segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Eu não sou feminista, mas…

Este texto é dirigido a todas as mulheres, e são muitas - provavelmente a maioria, que relutam em se reconhecerem como feministas, embora muitas vezes defendam a igualdade de direitos entre mulheres e homens e combatam injustiças flagrantes nas relações entre os sexos. Nele vou procurar entender e explicar a razão de ser desta situação algo paradoxal: mulheres que não querem ser reconhecidas como feministas, mulheres que dizem: eu não sou feminista, mas ….

A hipótese mais plausível é a de que o termo feminista assumiu uma conotação pejorativa e muitas mulheres têm uma percepção negativa do que seja ser feminista. Vejamos como se terá chegado a esta situação.

As feministas e o feminismo começaram a impor-se com alguma relevância a partir de meados do século XIX; o movimento conheceu altos e baixos no decurso do século XX e foi sempre acompanhado de uma série de mal-entendidos, devidamente alimentados e estimulados por quem tem tudo a ganhar e nada a perder com confusões deste tipo e não quer de modo nenhum que as reivindicações das mulheres sejam atendidas. Esses mal-entendidos visavam (e visam) apresentar o feminismo e as feministas a uma luz desfavorável e os seus processos são intencionais, com recurso a raciocínios falaciosos, exploração de ambiguidades e exposição ao ridículo ou mesmo ao insulto.

Quem pretende desacreditar o feminismo sempre faz passar a ideia de que as feministas são mulheres que, não conseguindo realizar-se sexual e afectivamente, dirigem as suas frustrações contra os homens, culpando-os dos seus fracassos. Transmitir esta imagem é muito conveniente pois a partir dela facilmente se desvalorizam as críticas que as feministas possam fazer à sociedade e às suas estruturas opressivas, a partir daí não são as estruturas que são opressivas, são mulheres mal amadas que vêem preconceito, opressão e discriminação onde nada disso existe. Esta argumentação é falaciosa, mas resulta sempre muito bem; ironicamente é conhecida pela designação de falácia ad hominem e consiste em rejeitar o argumento adversário, não com base na análise das suas eventuais inconsistência, mas apelando para algo extrínseco ao próprio argumento, nesta caso a pretensa falta de credibilidade das mulheres que o invocam.

Há também quem alimente o equívoco de que o feminismo é como o machismo, só que de sentido contrário; esta confusão está muito disseminada, mesmo entre as próprias mulheres, mas desvirtua completamente a questão, pois enquanto o machismo assenta na inferiorização do sexo feminino, o feminismo apenas pretende garantir igualdade de estatuto e de direitos entre homens e mulheres; o feminismo luta pela libertação das mulheres, mas obviamente não pressupõe a subordinação ou submissão dos homens, enquanto o machismo pretende e defende a continuação do estatuto de subordinação e de submissão das mulheres aos homens. Quem alimenta este equívoco fá-lo com base no paralelismo que existe entre os dois termos: machismo vem de macho e feminismo de fêmea e a partir daqui torna-se fácil estabelecer a confusão que aproveita a quem se quer opor ao feminismo e dar-lhe má fama.

Como quer que seja, de um modo ou de outro, com estas ambiguidades o objectivo é sempre o de tornar as feministas e o feminismo pouco atraentes, de modo a que não ocorram fenómenos de identificação; e deve reconhecer-se que a manobra tem resultado, pois é frequente encontrar mulheres que, embora aceitem a necessidade de reivindicar a igualdade de direitos, mesmo assim recusam o rótulo de feministas.

Nos media, desde há muito, o feminismo e as feministas são ridicularizadas e as suas posições desvirtuadas e por isso não surpreende que seja preciso coragem para uma mulher se apresentar como feminista e que sejam relativamente poucas aquelas que se atrevem a engrossar as fileiras do movimento, até porque a isto acresce que, como vivem em intimidade com elementos masculinos - pais, filhos, maridos ou irmãos, temem que eles se sintam atingidos pelas suas críticas à sociedade machista e sentem-se restringidas na sua liberdade de pensar e de agir, fazendo concessões para conseguirem alguma paz.

Esta situação favorece quem quer manter o status quo: importa que o movimento feminista seja pouco expressivo, o ideal seria mesmo que não existisse, pois quanto maior for o número de feministas, mais significativo será o seu empenhamento em denunciar situações de opressão, em reflectir sobre as suas causas e imaginar estratégias para as enfraquecer. Ora, a partir do momento em que as mulheres começarem a perceber os mecanismos que têm sido usados para as manter no seu «devido lugar», nada mais será como dantes. Precisamente o trabalho de muitas autoras feminista, ao desbravarem terreno nas mais diversas áreas, revela aquilo que tem estado sempre escondido: os mecanismos e as estratégias mais ou menos subtis que tem estado ao serviço da sociedade de supremacia masculina.

Por tudo isto, de uma vez por todas, importa salientar que as feministas querem acima de tudo ser reconhecidas como pessoas e é isso que a sociedade de supremacia masculina não lhes perdoa, pois pretende que elas continuem a ser simplesmente mulheres, com toda a carga depreciativa camuflada que o termo comporta.

5 comentários:

  1. essa foi bem no alvo. eu tenho pena dos homens que não lerão nem entenderão tal pensamento.

    ResponderEliminar
  2. Beto
    Que bom você ter decidido divulgar o texto no seu blog. Infelizmente, como diz, estas coisas passam ao largo da maioria das pessoas e por isso é que os progressos são tão lentos e sujeitos a retrocessos, mas paciência temos de fazer a nossa parte, temos de fazer o que em consciencia achamos que deve ser feito.

    ResponderEliminar
  3. Olá Adília. Posso citar um excerto do seu texto, com o devido encaminhamento para a totalidade?
    Refiro-me ao excerto em que destrinça feminismo e machismo.
    Aguardarei a sua autorização. Obrigada.

    ResponderEliminar
  4. Olá Woman Once a Bird
    Só hoje reparei no seu comentário pelo que peço me desculpe não ter respondido antes. Esteja completamente à vontade, penso que a melhor coisa que podemos fazer é divulgar informação que sirva a causa das mulheres.
    abraço adília

    ResponderEliminar
  5. Certo...mas uma coisa que tenho notado é que o feminismo nesta de "entender os homens" não tem conseguido combater a violência sexual,a pedofili,a pornografia e prostituição.Se o homeme não é "atacado" e responsabilizado por fazer crueldades contra nós,como vamos querer que algo mude? As estatística estão todas aí pra provar que a coisa piorou nos últimos anos,e ter postura de compreensiav,de nunca estar contra eles só tem agravado nossa situação.

    ResponderEliminar