quinta-feira, 30 de julho de 2009

A relação domínio/submissão, inata ?? – Mais um episódio da Sociobiologia

Como vimos, a Sociobiologia não reconhece uma natureza humana comum a homens e a mulheres que, segundo defende, diferem em aspectos essenciais e estes remetem para traços inatos, determinados geneticamente.

Os homens são agressivos e dominadores, as mulheres dóceis e submissas; isto é, a agressividade é um atributo masculino e a docilidade um atributo feminino; ser homem é ser agressivo; ser mulher é ser dócil. Mas estas afirmações são isso, afirmações, e estão longe de ser consensuais .
Considerando, por exemplo, a agressividade, podemos dizer que esta, ao invés de ser um atributo masculino é um atributo da espécie humana, imprescindível, até um certo grau, para a sua subsistência, que tanto se encontra em homens como em mulheres. A agressividade pode exprimir-se sob diversas formas que vão desde a violência física até à violência simbólica; as mulheres, menos fortes fisicamente, não serão tão propensas a manifestar agressividade através da violência física, mas recorrerão a outras estratégias; poderão até adoptar a estratégia da submissão perante o mais forte, se tal for necessário em termos de sobrevivência, mas dizer que são passivas e não são agressivas é um flagrante mal entendido ou prova de má fé.

Por outro lado, a dominância masculina e a submissão feminina, que a teoria também explica por determinismo genético, podem perfeitamente ser explicadas pela superioridade física do macho e por falta de outra opção por parte da fêmea, tudo isto reforçado por um poderoso processo de aculturação e por mecanismos adequados que tem funcionado ao longo dos séculos. Esta explicação, parece mesmo bastante mais lógica, pois não se encontra nenhum animal que goste de ser submisso ou mostre propensão para a submissão, o que acontece é que às vezes não resta alternativa e então... faz-se da necessidade virtude!

A conclusão que podemos tirar é que tanto para a «dominância» masculina quanto para a «submissão» feminina existe explicação alternativa e não é de modo nenhum imperativo supor que se trata de atributos inatos e excludentes. Uma certa dose de agressividade existe em todos os seres humanos; vontade de domínio é provavelmente também uma característica do mundo humano e até também do mundo animal; necessidade de se submeter ao mais forte é algo perfeitamente contingente, não há aí nada de inato, de universal ou de necessário. Mas pretender que os homens são geneticamente dominadores e que as mulheres são naturalmente submissas pode vir muito a jeito quando se pretende perpetuar a supremacia masculina.

terça-feira, 28 de julho de 2009

A sociobiologia faz o sexismo parecer inevitável

Depois do 1º episódio, apresentado a 26 do corrente, em que se introduzia o tema da sociobiologia e sua utilidade para os nossos dias, aqui vai o guião do 2º episódio: como tudo começou e por que razão é o sexismo inevitável; nem sei porque é que continuamos a teimar numa luta sem sentido ...

A sociobiologia humana, também conhecida por psicologia evolucionista, (1) parte do pressuposto de que a evolução reteve, e constituiu em padrões, os comportamentos cujos resultados melhor respondiam ao objectivo de cada um dos sexos, sendo esse objectivo o sucesso reprodutivo.

(2) Constata que o modo como a reprodução se processa em cada um dos sexos é muito diferente: os homens não precisam de investir muito no processo reprodutivo; diferentemente, as mulheres precisam dedicar-lhe enorme quantidade de tempo e de energia: nove meses de gestação e alguns anos de amamentação.

(3) Destes dados, conclui que as estratégias para garantir o sucesso reprodutivo terão de ser diferentes: um homem procurará sexualmente o maior número de mulheres disponíveis e assim estará como que geneticamente programado para a promiscuidade sexual; como parte do seu impulso para procriar, não hesitará perante a violação, pois é um predador sexual nato. A mulher, dependente do macho para ajudar na protecção das crias, estará programada geneticamente para a monogamia e assumirá o estatuto de presa de um só predador.

(4) Destes papéis irão derivar características psicológicas e comportamentais de um e de outro sexo, os homens tenderão a ser agressivos e dominantes, as mulheres, dóceis e submissas. Homens e mulheres são radical e essencialmente diferentes; (5) essas diferenças, geneticamente determinadas pelas histórias - diferentes, da evolução de cada um dos sexos, não permitem aceitar a ideia de uma natureza humana que homens e mulheres partilhem.

Deste modo, a hierarquia de género está inscrita no código genético e o sexismo parece ser inevitável.

Os pontos 1 e 2 acima assinalados não irão merecer reparo, já os pontos 3 , 4 e 5 serão objecto de escrutínio, mas isso fica para o próximo episódio.
  • Por hoje, convém reter:
    A hierarquia de género está inscrita no código genético - determinismo.
    A agressividade é uma característica masculina inata; a submissão é uma característica feminina igualmente inata.
    Não há uma natureza humana comum a homens e a mulheres - são radical e essencialmente diferentes.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Violência doméstica - problema de homens

Seleccionei hoje um excerto de um artigo de José Saramago que, com palavras fortes e expressivas, mostra como a violência doméstica é um problema de homens:

«De Sevilha e da Estremadura espanhola chegaram-nos, há tempos, notícias de um bom exemplo: manifestações de homens contra a violência. Até agora eram somente as mulheres quem saía à praça pública a protestar contra os contínuos maus tratos sofridos às mãos dos maridos e companheiros (companheiros, triste ironia esta), e que, a par de em muitíssimos casos tomarem aspectos de fria e deliberada tortura, não recuam perante o assassínio, o estrangulamento, a punhalada, a degolação, o ácido, o fogo. A violência desde sempre exercida sobre a mulher encontrou no cárcere em que se transformou o lugar de coabitação (neguemo-nos a chamar-lhe lar) o espaço por excelência para a humilhação diária, para o espancamento habitual, para a crueldade psicológica como instrumento de domínio. É o problema das mulheres, diz-se, e isso não é verdade. O problema é dos homens, do egoísmo dos homens, do doentio sentimento possessivo dos homens, da poltronaria dos homens, essa miserável cobardia que os autoriza a usar a força contra um ser fisicamente mais débil e a quem foi reduzida sistematicamente a capacidade de resistência psíquica. »

Mas a violência doméstica é também uma doença da sociedade que só será curada quando se anular o poder absurdo que os homens têm sobre as mulheres, poder esse que, além do mais, se exerce «longe de olhares estranhos».
Sobre o tema da violência doméstica leia também: «Quem bate na mulher... machuca a família inteira »

domingo, 26 de julho de 2009

Ciúmes, adultério, violência, violações ... Tudo por uma boa causa!

Meninas, parem de reclamar! Está tudo geneticamente determinado e é tudo por uma boa causa, como a Sociobiologia[1] o comprova.

O seu namorado faz-lhe terríveis cenas de ciúmes, mesmo sem qualquer motivo, completamente a despropósito? Pois! O pobre rapaz teme que você procure outro geneticamente mais forte e adopta a estratégia do mais vale prevenir do que remediar.

