domingo, 6 de setembro de 2009

Pedagogia dos contos de fadas

Há quem ironize sobre a tentativa de desconstrução das histórias para crianças e procure ridicularizar as pessoas que o tentam fazer, mas, de facto, não é preciso grande esforço para revelar os preconceitos sexistas que informam essas histórias e com alguma imaginação pode entender-se o efeito perverso que elas tiveram no processo de socialização das jovens e dos jovens. É que os inocentes contos de fada da nossa infância são tudo menos inocentes.
O texto de Lois Tyson que a seguir traduzo desvela com alguma minúcia a estrutura e a «agenda» escondida dos três contos mais populares da nossa cultura: Branca de Neve, Bela Adormecida e Cinderela:
“ O papel de Cinderela que o sistema patriarcal impõe à imaginação das jovens é um papel destrutivo porque equipara a feminilidade à submissão, encorajando as mulheres a tolerarem o abuso familiar, a esperarem pacientemente ser salvas por um homem, e a perceberem o casamento como a única recompensa desejável para aquela que age correctamente. Paralelamente, o papel do príncipe encantado – que requer que os homens sejam protectores prósperos, responsáveis por fazerem as suas mulheres felizes para sempre – é um papel destrutivo porque promove a crença de que os homens têm de ser super-provedores infatigáveis, independentemente das suas necessidades emocionais. (…)
De facto, a leitura feminista dos contos de fadas fornece um instrumento poderoso para ilustrar os meios através dos quais a ideologia patriarcal informa aquelas que parecem ser as mais inocentes das nossas actividades. Consideremos, por exemplo, as sempre populares, «Branca de Neve e os Setes Anões», «Bela Adormecida», e, claro, a «Cinderela». Em todos estes três contos, uma jovem meiga e bela (porque as mulheres têm de ser belas, meigas e jovens para serem objecto de admiração romântica) é salva (porque ela é incapaz de se salvar a si mesma) de uma situação terrível por um jovem corajoso que a arrebata para casarem e viverem felizes para sempre. A intriga implica pois que o casamento com o homem certo é uma garantia de felicidade e a adequada recompensa para uma jovem sensata.
Em todos os três contos, os principais caracteres femininos estão estereotipados, sejam os das «boas meninas» (gentis, submissas, virginais, angélicas), sejam os das «más» (violentas, agressivas, mundanas, monstruosas). Esta caracterização implica que, se uma mulher não aceita o papel de género que o sistema lhe apresenta, então o único que lhe resta é o de um ser monstruoso.
Em todos os três contos, as personagens más, a rainha malvada da Branca de Neve, a fada má da Bela Adormecida, a madrasta e as meias irmãs velhacas da Cinderela, são também vaidosas, mesquinhas e ciumentas, furiosas por não serem tão belas como a personagem principal ou, no caso da fada má, por não ter sido convidada para uma celebração real. Tais motivações implicam que, mesmo quando as mulheres são más, as suas preocupações são fúteis. Em duas das histórias, a jovem casadoira é acordada de um sono de morte pelo beijo poderoso (ao fim ao cabo ele trá-la para a vida) do futuro amante. Este final implica que a jovem, se adequadamente integrada no sistema patriarcal, está sexualmente adormecida até que é acordada pelo homem que a reclama como sua.” (1)

(1) Lois Tyson: Critical Theory Today: A User-Friendly Guide

2 comentários:

  1. Outro dia me acusaram de ser amarga pq desistificar esse e outros contos cor de rosa... mas depois, felizmente a discussão continuou e as meninas admitiram q é dificil p elas deixarem de acreditar nessas mentiras, pq é muito tentador ser salva por alguém q resolve tudo com um beijo... kkkkkkkkkkkkk... a verdade, eis a questão... deusa Maat... verdade e justiça...

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  2. A base de tudo isso é o fato das mulheres não serem educadas para se verem como seres humanos e a falta de seriedade do feminismo.Muitas vezes vi feministas se expressarem de forma jocosa,misturando misticismos de quinta,como se a luta não fosse séria(ou seja,se expressavam que nem crianças bobas).Desta forma,estaremos fadadas á papéis secundários sempre.

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