sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A origem da sociedade patriarcal

Recuar no tempo e imaginar as circunstâncias que podem ter estado na origem da ordem patriarcal é um exercício especulativo que, como todos os desta natureza, supõe diferentes interpretações. Especular implica ir além da evidência empírica para construir uma explicação que, por esse motivo, não é suficientemente suportada pelos factos; ocorre ainda que a especulação tende a incorporar muitos elementos de «wishful thinking» pelo que devemos ser sempre cautelosos para não tomarmos por verdadeiros os nossos desejos. Aqui, mais do que em qualquer outro campo, a correspondência entre pensamento e realidade é problemática. Feitas estas ressalvas em relação ao pensamento especulativo, vamos agora referir duas interpretações de sentido diferente quanto às origens do sistema patriarcal.

Segundo uma dessas interpretações, a da psicologia evolucionista, foi a selecção sexual a responsável pelo facto de a dominância ser uma característica masculina e a submissão uma característica feminina: estratégias sexuais diferentes em cada um dos sexos teriam levado homens e mulheres a desenvolverem essas características. Mas esta interpretação aparece mais como uma justificação do sistema do que como uma explicação na medida em que acaba por «naturalizar» uma forma de organização social que tem sido extremamente favorável à metade masculina da espécie humana. Curiosamente, mais uma vez, esta teoria atribui à mulher, à vítima, o facto de o macho humano tender a manifestar comportamento de domínio, na medida em que ela, para garantir protecção das arremetidas de outros machos, teria escolhido acasalar com machos dominantes capazes de a protegerem, favorecendo desse modo o estabelecimento desse tipo de comportamento. Assim por ironia do destino, a mulher teria acabado por desempenhar um papel determinante nas próprias origens do sistema patriarcal que, vejam bem, teria vingado porque até lhe era favorável …. Todavia, se aceitarmos esta interpretação, teremos de aceitar o masoquismo como uma característica inerentemente feminina, coisa que o povo até compreendeu muito bem mesmo sem o auxílio da psicologia evolucionista quando diz que «as mulheres gostam de apanhar» ou quando aconselha: «bate na tua mulher, tu podes não saber o motivo, mas ela com certeza sabe»!!

Uma outra teoria, a teoria bio-social, assume que a vantagem da evolução humana em relação a outras espécies reside na sociabilidade e na flexibilidade e, assim, propõe um tipo de explicação que integra os dados da evolução com os condicionamentos sociais e culturais. Reconhece diferenças a nível físico entre os dois sexos, em termos de altura, força física e papéis reprodutivos, mas também reconhece similaridades psicológicas e entende que a dominância não é uma característica inata masculina, mas que foi adquirida na vida em grupo, fruto de dinâmicas específicas da vida social. Neste caso, as diferenças físicas entre os sexos, sobretudo em termos de força física, conjugadas com as diferenças reprodutivas e com arranjos sociais e culturais explicariam a emergência da forma patriarcal de organização da sociedade e esta não teria sido a primeira forma de organização social.

Nas sociedades paleolíticas em que a economia com base na caça e na recolha de frutos era uma economia de subsistência, em que não havia excedentes, dado que os produtos eram perecíveis, partilhar em vez de açambarcar deve ter sido a norma. Por outro lado, a participação das mulheres na economia - na tarefa de recolha de frutos, era compatível com os cuidados com recém - nascidos e demais crianças, e conferia-lhes importância e controlo; neste específico contexto social, diferenças na força física e nos papéis reprodutivos não favoreceram nem tornavam necessário o comportamento de domínio sobre as mulheres ou de competição com os outros homens.
Terá sido com a descoberta e desenvolvimento da agricultura que o quadro social terá mudado. A partir de então verifica-se uma importante divisão do trabalho que implicou o confinamento das mulheres à esfera doméstica com a respectiva perda de independência e de controlo directo sobre os recursos. Neste novo contexto, em que vai surgir riqueza, também vai surgir o desejo de a monopolizar, aumentar e transmitir à descendência legítima e aqui o controlo das mulheres e da sua capacidade reprodutiva vai de facto favorecer a atitude de domínio de uns e de submissão de outras. Não será preciso ir mais longe para encontrar as origens do sistema patriarcal e dos infindáveis e violentos conflitos inter-grupais que a partir daí pontuaram a história da humanidade. Mesmo assim, o domínio de uns e a submissão de outras deveriam ser tão pouco naturais que foi preciso montar uma série variada e complexa de mecanismos ideológicos para garantir a conservação e persistência da ordem patriarcal, mecanismos que ainda hoje se encontram actuantes, embora por vezes precisem de se camuflar para continuarem eficazes.

1 comentário:

  1. há o fator da "propriedade", que ajudou e serviu (e serve!) como sustentáculo para a dominação do patriarcado.

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