O seu marido não para de a enganar? Bem, releve, é que ele está geneticamente programado para ser promíscuo, é a melhor estratégia para propagar os seus (dele) genes.

É vítima de violência doméstica? Mas trata-se apenas e tão-somente de mais uma estratégia ao serviço da expansão do património genético do macho.

Foi violada por um sujeito horrível, nojento e mal cheiroso? Mas qual a admiração? Como é que machos desprovidos de atractivos físicos poderiam de outro modo reproduzir os seus genes? Sabe, a evolução não brinca em serviço, tem de tomar conta de tudo e fornecer os recursos suplementares, quando os normais não se encontram à disposição.

E olhe lá, você aí, pare de enaltecer a fidelidade do seu companheiro. O que acontece é que ele é desprovido de recursos económicos e de poder e por isso tem de se contentar com o lote que lhe coube em sorte - você, no caso em apreço.

PS. Se quiser saber mais não perca o próximo episódio.

[1] Esta breve apresentação da Sociobiologia Humana, também conhecida por Psicologia Evolucionista, é caricatural, mas não menos verdadeira.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Longe do olhar de estranhos …

Que os homens sempre tiveram e continuam a ter em muitos lugares e em diferentes circunstâncias poder sobre as mulheres, enquanto mulheres, é demasiado óbvio para ser negado. Que hoje esse poder começa a ser questionado em nome de um estatuto mais igualitário, é igualmente uma asserção factual. Que importa conhecer as raízes, a natureza e as razões da persistência desse poder é algo que será igualmente aceite, desde que se dediquem a este problema alguns momentos de reflexão.

John Stuart Mill em The Subjection of Women (1869) fez uma descrição muito lúcida e esclarecedora do modo como é exercido o poder dos homens sobre as mulheres e destacou algumas características que permitem compreender melhor as razões da persistência deste poder, através dos tempos, e da dificuldade em o erradicar.

Em primeiro lugar, o poder dos homens sobre as mulheres perpassa todas as classes sociais e é por todas ciosamente guardado. Do palácio à choupana, o marido, pai e chefe da família, exige e espera obediência e submissão da mulher. Há apenas ligeiras diferenças, enquanto nas classes possidentes, as esposas são encaradas como objectos de adorno que reconfirmam a posição social dos maridos, nas classes destituídas de propriedade, as mulheres têm uma utilidade imediatamente prática, servindo directamente os homens; mas, do ponto de vista psicológico e emocional, os machos das classes trabalhadoras continuam a ver a mulher como propriedade, e, não podendo aspirar a uma posição de estatus social, tendem a impor-se e a brutalizar as mulheres ainda mais do que os ricos.

Por outro lado, este poder exerce-se normalmente na intimidade do lar, longe do olhar de estranhos que não podem presenciar eventuais excessos ou abusos e, sobretudo, onde as mulheres, vivendo isoladas das outras mulheres e estando afectivamente ligadas ao opressor, não são capazes de articular e de objectivar as experiências comuns da sua submissão e de assim tomarem consciência real da situação em que se encontram; esta característica é garantia certa da persistência deste poder que, não sendo objectivado através das palavras e da comunicação discursiva, é encarado como normal e aceite passivamente. O modo como este poder é exercido é muito diferente do poder do senhor sobre os escravos, porque estes podem objectivar e tomar consciência da opressão a que são sujeitos e aproveitar o ódio que alimentam como combustível para se revoltarem quando a oportunidade se oferecer.

É ainda um poder que resulta de uma relação de desigualdade entre homens e mulheres que é apresentada como natural. Sempre que existe uma relação de domínio, este aparece como algo que para o dominador é natural e que o dominado, até certo ponto aceita, só se queixando quando o exercício desse poder é excessivo e comporta abuso nítido. O dominador procura criar condições para que o dominado aceite a relação sem recalcitrar e, no caso das mulheres, os homens esmeraram-se porque, dada a situação de proximidade física e afectiva que mantém com as mulheres, como diz Stuart Mill, eles não querem apenas escravas, querem escravas voluntárias, dóceis e submissas; não querem apenas os corpos e os serviços das mulheres, querem também os seus sentimentos. Desse modo, foi muito importante «educar» as mulheres para que acreditassem que têm um carácter muito diferente do dos homens, que não têm vontade própria nem capacidade de domínio e auto-controlo, que são naturalmente frágeis e dependentes e anseiam ser governadas. Foi ainda necessário que interiorizassem uma imagem delas próprias enquanto seres vocacionados para viverem para os outros, abnegadas, dotadas de espírito de sacrifício; numa palavra, foram ensinadas a viver para os homens e pelos homens, desistindo de uma vida própria, desistindo da sua autonomia e identidade individual. Este condicionamento foi tão forte que ainda hoje estes são traços de carácter que muitas mulheres gostam de reconhecer como seus e que acabam por constituir um entrave à sua afirmação e realizações pessoais.

Assim, dadas as circunstâncias em que o poder dos homens se exerce, conseguiu-se que as mulheres, ou pelo menos muitas delas, aceitassem voluntariamente o estatuto de inferioridade que a sociedade lhes reservava, sem reconhecerem a existência de qualquer coerção, pois julgam estar a exercer a sua liberdade de escolha; mas isto não impede, como lucidamente Stuart Mill acentuou, que não exista coerção, ela existe e é mesmo pior do que aquela que subjaz à escravatura, pois resulta de uma relação de profunda desigualdade que foi mascarada para parecer consensual e que se torna muito difícil de erradicar porque não é reconhecida enquanto tal.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Direitos do indivíduo e feminismo

É ao pensamento liberal que devemos a noção de direitos do indivíduo. O liberalismo parte do princípio de que o indivíduo, enquanto indivíduo, e não enquanto homem ou mulher, rico ou pobre, ignorante ou instruído, membro desta ou daquela família, desta ou daquela religião, ou mesmo sem religião, tem valor intrínseco, enquanto ser dotado de razão e de autonomia, e é portador de direitos inalienáveis que o Estado deve garantir e proteger.
Considerando como as comunidades, e nestas as próprias famílias, funcionaram e funcionam enquanto mecanismos opressores e repressores dos elementos femininos, insistir nos direitos do indivíduo, defender que a identidade do indivíduo não é anulável pela sua pertença a uma comunidade, representa um valor inestimável, uma conquista da humanidade e para as mulheres algo de que não podem desistir sob pena de se regressar à idade das trevas. O conceito de direitos do indivíduo revelou-se assim um instrumento poderoso na luta das mulheres contra a opressão de que têm sido vítimas e permitiu-lhes reivindicar com sucesso o direito a tomarem decisões acerca da sua própria vida.
Por outro lado, a linguagem dos direitos é uma que todos compreendem, não requer explicações adicionais e permite que se percebam rapidamente as injustiças de que as mulheres têm sido o alvo preferencial, pois que se os seres racionais merecem respeito e reconhecimento dos seus direitos, então, se as mulheres são seres racionais, elas também merecem o mesmo respeito e reconhecimento dos mesmo direitos e, se tal não acontece, algo está errado e é moralmente repreensível. Como se pode ver, uma argumentação clara, consistente e … irrespondível.

