segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
Violência de gênero e vítimas colaterais
quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
O lookismo
domingo, 25 de novembro de 2012
O capitalismo cultural do século XXI
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
Sexo e publicidade
sábado, 10 de novembro de 2012
O amor romântico tem uma história
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Feminicídio é violência de género
domingo, 21 de outubro de 2012
Esfera pública - um acesso indispensável mas problemático
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
Ética sexual cristã
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
Juventude e beleza são importantes - mas só para as mulheres
domingo, 9 de setembro de 2012
Sexo, Amor e Romance nos Mass Media
Apresento a seguir essas crenças que, embora tão caras e confortáveis, deveríamos escrutinar criticamente:
1. O amor à primeira vista existe realmente.
2. Quem ama adivinha aquilo que a pessoa amada pensa ou sente, mesmo que ela não verbalize.
3. Se houver amor, o sexo não vai constituir qualquer problema, será sempre maravilhoso.
4. O homem não deve ter estatura, idade, riqueza inteligência ou saber inferior a companheira.
5. Se uma mulher amar verdadeiramente um homem pode mudar o caráter deste para melhor, pode transformar um “bruto” num “príncipe”.
6. Um homem não espera que a mulher pareça um “ícone sexual”.
7. O que é preciso é haver amor, as diferenças de valores e de opiniões não importam.
8. O verdadeiro companheiro completa a amada, satisfazendo as suas necessidades e permitindo que os seus sonhos se tornem realidade.
9. Na vida real os atores são muitas vezes parecidos com os carateres românticos que personificam.
10. Dado que os retratos de romance dos mass media não são reais eles não nos afetam.
Se você espera isto do amor e subscreve algumas ou todas estas crenças, está na altura de parar para pensar!
domingo, 2 de setembro de 2012
Shulamith Firestone - uma mente brilhante
Há muito que Firestone estava afastada da vida pública, vítima de perturbação mental, provavelmente agudizada pelas incompreensões que um trabalho tão revolucionário suscitou. O que sabemos e sabemos muito pouco, é que após a publicação se retirou do convívio dos mortais para acabar em fins de Agosto de 2012 por ser encontrada morta no apartamento onde residiu durante três décadas. Morreu como viveu, sozinha, solitária e totalmente incompreendida por homens mas também por mulheres que não lhe perdoaram ter denunciado como fonte de opressão aquilo que, apesar de todos os desconfortos, consideram ser o alicerce das suas vidas: a família nuclear heterossexual.
Em A Dialética do Sexo concebe uma utopia que libertaria as mulheres da opressão a que desde tempos imemoriais têm estado sujeitas. Mas as suas ideias, muitas das quais parecem corretas e pertinentes, constituíam então, como aliás ainda hoje, uma verdade inconveniente e como tal foram mais ou menos deturpadas e sobretudo silenciadas. Firestone está a milhas de distância do politicamente correto, não advoga compromissos, não acredita em panos quentes e assim, mesmo para muitas feministas, é uma voz incómoda. Mas de qualquer modo é a voz de uma mulher que, dotada de uma mente brilhante, esteve à frente do seu tempo.
Como se pode constatar, a grande maioria dos blogs, mesmo os de vocação feminista, nem sequer deram a notícia do seu desaparecimento, o que prova bem o poder das ideias e o receio de que afinal estas também sirvam para mudar o mundo, se forem devidamente divulgadas e assimiladas. Neste meu blog já dediquei vários textos à divulgação do pensamento de Firestone, mas o caso é isolado, não tem audiência que preocupe quem quer que seja, e até serve para mostar que afinal há pluralismo informativo.
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
A mulher é complementar do homem! Ouvi bem?
