A explicação (hipótese) que a Sociobiologia fornece entra em conflito com a hipótese proposta pela própria Sociologia que explica a dominância masculina e a submissão feminina apelando para processos de socialização radicalmente diferentes que condicionam, através de mecanismos de vária ordem, a construção das identidades feminina e masculina. Estamos pois perante teorias concorrentes e mais uma vez perante o conflito é entre o inato e o adquirido. Não é de pequena monta decidir por uma ou outra teoria, mas para já é preciso afirmar que existe uma explicação alternativa à sociobiologia, ficando por decidir para qual nos devemos inclinar, após a análise dos seu méritos e deméritos.

Comecemos como o papel que homens e mulheres desempenham na reprodução da espécie; tem de se concordar que é muito maior o investimento da mulher do que o do homem; mas já não tem de se concordar que tenha estado aqui a origem da dominação de um sexo sobre o outro e a aceitação pacífica por parte da mulher da submissão ao homem. E isto porque a submissão é uma atitude tão pouco natural (para aquele/a que vai ser submetida), tão pouco desejável, que muito mais verosimilmente deve ter tido origem na superioridade física de um sexo em relação ao outro e na consequente imposição da dominância.

Acresce ainda que há um aspecto importante que a hipótese sociobiológica não consegue explicar: Se é tão natural e conveniente que as mulheres sejam dominadas pelos homens, porque é que foi preciso montar tantos constrangimentos sociais para as manter no seu «lugar» e nos seus «papéis naturais», recorrendo-se à força intimidante das tradições, à força sobrenatural das religiões, à pressão constringente da literatura, da ciência e até da própria filosofia, para produzir constantemente discursos legitimadores do «status quo»? Como se pode ver, um arsenal poderosíssimo e desproporcionado contra um ser tão «frágil e passivo»! Mais, se o comportamento de dependência e de submissão das mulheres está inscrito no seu código genético, se é tão natural, porque é que tantas mulheres se sentem profundamente desconfortáveis no papel que a natureza para elas determinou? Estes são factos que não corroboram a teoria, mas que a falsificam.

Concluindo, por um lado, há uma explicação mais simples e verosímil para os factos que a Sociobiologia se propõe explicar; por outro, há factos que esta hipótese não explica. Deste modo, pode defender-se que a Sociobiologia complica desnecessariamente a questão, tem pouco poder explicativo e é falsificada por factos que, se a aceitássemos não poderiam ter ocorrido, mas que ocorreram; estes são critérios importantes para se determinar a cientificidade de uma teoria, que Guilherme de Ockham, um dos pais fundadores do modo científico de conhecer o mundo, já tinha evidenciado e que Karl Popper na Época Contemporânea reforçou.

3 comentários:

  1. Nossa, muito bom isso! Eh uma furada mesmo tentar justificar os privilégios dos homens pela biologia, ou sociobiologia como vc disse. Eh muito facil dizer que as meninas têm instinto maternal se desde crianças as bonecas lhes são empurradas guela à baixo. Ou justificar a traição masculina com o classico 'homens são assim'. Se o cara esta na duvida, é so ele ouvir que aquilo faz parte da sua natureza e pronto, pode fazer sem remorsos!

    E cabe a nos mulheres mudar isso tudo. Pq pra eles esta tudo muito bom, quem quer perder privilégios?

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  2. Amanda, não sei se conhece, mas há um livro muito interessante sobre este tema da Elizabeth Badinter que tem precisamente por título: O Mito do Amor Materno. Há mesm o um site que o disponibilza em portugês mas já não sei qual é, na altura até fiz download.

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  3. É um óptimo argumento esse de que se a mulher é geneticamente submissa então não se percebe o sentido dos bem conhecidos mecanismos de submissão patriarcais.

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