Por último, mas não menos importante, o pensamento liberal repousa no conceito de indivíduo enquanto capaz não só de razão, mas também de reflexão e de auto-reflexão e não puramente determinado por forças biológicas e sociais que escapem completamente ao seu controlo. Este conceito é importante pois que, se aceitássemos, como pretende a sociobiologia, a noção de que o indivíduo é determinado, então poderíamos perguntar onde é que, nesse contexto, fica a ética, pois deixaríamos de poder julgar os comportamentos como certos ou errados, e nesse caso a opressão das mulheres surgiria como algo inevitável e não susceptível de apreciação moral.

Por todas estas razões, penso que o pensamento liberal continua a ser um aliado poderoso do feminismo.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Salvar a Religião sacrificando a Igreja??

No último post divulguei a notícia sobre Jimmy Carter e o seu abandono da Igreja Baptista de que foi membro durante mais de sessenta anos. Com este gesto, o ex-presidente parece querer salvar as religiões, sacrificando as Igrejas. Mas não sei se as coisas serão assim tão simples porque muitos dos textos (ditos) sagrados em que as religiões se fundam - e o cristianismo está longe de ser excepção, fornecem combustível mais do que suficiente para inflamar os ânimos de todos aqueles que tem propensões misóginas, e são muitos.

Carter cita, entre outros, o apóstolo Paulo; mas aqui temos de lembrar os inúmeros escritos nos quais este invectiva as mulheres e as culpa por todos os males de que a humanidade padece; também não podemos esquecer que ele foi o primeiro a enfatizar as implicações misóginas da história bíblica da criação. Pode ter sido mais complacente em um ou outro momento, mas com isso não apagou a intensa carga misógina que os textos que lhe são atribuídos contem. E o apóstolo Paulo é apenas um exemplo de muitos outros.

Por outro lado, apelar para que se fundem doutrinação e ensinamentos em textos religiosos mais clementes e consentâneos com a sensibilidade contemporânea, fazendo uma espécie de branqueamento de todos os outros que até à data tem sido os dominantes, parece ser uma estratégia bem intencionada, mas condenada ao fracasso, porque, impiedosos ou clementes, esses são textos escritos há milhares de anos por homens necessariamente pouco esclarecidos e de uma maneira geral propensos à credulidade e ao preconceito e por isso a dissonância cognitiva será insuperável: como se pode consultar a vontade de Deus dando crédito total e absoluto a tais documentos?

sábado, 18 de julho de 2009

Se as religiões vão continuar, as Igrejas têm de mudar

No passado domingo, 12 de Julho, Jimmy Carter, antigo Presidente dos Estados Unidos e Prémio Nobel da Paz, declarou publicamente que iria abandonar a Igreja Baptista, a que pertenceu durante mais de sessenta anos, por divergência relativamente ao modo como esta continua a justificar a subordinação das mulheres, através de uma interpretação distorcida da palavra de Deus.

Nessa declaração, Carter pediu «a todos os lideres que desafiem e mudem os ensinamentos e práticas, não importa quão entranhadas elas possam estar, que justificam a discriminação contra as mulheres.»

A declaração que aqui transcrevo do texto de Carter não deixa margem para qualquer ambiguidade de interpretação:

«At their most repugnant, the belief that women must be subjugated to the wishes of men excuses slavery, violence, forced prostitution, genital mutilation and national laws that omit rape as a crime. But it also costs many millions of girls and women control over their own bodies and lives, and continues to deny them fair access to education, health, employment and influence within their own communities...

The impact of these religious beliefs touches every aspect of our lives. They help explain why in many countries boys are educated before girls; why girls are told when and whom they must marry; and why many face enormous and unacceptable risks in pregnancy and childbirth because their basic health needs are not met....

The truth is that male religious leaders have had - and still have - an option to interpret holy teachings either to exalt or subjugate women. They have, for their own selfish ends, overwhelmingly chosen the latter. Their continuing choice provides the foundation or justification for much of the pervasive persecution and abuse of women throughout the world. This is in clear violation not just of the Universal Declaration of Human Rights but also the teachings of Jesus Christ, the Apostle Paul, Moses and the prophets, Muhammad, and founders of other great religions - all of whom have called for proper and equitable treatment of all the children of God. It is time we had the courage to challenge these views. »

Um acto corajoso que outros lideres políticos deviam tomar como modelo.

Uma estranha no mundo da cultura!!


As imagens (que se integram para formar um único quadro) recriam a ambiência de uma pintura do século XVIII: homens jovens e austeros, vestidos de couro, rodeados por objectos que celebram a ciência, a arte e a história ocidentais, tudo enquadrado por uma arquitectura opulenta, quase majestática. Neste cenário, choca, pelo contraste, a figura de uma mulher que timidamente procura esconder a sua nudez, transmitindo um sensação de fragilidade e vulnerabilidade e que é representada imóvel, como um objecto, decorativo e luxuoso, entre outros objectos.

Mensagem subliminar? A mulher está fora de contexto na história da cultura ocidental.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Má reputação

O inefável Rousseau, pseudo-feminista, sexista benevolente, e às vezes nem tanto, a quem Voltaire chamava, com propriedade, amigo ingrato, pai desnaturado e hipócrita, afirmava que a opinião pública era o túmulo da virtude do homem e o trono da virtude da mulher, querendo significar com esta bombástica frase, tão ao jeito da sua persuasiva retórica, que os homens podiam e deviam ignorá-la, mostrando assim a sua autonomia e assertividade, mas as mulheres tinham a estrita obrigação de se lhe submeterem sem darem azo a que a sua reputação fosse minimamente beliscada.

Rousseau limitava-se a dar voz a um preconceito antiquíssimo que muitas mulheres, a maioria, ainda não se atrevem a questionar. Nos nossos dias, é altamente improvável que qualquer mulher em situação de poder, independentemente do seu comportamento sexual, não tenha sido mimoseada com o adjectivo de «puta», pronunciado mais ou menos enfaticamente. Ainda hoje, «filho da puta» ou «bastardo» como eufemísticamente dizem os ingleses, continua a ser um grave insulto, mesmo que a «puta» em questão se tenha limitado a parir um filho fora de uma relação convencional. Isto para não falar das mulheres que decidem assumir a sua liberdade sexual; para estas, o duplo padrão de conduta, que permite aos homens o que proíbe às mulheres, continua a ser implacável como a imagem sarcasticamente sugere.

Resumindo, continua a presidir às nossas vidas uma moral sexual hipócrita para a qual as virtudes femininas são as de um comportamento sexual de acordo com os «bons costumes» que, além disso, não deve ameaçar a hegemonia masculina.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Compreendo, mas não gosto!

Que Michell Obama, na audiência concedida pelo papa ao casal presidencial, tenha decidido usar o véu, em sinal de respeito pelo lugar e pela situação, compreendo. Mas não gosto!

