O capitalista quer mão-de-obra barata, o chefe de família quer mão-de-obra gratuita. Num caso e no outro há exploração económica e quem não perceber isto é …
A sobrevivência e a continuidade de qualquer sociedade dependem da produção de bens materiais e da reprodução da espécie. Ora, durante muito tempo disse-se, e de tanto se dizer virou verdade inquestionada, que as mulheres não contribuíram para a produção de bens materiais, apenas contribuíram para a reprodução da vida, através dos filhos e dos cuidados que a eles e aos maridos prestavam, no contexto do lar doméstico, sendo os maridos os provedores das necessidades da família através da participação no processo produtivo.
Mas isto sempre foi falso, uma falsidade que se vendeu e que escondeu um crime mais grave. As mulheres, como qualquer estudo antropológico evidencia, não só tiveram a seu cargo as tarefas reprodutivas como também participaram activamente na produção de bens que ou eram consumidos pela família, ou vendidos em feiras e mercados.
Para além dos filhos, por norma numerosos - e sabemos como as crianças exigem atenção e cuidados, as mulheres, sobretudo no mundo rural, mas não só, tratavam das aves de criação, cozinhavam o pão e as refeições, faziam manteiga, compotas, ajudavam na horta e nos trabalhos agrícolas, e ainda fiavam lã e costuravam os vestuários de que a família necessitava. Mas, mesmo quando o único dinheiro vivo que havia em casa era obtido com a venda dos produtos que a mulher fabricava, esse dinheiro ficava naturalmente com o marido e nada havia nem nas leis nem nos costumes que o obrigasse a fazer qualquer repartição. Daí que se pode dizer com inteira propriedade que a relação da mulher com a produção era, e ainda é em muitas circunstâncias e em muitos lugares, uma relação de servidão: trabalhava e trabalha sem horário, sem pagamento, sem possibilidade de reivindicação. Também se pode dizer, com igual propriedade, que a tão badalada exploração capitalista do trabalhador esteve sempre acompanhada da exploração patriarcal das mulheres e que a família não surge só como um locus de afectos, mas também de opressão.
Há quem pretenda continuar com a mistificação dizendo que os bens produzidos no lar pelas mulheres têm valor de uso, servem para satisfazer as necessidades da família, mas não têm valor de troca e por isso é que não se lhes pode atribuir um preço. Mas isto é falacioso, porque esses bens, se não fossem produzidos pelas mulheres no lar, teriam de ser adquiridos e então teriam valor de troca e aqueles produtos que ela produz e que são vendidos em feiras e mercados até têm directamente valor de troca. Logo esta distinção é espúria e o seu objectivo é procurar derivar o estatuto de inferioridade das mulheres da sua pretensa participação secundária no processo de produção. No entanto qualquer pessoa de boa fé sabe que a situação é a inversa, isto é, essa participação só é (considerada) secundária porque é atribuído à mulher um estatuto de inferioridade do qual deriva que tudo o que ela faz seja (considerado) secundário. O capitalista, pela mesma ordem de ideias, estaria autorizado a considerar que o trabalho dos operários é secundário e que o que é fundamental é o dinheiro, a gestão, a capacidade administrativa, etc. etc., justificando assim o estatuto de inferioridade dos trabalhadores.
Todo este processo conduziu à opressão e exploração económica das mulheres, que a análise marxista de classe deixou na sombra; o que foi particularmente grave, porque, enquanto os trabalhadores, trabalhando em conjunto, puderam trocar as suas experiências, tornar objectiva a sua situação de explorados, criar consciência de classe e dirigir o seu ódio para um patrão ao qual atribuíam a opressão, as mulheres, vivendo isoladas umas das outras, sem oportunidades para trocarem experiências - sempre houve o cuidado de resguardar a intimidade do lar, e sem poderem objectivar a situação em que se encontravam, vivendo uma relação ambivalente com o opressor ao qual também as ligam laços de afecto, integradas em diferentes classes sociais, não encontraram condições para criar a consciência de classe indispensável para um empreendimento emancipador.
Nesta situação de servidão e de exploração que a instituição do casamento e a família patriarcal ofereceu às mulheres, a única saída que as mais espertas, ou as mais dotadas - quem pode saber - encontraram foi a de procurarem maridos bem instalados para assim melhorarem a sua condição de servidão, uma gaiola na mesma, mas ao menos, uma gaiola dourada. Quem se atreve a condená-las!?
E depois vem a sociobiologia dizer-nos, muito cinicamente, que as mulheres procuram naturalmente parceiros mais velhos e bem instalados na vida, enquanto os homens procuram mulheres jovens e bonitas. Naturalmente, uma ova!
E ainda não estamos a fazer as contas ao trabalho desenvolvido pelas mulheres para colocarem crianças no mundo, quando começarmos com essa contabilidade é que vamos ter oportunidade para dar um chega a essas subtilezas de distinção entre valor de uso e valor de troca tão gratas aos economistas.
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