De acordo com a ideologia patriarcal só há dois tipos de mulheres, as boas raparigas e as más raparigas, que, numa linguagem menos moderada, serão respectivamente anjos e putas; umas e outras correspondem a projecções dos anseios masculinos: por um lado, o desejo de encontrar uma esposa modesta, recatada e submissa, pronta a sacrificar-se pelo marido e filhos, que garanta a legitimidade da prole; por outro, a necessidade mais lúbrica de encontrar parceiras sexuais facilmente descartáveis, mas atraentes e interessadas, já que, em muitos casos, até é suposto que a esposa legítima não seja fã incondicional do sexo.
Esta dualidade de identidades que a sociedade patriarcal atribuiu às mulheres apresentou duas enormes vantagens: assegurou a possibilidade prática do duplo padrão de conduta que perdoa no homem exactamente aquilo que penaliza na mulher - a promiscuidade sexual; garantiu ainda ao homem o controlo da sexualidade da sua legítima esposa, enquanto gozava com o maior à vontade os deleites do sexo mais variado e multiforme. De facto, o casamento monogâmico foi durante séculos uma invenção masculina que só funcionou para as mulheres. Sem estrutura económica que lhes permitisse reclamar, pois as ocupações fora do lar, muito convenientemente, não eram consideradas apropriadas para senhoras decentes, as boas raparigas limitavam-se a fazer vista grossa.
A boa rapariga foi sempre colocada num pedestal pela ordem estabelecida. Mas, hoje, as raparigas começam a perceber que os pedestais têm um interesse muito relativo. Em primeiro lugar são instáveis e sujeitos a lançar no chão as suas santas à força, que a partir daí serão severamente punidas, às vezes pagando «erros, amor ardente e má fortuna» com a própria vida, castigo exemplar sancionado pela cumplicidade da sociedade e pelos costumes vigentes. Por outro lado, os pedestais reduzem extraordinariamente o espaço de manobra das suas locatárias, condenadas a desempenhar os limitados papéis que a ordem patriarcal lhes prescreve.
Por tudo isto começa-se a perceber que se calhar não é assim tão mau ser a má rapariga da história porque, conforme o título do livro de Ute Ehrhardt, as boas raparigas vão para o céu, (mas) as más vão para todo o lado.
[1] Título do livro de Ute Ehrhardt, publicado pela Editorial Presença.
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