Estamos habituados a ligar o véu aos costumes religiosos islâmicos e esquecemos que ele também corresponde a uma tradição cristã e que nesta têm exactamente o mesmo significado. Essa tradição está hoje em desuso, mas tal não implica que o referido adereço tenha perdido a simbologia que esteve na sua origem. Nos textos bíblicos há várias referências ao dever da mulher cobrir a cabeça quando no templo, dever esse que não atinge o homem porque é à mulher que é exigido recato, modéstia e subserviência.

Voltando a Michelle. Usar um véu perante o papa, e não é por acaso que ele é um homem, significa assumir, perante ele (homem) e enquanto mulher uma atitude de subserviência e submissão, significa pactuar com os valores patriarcais.
Claro que se não o fizesse, Michelle seria massacrada pelos Media. Por isso, compreendo. Mas não gosto!

terça-feira, 14 de julho de 2009

Evitar o aborto ou controlar a sexualidade feminina!?

Gosto quando as pessoas têm a coragem de pôr o dedo na ferida e chamar os bois pelos nomes. Foi assim, hoje, com o congressista norte – americano Tim Ryan que abandonou a sua posição pelo «Democrats For Life of America».

Nos Estados Unidos, algumas organizações Pró-Vida, democratas e republicanas, não só se opõem à legalização do aborto, como também contestam o controlo de nascimentos pelo uso de contraceptivos, único meio seguro de evitar uma gravidez indesejada e de, desse modo, reduzir significativamente o número de abortos.
Ora, o congressista Tim Ryan chegou à conclusão óbvio: estas organizações não querem pôr termo ao aborto, querem controlar o corpo da mulher e a sexualidade feminina.

São os novos cruzados dos tempos modernos. Mais um quotidiano da misoginia!

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Família e pensamento político – parte II

Se nas suas origens, séculos XVII e XVIII, o liberalismo político pôde continuar a ignorar a questão das mulheres, mantendo a distinção entre esfera pública e esfera privada e defendendo que nesta existia a situação de contrato, pois as esposas como que transfeririam para os maridos direitos que estes passariam a representar, na sua evolução, o pensamento político liberal tinha de dar-se conta de que este estado de coisas não só era injusto como impeditivo do próprio progresso social.

Assim, ainda em pleno século XVIII, um filósofo liberal utilitarista, Jeremy Bentham e mais tarde, no século XIX, John Stuart Mill, deixaram de iludir a questão e denunciaram precisamente a injustiça em que as mulheres se encontravam bem como o atropelo ao progresso que essa injustiça implicava.

Jeremy Bentham, em Introduction to the Principles of Morals and Legislation (1789), critica a imbecilidade daqueles que atribuem à mulher um estatuto de inferioridade, equivalente ao das crianças e dos alienados mentais. Denuncia ainda o princípio de autoridade, afirmando que as mulheres eram oprimidas pela tirania dos mais fortes e só uma tradição autoritária pretendia camuflar e justificar essa opressão, invocando princípios que só se manteriam enquanto não fossem escrutinados. Por isso, Bentham defendia a liberdade política que permitisse às mulheres votar e participar como iguais nas tarefas legislativas e executivas da governação.

Mais tarde, John Stuart Mill, em The Subjection of Women (1869), empenhado na luta pela emancipação feminina, para além de reivindicar para as mulheres o acesso à cidadania através do exercício do direito de voto, defendeu que às diferentes profissões deveriam poder aceder elementos dos dois sexos, reconhecendo como critério de selecção apenas a capacidade e o mérito para ocupar «lugar». Isto representaria a entrada das mulheres no mercado de trabalho e a possibilidade de independência económica. É certo que as condições e os contextos existentes iriam dificultar essa caminhada, que se previa longa e cheia de obstáculos, mas a porta ficou entreaberta e a partir daí tem sido dados passos significativos no sentido de a escancarar.

sábado, 11 de julho de 2009

Família e pensamento político

A teoria feminista não pode deixar de reflectir sobre o conceito de família pois foi no interior desta que a opressão das mulheres ganhou raízes e legitimidade. Tentando dar algum contributo para essa reflexão, vou hoje analisar o conceito de família na concepção clássica do poder político, prevalecente até à Época Moderna, e na concepção liberal, do que poderíamos chamar de primeira vaga do liberalismo político.

O pensamento político liberal, cujas raízes remontam aos séculos XVII e XVIII e às teorias de Hobbes, Locke e Rousseau, defende que a legitimidade do Estado, com as suas instituições de controlo social, pressupõe um vínculo contratual entre governantes e governados e decorre do consentimento destes últimos, que renunciam a determinados direitos que naturalmente possuem e os transferem para o Estado cujo objectivo será o de garantir a vida, a liberdade e a propriedade dos indivíduos. Para o pensamento político liberal, os seres humanos nascem livres e iguais em direitos.
Os pensadores que defenderam a Teoria do Contrato consideram que a autoridade do Estado emana e depende da soberania popular. Para Hobbes, os cidadãos desistem dessa soberania, transferindo-a voluntariamente para uma autoridade que deve ser forte e absoluta – o contrato é um contrato de submissão. Para Locke, os cidadãos apenas delegam o poder, que naturalmente possuem, numa autoridade que reconhecem enquanto esta defender os seus direitos. Segundo Rousseau, ninguém tem o direito natural para governar e a única autoridade legítima é a que resulta de acordo e convénio.

Esta teoria do contrato é inovadora e constitui um ponto de não retorno em relação a todo o pensamento político anterior, dominado pela tradição política aristotélica. Este pensamento político, que é costume designar por concepção política clássica e que foi o prevalecente até aos inícios da Época Moderna, opõe-se, em aspectos essenciais, à concepção liberal, pois não entende nem defende a liberdade e igualdade natural de todos os seres humanos e considera que a sociedade se encontra organizada segundo uma ordem hierárquica que, para alguns, procede da natureza e, para outros, a maioria, decorre da autoridade divina, revelada através dos textos sagrados.
De acordo com a concepção política clássica, a família, embora na sua origem seja anterior ao Estado, na sua finalidade, encontra-se ao serviço do Estado[1]. Deste modo, muito coerentemente, assim como no Estado há hierarquia entre governantes e governados, o mesmo se passa na família, em que o chefe – marido, pai e senhor de escravos ou servos, tem o direito de exigir obediência e serviço dos restantes membros da família.

Esperar-se-ia que a concepção liberal de poder político levasse o princípio da igualdade e liberdade formal de todos os indivíduos às suas consequências lógicas e defendesse um tipo de família em conformidade com esse princípio, mas tal não aconteceu. Os pensadores do contrato reconheceram e aceitaram uma bifurcação entre a esfera pública, na qual deveria reinar a igualdade e a liberdade para todos, garantindo o Estado direitos civis e políticos formais, e uma esfera privada – família, na qual as estruturas concretas de domínio e dependência sobreviveriam intactas. Por isto é que também se designa esta fase do pensamento político liberal por liberalismo patriarcal. Mas, como as incoerências e as contradições eram por demais evidentes, o liberalismo político acabou por evoluir em aspectos fundamentais, como terei oportunidade de vir a referir.

