A ideologia romântica atribui à mulher, à «verdadeira mulher», qualidades que considera femininas como a pureza, a modéstia e o espírito de sacrifício e coloca-a num pedestal. Claro que se a mulher interiorizar e aceitar este estatuto será adorada e enaltecida, caso contrário, o opróbrio recairá sobre ela: santa ou puta, cabe-lhe optar.
A ideologia romântica leva as mulheres a trocarem autonomia por aprovação e protecção masculinas, já que as dimensões que as enaltecem aos olhos da sociedade, se forem vividas genuinamente, implicam que elas assumam um estatuto em que se encontram desprovidas de poder real e de capacidade de intervenção na sua própria vida e na vida pública: implicam que se consagrem à família, que se dediquem a cuidar dos outros, que sacrifiquem ambições pessoais, numa palavra que vivam por interpostas pessoas.
Esta ideologia interfere muito precocemente no processo de socialização das meninas, através dos contos infantis que ouvem ao adormecer, dos romances que lêem, dos vídeos recreativos, dos jogos, filmes e programas televisivos a que assistem: a cultura da cinderela é a dieta que lhes é fornecida até à saciedade, revestida de formas diversas, é certo, para a tornar menos enjoativa. Desde cedo, interiorizam que o seu valor reside nos atractivos que o outro sexo nelas reconheça, valem pelos outros, não valem por si mesmas: serem belas, recatadas e afáveis serão qualidades apreciadas no mercado marital e é esse que lhes é proposto quase que em exclusividade. O seu comportamento e as suas expectativas são moldadas por estes mecanismos culturais de socialização a que estão constantemente expostas.
Assim se consegue a acomodação feminina, na infância e na adolescência, e se criam as bases indispensáveis para que o domínio masculino não venha a ser realmente ameaçado na idade adulta.
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