segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A «Inveja do pénis» - uma mistificação da cultura falocêntrica

Freud, criador da psicanálise, escrevendo nos finais do século XIX e princípios do século XX, em plena era Vitoriana, defendeu que a inveja do pénis por parte das meninas e o receio de castração dos rapazinhos eram elementos que haveriam de entrar na constituição respectivamente da sexualidade feminina e da sexualidade masculina.

Sempre tive muita dificuldade em aceitar ou sequer compreender esta tese que, a ser verdadeira, deveria corresponder a algo experimentado por todas as mulheres, coisa que de facto comigo nunca aconteceu e penso que com outras mulheres também não. Pareceu-me que Freud estaria a confundir especulação metafísica com realidade. Por isso, foi uma surpresa muito positiva ler o texto de Lois Tyson - que a seguir traduzo, o qual explica de forma soberba e sem deixar lugar a dúvidas o que é isso de inveja do pénis e de receio de castração:

«Muitas mulheres, feministas ou não, têm dificuldade em acreditar que as meninas, depois de descobrirem que os rapazes têm pénis, sofrem de «inveja do pénis», ou do desejo de ter um pénis, ou que os rapazes, depois de descobrirem que as meninas não têm pénis, sofrem de ansiedade de castração, ou do medo de perder o seu pénis. Contudo, a explicação destes dois fenómenos é clara, quando nos apercebemos do contexto cultural em que Freud os observou: a rígida definição de papéis da sociedade Vitoriana, que era usada para oprimir as mulheres de todas as idades e para elevar os homens a posições de dominância em todas as esferas da actividade humana.
Será de estranhar que uma menina queira (pelo menos a nível inconsciente) ser um rapazinho, quando percebe que os rapazinhos têm direitos e privilégios a que se supõe que ela nem sequer deve aspirar? Por outras palavras, quando você vê «inveja do pénis» leia «inveja do poder». É o poder e tudo o que parece acompanhá-lo – auto-estima, divertimento, liberdade, segurança em relação à violação física pelo sexo oposto – que as rapariguinhas invejam.
E o que o rapazinho sente - depois de perceber a sua superioridade social e o poder que esta comporta em relação às meninas – não será ansiedade pela possibilidade de o perder? A frase “É uma menina ou um mariquinhas”, tem o condão de ferir os rapazinhos (e também os rapazes grandes) porque os ameaça com essa perda de poder. A ansiedade da castração é assim melhor compreendida como o receio de ser removido para a posição de ausência de poder ocupada pelas mulheres.» (1)

(1) Lois Tyson: Critical Theory Today

2 comentários:

  1. Mas é exatamente isso que Freud quis dizer com a sua teoria! O 'falo' é simbólico e representa o poder.

    "Sempre tive muita dificuldade em aceitar ou sequer compreender esta tese que, a ser verdadeira, deveria corresponder a algo experimentado por todas as mulheres, coisa que de facto comigo nunca aconteceu e penso que com outras mulheres também não."

    O fato de você não se lembrar não significa que não aconteceu porque Freud explica que depois que saímos da fase fálica e entramos na fase de latência o Superego emerge e ele é responsável por recalcar todas as nossas fantasias dessa época, ou seja, ninguém lembra que viveu o Complexo de Édipo, Angústia da Castração ou Inveja do Falo.

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