[1] É a família que existe para o Estado, não o Estado que existe para a família. Se pensarmos nos Estados Totalitários, percebemos bem como este princípio é importante para a sua legitimação.
A imagem não pode deixar de suscitar um comentário irónico: As mulheres, que lutaram pelos ideais do Contrato Social, afinal tiveram de se contentar com um «contrato sexual».

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Emancipação e trabalho social produtivo

Ainda às voltas com o feminismo liberal e com a crítica que o feminismo de inspiração marxista lhe faz, traduzo e transcrevo hoje um texto de Engels:

«… Emancipar a mulher e torná-la igual ao homem é e continuará a ser uma impossibilidade enquanto a mulher estiver excluída do trabalho social produtivo e continuar limitada ao trabalho doméstico privado. A emancipação da mulher apenas será possível quando a mulher tomar parte na produção numa larga e social escala, e o trabalho doméstico não exigir mais do que uma parte insignificante do seu tempo.
… Com a transferência dos meios de produção para a propriedade comum, a família singular deixará de ser a unidade económica da sociedade de produção. Os trabalhos domésticos privados serão transformados numa indústria social. O cuidado e a educação das crianças tornar-se-á um problema público; a sociedade cuidará de todas as crianças, quer elas sejam legítimas ou não.»[1]

Em minha opinião, e este tópico é mais ou menos consensual, Engels identifica correctamente o factor determinante da emancipação da mulher que passa pela participação no processo produtivo e não apenas no reprodutivo. É essa participação que lhe garante independência económica sem a qual nenhuma outra independência é consistente.
Por outro lado, o que verificamos, pelo menos no Ocidente, é que cada vez mais o trabalho doméstico conta com a ajuda dos homens e está simplificado: a indústria e a tecnologia oferecem electrodomésticos que facilitam as tarefas, refeições preparadas, louça descartável, etc. etc.
As crianças, desde tenra infância frequentam creches e jardins de infância e tanto o pai como a mãe ficam assim com disponibilidade para se dedicarem às suas carreiras profissionais e participarem no que Engels designa por trabalho social produtivo.
Aquilo que Engels não previu foi que todas estas transformações ocorreriam numa economia em que o privado ainda predomina, portanto, sem «a transferência dos meios de produção para a propriedade comum», não tendo acontecido a revolução que ele preconizava.

Pode dizer-se que, neste processo, os interesses das mulheres ainda não estão suficientemente acautelados; pode falar-se na dupla jornada; nos salários desiguais para trabalho igual, etc. etc. Mas o que não se pode negar é que a emancipação das mulheres está em curso, não tão acelerado como pretenderíamos, mas está, e que foi o feminismo liberal, não o marxista, que impulsionou e alimentou o processo.

Se me objectarem que não se pôs termo à opressão, que ainda há uns poucos seres humanos a oprimirem e a explorarem muitos, tenho de concordar, mas esse não é o problema prioritário que as feministas têm de resolver; aquilo que elas querem resolver, aquilo a que querem pôr cobro é à opressão e exploração das mulheres enquanto mulheres, e para isso vão no bom caminho.

[1] Engels: A Origem da Família, da Propriedade e do Estado

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Annie Besant – transgressora e marginal

Continuando a abordar o século XIX na Inglaterra vitoriana, vou hoje escrever sobre Annie Besant, personagem cuja história de vida daria um filme interessante e comovente, se a indústria do cinema, navegando em outras águas, não desdenhasse completamente este tipo de temas, para, ao invés, nos bombardear com a banalidade da violência e a trivialidade de aventuras mais toscas.

Annie Besant (1847-1933), filha de pai médico, livre pensador e céptico, e de mãe católica devota, revelou uma inteligência precoce. A sua evolução espiritual conheceu um primeiro momento de adesão ao catolicismo, em breve substituído pelo protestantismo em que foi iniciada por uma amiga. Mais tarde a leitura de Comte, com a sua lei dos três estádios de evolução da humanidade (teológico, metafísico e positivo), e de Charles Darwin inclinou-a para o ateísmo; todavia, necessidades espirituais mais fortes e a estada na Índia levaram-na a aderir à Teosofia que lhe permitia conciliar uma concepção progressista do fenómeno religioso com a defesa de causas humanitárias.

Annie casou em 1867 com Frank Besant, pastor protestante, com o qual teve dois filhos, mas a sua evolução no campo religioso conduziu a incompatibilidades que levaram à separação em 1873. Mais tarde veio a contrair um segundo casamento com Charles Bradlaugh, Membro do Parlamento, que a introduziu no jornalismo e no activismo político.

Esteve presa pelo que hoje se chama delito de opinião, tendo ficado famoso o seu julgamento juntamente com Bradlaugh por terem prefaciado um livro no qual se defendia o controlo de nascimentos e, obviamente, a divulgação de informação sobre práticas contraceptivas o que, para muitos, constituia um autêntico atentado à estabilidade da sociedade vitoriana e aos valores da família patriarcal na qual o homem controlava a sexualidade feminina.
Mais tarde, na India, foi novamente presa, acusada de sedição por defender o nacionalismo indiano contra o imperialismo britânico. Mas acabou por ser a primeira mulher eleita Presidente do Congresso Nacional da India.

A adesão à Sociedade Teosófica, à qual presidiu em 1907, bem como a fundação, juntamente com Maria Russak e James Ingel Wedgwood, da Ordem Mística do Templo da Rosa Cruz, que teve curta duração, talvez expliquem a sua marginalização por parte de certos sectores intelectuais poderosos na determinação de cânones literários e filosóficos, mas está na hora de proceder a uma reavaliação do contributo de uma mulher que lutou pela causa feminista, pelo secularismo, que liderou lutas de trabalhadoras, que antecipou a descolonização e que advogou a união de todas as religiões e o seu empenhamento em lutas humanitárias - uma mulher que esteve nitidamente à frente do seu tempo.

A obra que deixou é vasta, dela destacamos: «The Political Status of Women» (1874) e «Marriage as it was, As i tis, and As it should be: A Plea for Reform» (1878).

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O movimento sufragista

Aproveitando um comentário de Tere Marin do blog Sexismo Publicitário, transcrevo aqui as informações que ela recolheu sobre a luta das sufragistas inglesas do período vitoriano que mostram como, apesar de uma rainha tão conservadora e mesmo reaccionária, a luta das mulheres não esmoreceu.

A Vitória, mulher, provavelmente não à rainha, parecia natural a supremacia masculina no casamento e não repugnava que as mulheres fossem consideradas menores pelas leis e pelos costumes, mas os tempos prenunciavam mudanças e as sufragistas souberam aproveitar a maré:

"Entre 1850 y 1920 las mujeres inglesas lucharon por conseguir leyes más justas en lo referente al matrimonio, a la custodia de los hijos, al control sobre sus bienes y salarios, al acceso a la educación, al voto y a la participación política. Desde 1833 comenzaron a aparecer manifiestos y artículos que pedían el voto para las mujeres. En respuesta a estas protestas, la Cámara de los Comunes insertó por vez primera de forma explícita la palabra varón en los requisitos requeridos para ejercer el voto. En 1847 se fundó la Asociación Política Femenina para luchar por el voto de las mujeres.
En 1851, Harriet Taylor Mill (1807-1858) escribió su Ensayo sobre el sufragio de las mujeres. Las feministas enviaron peticiones al Parlamento, que no obtuvieron respuesta. Mill reclamó la plena igualdad de derechos políticos y civiles para las mujeres inglesas, inspirándose en los logros conseguidos por las norteamericanas. Escribió: “Lo que queremos para las mujeres es igualdad de derechos, igualdad de privilegios sociales, no una situación diferente, una especie de sacerdocio sentimental”. Harriet Mill no ejerció ninguna actividad política pública debido a su precaria salud, pero inspiró a su marido John Stuart Mill su famoso ensayo La esclavitud femenina, publicado en 1869, que habría de convertirse en un clásico del pensamiento feminista. Pero antes de la aparición del libro de Stuart Mill, las mujeres inglesas llevaban décadas de lucha."(wikipedia)

*As sufragistas, como podemos ver pela imagem, resumiam o sentido da sua luta, reivindicando liberdade, enquanto direito inalienável de qualquer ser humano.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Rainha Vitória – modelo para as anti-feministas

A rainha Vitória afirmou: «Estou cada dia mais convencida de que nós mulheres, se queremos ser boas mulheres, femininas, afectuosas e domésticas, não fomos feitas para reinar; pelo menos são eles que se encarregam do trabalho que tal tarefa inevitavelmente implica.»

Esta personagem histórica, anti-feminista confessa, permite que compreendamos melhor quem são as anti-feministas, quem são as mulheres que odeiam ter direitos.

Vitória vivia num palácio, rodeada do conforto que o luxo propicia, assistida por súbditos atentos às suas mais pequenas vontades e desejos; é de supor que nunca tenha sentido o mínimo vislumbre de uma atitude sexista em relação a ela própria.
É certo que, fruto das vicissitudes da época e da ausência de planeamento familiar, teve nove filhos, mas não consta que lhes fosse particularmente dedicada ou que tivesse em grande conta a maternidade já que teria referido a gravidez como a «ocupação arriscada de se ser mulher» (the occupational hazard of being a wife). Como alguém jocosamente escreveu, se o feminismo da época vitoriana tivesse incluído a reivindicação de direitos reprodutivos para as mulheres, Vitória, provavelmente, não teria sido tão ferozmente anti-feminista.

Vitória forneceu o modelo: as anti-feministas, nomeadamente as que conhecemos e que ocupam posições cimeiras no movimento, são mulheres que não só nunca sentiram a opressão na própria pele como ainda foram contempladas com privilégios completamente desconhecidos das mulheres comuns: riqueza, acesso a boas escolas, boas oportunidades sociais, ocupações gratificantes, e que, por norma, desenvolvem o estilo de vida que objectivamente criticam e que consideram não aconselhável para as mulheres. Um caso típico de «olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço».

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Quem são as anti-feministas?

Enchem a boca com proclamações pomposas: são «pró-vida»[i], «pró-família», «mulheres que querem ser mulheres»[ii], «mulheres que defendem os direitos da mulheres, mas não às custas dos direitos humanos»[iii]!

Proclamações pomposas, mas também slogans brilhantes pela sua abrangência: Qual é a mulher que não quer ser mulher? Quem é que não defende os direitos humanos? Como se pode ser contra a vida? Quem não aprecia a família?
Autênticos gritos de guerra! Farpas certeiras dirigidas contra as feministas e a que estas não conseguem responder no mesmo comprimento de onda porque, enquanto slogans, são irrespondíveis.

Para denunciar a retórica anti-feminista é preciso desmontar o discurso que lhe está subjacente e isso exige tempo, atenção e uma disponibilidade para a qual muitas pessoas, porventura a maioria, não estão preparadas.

As anti-feministas são pró - vida, mas omitem que defendem a vida do embrião ou do feto contra a vida da mulher e até, por vezes, às custas da vida da mulher, como acontece nas legislações anti-aborto mais rigoristas.

As anti-feministas são pró – família, mas não dizem uma palavra contra as estruturas opressivas que funcionam no seio das próprias famílias, chegando mesmo a desculpar - é certo que com cautela e algum pudor, a violência doméstica que poderia não justificar o abandono do lar pela mulher.

Quando se definem como «mulheres que querem ser mulheres» escamoteiam que em nome de uma pretensa identidade, aceitam diferenças que secundarizam e inferiorizam as mulheres.

Quando pretendem «defender os direitos da mulher, mas não às custas dos direitos humanos» – é bonito, mas parecem não perceber que os direitos das mulheres também são direitos humanos e que é enquanto tal que têm de ser reconhecidos.

A ideologia que suporta o movimento anti-feminista é extremamente clara e estamos familiarizadas com ela de longa data : (1) As mulheres são diferentes dos homens por natureza. (2) Há complementaridade de papéis sexuais e portanto estes não são intermutáveis. (3) A família é a unidade social básica e os seus interesses sobrepõem-se aos do indivíduo. (4) A mulher está ao serviço da família e o lar é o seu lugar natural.

A ideologia ant-feminista é simples, forte, antiquíssima e, pelos vistos, não desarma. Vai-se reciclando ao sabor dos tempos, mas não desiste nem faz cedências nos pontos essenciais e aproveita habilmente as crises para se robustecer. É assim que, muito convenientemente, as anti-feministas tentam ligar o declínio e dissolução da família ao feminismo, atribuindo a culpa às mulheres que, pressionadas por novos valores e atraídas por carreiras profissionais, «abandonaram» o lar doméstico. A sua retórica é perigosa porque se revela persuasiva.

Cabe ao movimento feminista reflectir e decidir se está na hora de desambiguar a sua posição em relação ao tópico da família, fazendo contas a custos e benefícios, mas tendo presente que mudanças sociais drásticas e reivindicações radicais assustam e alienam suporte.

[i][i] Nos Estados Unidos esta é a designação do movimento contra a legalização do aborto.
[ii] Designação de uma organização anti-feminista australiana fundada em 1979.
[[iii] Slogan de uma organização anti-feminista canadiana.
Na imagem, Phyllis Schlafly, líder anti-feminista.

domingo, 5 de julho de 2009

Mulheres unidas jamais serão vencidas!

Com a devida vénia, publico aqui o comentário que Élida, das Maçãs Podres, fez em resposta ao meu post de 4 de Julho:

“É evidente, que existem alguns factores que levam a essa postura contra a libertação das mulheres; Simone de Beauvoir já observou isso. A situação das mulheres é, sem dúvida, a mais complicada, porque as mulheres burguesas são solidárias dos burgueses e não das mulheres proletárias; as brancas, dos homens brancos e não das mulheres negras; as mulheres vivem dispersas entre homens, ligadas a eles por moradia, condição social, interesse económico, trabalho ou qualquer outra coisa. Seria possível para o negro e para o judeu propor uma sociedade sem brancos inteiramente judaica ou inteiramente negra, ou para o proletário propor o trucidamento das classes, mas o laço que une as mulheres a seus opressores não se compara a nenhum outro. O casal é uma unidade fundamental cujas metades se acham na sociedade dos sexos e a mulher é o Outro dentro de uma totalidade cujos termos são necessários um ao outro. Aí entra a questão: Porquê mulheres lutam contra os direitos das mulheres? Acredito que as ideologias, incutidas nas mulheres e nos homens ao longo do tempo, cumprem seu papel muito bem. A Moral Cristã, no Ocidente, cumpre seu papel perfeitamente... aí eu me pergunto: como é que as mulheres tão inteligentes, equilibradas e cultas não conseguem perceber sua própria opressão dentro dessa ideologia? A ideologia cristã incute nas mulheres o estereótipo da santa, por mais que ela não seja, ela precisa estar ali no meio-termo para ser aceita e viver “harmoniosamente” com o outro (homem) no qual é fundamental, além de tirar o seu impulso de vida, matando-a, não em seu físico, mas enquanto ser pensante, ser humano. Aí está o impasse!

Algumas mulheres não estão dispostas a abrir mão dos seus míseros privilégios. E abrir mão dos privilégios não é de maneira alguma propor a exterminação do sexo oposto! É questionar o seu papel na sociedade, questionar o ser mulher, questionar e romper os absurdos implantados nos seres humanos. Por isso, o rompimento das estruturas de opressão é fundamental.

Já sabemos que o fim do capitalismo não irá trazer o fim do machismo e do racismo, portanto, podemos começar a agir em prol de uma mudança substancial no “ser homem” e no “ser mulher”. Não podemos aceitar aquilo que nos confina em nosso sexo! Embora algumas vertentes do feminismo venham lutando por isso, ainda temos ideologias, como a cristã (mesmo sabendo que não é a única), cumprindo muito melhor seu papel do que o feminismo. As mulheres estão desunidas até mesmo dentro do movimento feminista. Esse é o nosso maior problema!
Até porque, as mulheres unidas é sem dúvida desestabilização da ordem estabelecida!"

Mulheres contra o voto para as mulheres

Relativamente ao desafio que lancei no último post, vou eu própria avançar uma resposta sobre a principal motivação que pode explicar porque é que as mulheres se organizaram activamente com o objectivo de lutar contra a sua própria emancipação, empenhando-se para que não fosse reconhecido o sufrágio feminino.
Para compreender este fenómeno, temos de nos situar nas primeiras décadas do século XX, nos Estados Unidos, onde muitas mulheres começaram a frequentar universidades e a investir em carreiras profissionais que anteriormente lhes estavam vedadas. Eram estas mulheres que constituíam aquilo a que hoje se chama «massa crítica» - mulheres cultas, criativas e críticas que reivindicavam com nova força uma exigência já antiga: o direito de voto e o acesso à cidadania.
A maioria da população feminina adulta, todavia, continuava presa às velhas estruturas, confinada aos papéis de dona de casa, esposa e mãe, e naturalmente, incapaz, muitas vezes por falta de habilitações, de aceder ao mercado de trabalho. Estas mulheres viam as suas «irmãs» mais modernas e progressista com certo ressentimento e encaravam-nas como uma ameaça ao prestígio da mulher doméstica e aos respectivos papéis e padrões de comportamento; era o seu estatuto social que estava posto em causa e desse modo constituíam um grupo frágil que facilmente poderia ser, como foi, arregimentado numa luta contra os seus próprios interesses. Claro que as lideres e organizadoras dessa luta, como muitas vezes acontece, eram mulheres das classes privilegiadas que, embora convivendo com estruturas opressivas, nunca tinham sentido a opressão na própria pele e que pressentiam que as mudanças em curso poderiam pôr em causa os valores e os interesses das classes possidentes a que pertenciam.

Embora reconheça que podem ter estado em causa outras variáveis que se prendem sobretudo com a dificuldade em se construir aqui uma consciência de classe, penso que esta explicação é plausível e que identifica um factor fundamental que interferiu numa situação concreta de luta e que deveria provavelmente ter sido levado em conta pelo movimento feminista que nela se empenhou.
* Claro que, como a imagem acima documenta, mais uma vez os media colocaram o humor ao serviço da causa anti-feminista.

sábado, 4 de julho de 2009

As anti-feministas opunham-se ao direito de voto para as mulheres! Porquê?

O anti-feminismo e, sobretudo, as anti-feministas sempre exerceram sobre mim o fascínio do inexplicável que, apesar de o ser, existe, e do incompreensível, que afronta precisamente porque o é!

Perceber porque é que mulheres, muitas delas cultas, inteligentes e equilibradas, podem assumir posições contra a libertação das mulheres; identificar os motivos que as impelem a uma tal falta de solidariedade, que nenhum outro movimento social de luta contra a opressão alguma vez encontrou, tornou-se assim um tema obrigatório de reflexão.

As anti-feministas não só ignoram ostensivamente as inúmeras e escandalosas situações em que as mulheres são oprimidas como ainda se manifestam contra as mudanças que poderiam minorar ou pôr termo a essa opressão. Ora analisar os movimentos anti-feministas e procurar pelas razões de alguns dos seus sucessos, mesmo que relativos e temporários, é, em minha opinião, extremamente importante, se quisermos que o movimento feminista evite erros, que se podem pagar caro, e delineie estratégias que permitam alcançar os objectivos que se propõe.

Vou começar hoje por abordar a difícil luta pelo sufrágio feminino - centrando-me nos Estados Unidos onde ela foi bem renhida, apresentando alguns elementos factuais e convidando os leitores a fazerem um exercício de imaginação.

Nos Estados Unidos, o movimento feminista pelo direito de voto para as mulheres teve o seu início no século XIX, mas só no século XX, mais precisamente em 1920, o objectivo foi alcançado.
Desde o início, este movimento contou com a oposição não só de boa parte dos homens, o que seria de esperar, mas também de mulheres, e essa oposição ganhou expressão a partir de 1912 com a criação do contra-movimento «The National Association Opposed to Woman Suffrage». Neste contra-movimento anti-feminista, entre 1912 e 1916, inscreveram-se cerca de 350.000 mulheres adultas e nele estavam incluidas 25 organizações estaduais empenhadas em não permitir que fosse reconhecido o direito de voto às mulheres. Deve dizer-se que a princípio foi bem sucedido pois que dos 21 Estados que apreciaram a proposta de sufrágio feminino só em seis ela foi aprovada. Claro que como sabemos, este sucesso foi temporário, pois em 1920 o Congresso dos Estados Unidos ratificou finalmente uma emenda constitucional que legalizava o voto para as mulheres.

Porquê esta oposição? Como explicar o fenómeno de mulheres em luta contra os direitos das mulheres? Seria possível imaginar sequer que alguns escravos se organizassem para lutarem contra a abolição da escravatura? Seria possível imaginar negros a favor da discriminação racial? Porquê mulheres lutam contra os direitos das mulheres?

Aceite o desafio. Responda.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Carta aberta a todos aqueles que defendem a secundarização da causa das mulheres

Vou transcrever excertos de um post do Reclusive Leftist blog que me parece responder precisamente àqueles que não percebem que as mulheres são oprimidas tão simplesmente e apenas por serem mulheres e por os homens não quererem partilhar com elas o poder, temendo perder os seus ancestrais privilégios.

O texto, que a seguir traduzo e adapto, refere um artigo que foi publicado no Vanity Fair sobre Sara Palin que, como todos sabemos, foi candidata a Vice Presidente dos E.U. pelo Partido Republicano. Palin é uma mulher de direita e conservadora, mas mesmo assim não foi poupada nem pelo seu próprio partido e mesmo as críticas que os democratas lhe fizeram foram dirigidas à mulher, não à conservadora de direita.

Isto prova, em minha opinião, que as mulheres, de esquerda, de direita ou do centro, lésbicas, heterossexuais ou bissexuais, o melhor que têm a fazer é definirem uma agenda com o maior denominador comum possível e empreender a luta pela igualdade de direitos e pela partilha do poder. Todos conhecemos o ditado: dividir para reinar e, enquanto estivermos divididas, vai ser difícil derrotar o inimigo comum.

Na revista Vanity Fair, Steve Schmidt, estratega da última campanha presidencial republicana, dá uma entrevista a Todd Purdum, editor da revista, que descreve Palin como uma «mulher indubitavelmente fértil», a expressão utilizada é “indisputably fertile female” (dificilmente se encontraria qualquer referência à fertilidade, se o candidato fosse macho) cuja vida se assemelha a uma «amálgama profana de Donas de Casa Desesperadas e Nortistas Exibidas. Os comentários que os dois tecem a Sara Palin denunciam um sexismo chocante que não conseguem reprimir.

Segundo Violet Socks há várias lições atirar deste incidente:

Lição nº 1: Mulheres que concorrem a cargos políticos precisam de ficar longe dos estrategas de campanha masculinos. Se tem um pénis não o contrates (… ). Ele pode dizer que o trabalho dele é fazer com que sejas eleita e até pode acreditar nisso, mas no fundo, bem no fundo do seu frágil cérebro pode alojar-se um ressentido porco sexista que se sente compelido a sabotar «pessoas com partes de mulher». O patriarcado é forte.

Lição nº 2: Os media não são teus amigos. Odeiam-te. Não importa que sejas republicana ou democrata, liberal ou conservadora, pró-escolha ou anti-aborto, brilhante ou medíocre, jovem ou velha, bonita ou feia. Tu tens «partes de mulher», eles odeiam-te. …

Lição nº 3: Isto não tem nada a ver com política. Os chamados progressistas não odeiam Sara Palin por ela ser republicana; odeiam-na porque ela é mulher. Confirma com os blogs liberais que jubilosamente citam Vanity Fair e se mostram compreensivos para com o seu novo melhor amigo, o republicano Steve Schmith...

Lição nº 4: Feministas de recente persuasão, que ainda não aprenderam as lições de 1 a 3, precisam de ir à escola. Juntares-te aos que sovam Palin ou outras mulheres que historicamente têm sido sovadas não te dá um passe; não te torna homem honorário. Continuas a ser mulher e os gajos em breve te destruirão como fizeram com Sara Palin."


quarta-feira, 1 de julho de 2009

Contra o feminismo liberal, marchar, marchar

Vou começar por expor um argumento, de inspiração anarquista, mas que também poderia ser subscrito pelo feminismo marxista, contra o feminismo liberal e seu projecto reformista e reivindicativo. Em seguida procurei refutar esse argumento.

«A menos que consideremos que uma percentagem crescente de mulheres polícias, juízas, membros do CEO, políticas, seja sinónimo de libertação, o feminismo não abriu quaisquer possibilidades fora do enquadramento de dominação e de exploração. Apenas expandiu os caminhos nos quais as mulheres podem participar, dominando ou sendo dominadas, explorando ou sendo exploradas. E isto não acontece porque ele falhou, mas porque as suas práticas, como as de qualquer luta pela libertação parcial focaram precisamente esse objectivo. (…)


Décadas de prática neo-feminista, de facto, centraram-se maioritariamente na promoção de leis para proteger as mulheres das ameaças que as ideólogas feministas percebem que rodeiam as mulheres de todos os lados, reclamando o seu quinhão de poder dentro da ordem existente, por outras palavras, exigindo protecção das próprias estruturas de poder que afirmam serem patriarcais e reclamando uma partilha desse mesmo poder. Dificilmente eu chamaria a este projecto de aumento do poder do estado e de intromissão nas vidas das pessoas em nome dos direitos das mulheres um projecto de libertação para quem quer que seja.»


A análise deste argumento, que começa por desvalorizar a participação crescente de mulheres em órgãos de poder, nomeadamente de poder político, suscita-me as seguintes observações:


(1) A participação no poder político implica, antes de mais, o acesso das mulheres à esfera pública que durante séculos lhes foi rigidamente vedado, em nome da sua incapacidade, da sua incompetência e até mesmo em nome do bem comum; e foi-lhes vedado porque a sociedade patriarcal, dominada pelos elementos masculinos, percebia muito bem os perigos dessa intromissão e as alterações profundas que dela poderiam decorrer.


(2) Essa participação dá às mulheres visibilidade e possibilidade de auto-afirmação que de outro modo não ocorreria, dá-lhes poder; como vão usar esse poder é outra questão. Mas, à maneira cartesiana, é aconselhável irmos por partes para resolver os problemas.


(3) Se com essa participação não se conseguiu alterar significativamente a estrutura do poder, o que eu concedo, isso realmente constituiu uma limitação, mas também constituiu o acesso a um patamar de igualdade com os homens que de outra maneira não seria alcançado e que penso ser um objectivo legítimo.


(4) Que os movimentos feministas de inspiração liberal se centrem em reivindicações de direitos é apenas coerente com os seus princípios e objectivos e revela que há mulheres que tem a noção de que as suas prioridades são importantes e que não devem secundarizá-las em nome de agendas políticas revolucionárias as quais, no momento da verdade, esquecem a revolução para as mulheres, como já aconteceu em mais do que um momento histórico. Não esqueçamos, a título de exemplo, aqueles intelectuais de esquerda que revelam profunda misoginia, ou aqueles sindicalistas que são os primeiros a desvalorizar e a hostilizar as mulheres trabalhadoras.


(5) Pretender que a emancipação das mulheres tem de integrar-se num programa de emancipação do ser humano pode ser ainda uma agenda machista devidamente escamoteada.


(6) Ainda do ponto de vista teórico, o que os críticos do feminismo liberal dizem é que ao acederem ao poder as mulheres deixam-se assimilar. Ora, apesar desse risco ser real, não quero deixar de lembrar que, como Piaget estabeleceu, não há assimilação sem acomodação, o que na prática significa que a longo prazo com a entrada massiva das mulheres no poder e com a maior consciencialização das mulheres que o encarnam a estrutura do poder tem de alterar-se e deixará, como já se pressente, de ser patriarcal.


Os anti-feministas percebem tudo isto muito bem e por isso são anti-feministas! Já não se percebe tão bem porque é que os feministas não liberais manifestam tanta resistência às conquistas feministas e procuram desvalorizá-las sistematicamente.