A teoria da complementaridade entre os sexos, elaborada no século XVIII, não pressupunha o conceito de igualdade mas sim o de diferença e implicava para a mulher um estatuto limitado já que a definia em função dos interesses do núcleo familiar e esquecia “discretamente” a sua individualidade. Nessa altura, mesmo filósofos como o esclarecido Kant aceitavam o princípio estabelecido pelo costume de que as mulheres eram dependentes de pais, maridos ou irmãos, uma espécie de menores perante a lei. Mas isto foi há mais de dois seculos. Querer restabelecer esta teoria em pleno século XXI só pode ter a ver com a tentativa de fazer a história andar para trás, até porque a Tunísia foi um país que esteve na vanguarda do mundo árabe quando em 1956 aboliu a poligamia, permitiu o divórcio e o direito das raparigas à educação e estabeleceu a idade mínima para o casamento.
Associações ligadas aos direitos humanos na Tunísia exigem a eliminação deste artigo da constituição que pelos visto até teve o aval de partidos de esquerda embora tudo leve a crer dever ser o resultado da pressão exercida do partido islamita que ainda recentemente, através da sua fação mais radical exigiu que fosse retirada a nacionalidade tunisina à atleta Habiba Ghribi, medalha de prata em Londres, por ter usado o tipo de vestuário comum a todas as participantes na corrida, considerado indecente por aqueles que exigem um vestuário feminino em conformidade com as regras “do recato e da modéstia”
Estes incidentes, o mais grave dos quais parece ser a tal tentativa de introduzir o princípio da complementaridade, fazem-me mais uma vez suspeitar de que afinal a tão aplaudida primavera árabe ainda vai desembocar em rigorosa invernia.
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quarta-feira, 29 de agosto de 2012
Sexo e reciprocidade em Kant
Segundo Kant, a atividade sexual humana, como a animal, é de raiz instintiva; encontra-se ao serviço da perpetuação da espécie e, a fim de que esse objetivo seja conseguido, tem de ser gratificante para o indivíduo.
Como qualquer outra atividade instintiva, é de natureza apropriativa: assim como para satisfazermos a fome ou a sede nos apropriamos de alimentos e bebidas (coisas), para satisfazermos a necessidade sexual, apropriamo-nos do sexo de outra pessoa. Mas o sexo não é dissociável da pessoa, por isso, diz Kant, quando nos apropriamos do sexo, tratamos a pessoa como se fosse uma coisa e esse comportamento, não sendo eticamente admissível, transforma a atividade sexual em algo degradante.
Admitido isto, pergunta como podemos minorar os inconvenientes dessa atividade instintiva tão forte e avassaladora e considera que só será possível legitimar a atividade sexual estipulando deveres para aqueles que se lhe entregam; deverão fazê-lo num quadro normativo expresso no contrato de casamento monogâmico: eu posso tratar o outro como um objeto de desejo a partir do momento em que o outro me possa tratar também como um objeto de desejo, isto é, só o consentimento e a reciprocidade legitimam a objetificação.
Kant desenvolveu estas considerações sobre sexo nos finais do século XVIII, ou seja há mais de dois séculos, mas, se tirarmos o invólucro do casamento monogâmico, perfeitamente descartável sem atraiçoar o principio ideológico, restam duas ideias plenas de atualidade, (1) a atividade sexual humana comporta uma dimensão ética porque, quer queiramos quer não, somos animais, mas falantes e racionais, capazes de investir significado no que fazemos e, portanto, (2) percebemos que o sexo, na medida em que implica entrar em relação com o outro, como qualquer outra atividade interpessoal, não pode ignorar os legítimos interesses do outro, isto é os seus direitos, simétricos dos nossos.
Eu acho que esta visão do sexo revela extraordinária lucidez, tão mais surpreendente quanto vem de alguém cuja experiência sexual foi escassíssima, para dizer o mínimo, e que alimentou e expressou sentimentos misóginos; apesar destas limitações óbvias, Kant, personalidade extremamente inteligente e arguta, conseguiu ver mais longe do que muitos outros e, embora nem sempre devidamente reconhecido, ficamos a dever-lhe algo importante.
Poderá dizer-se, como o fez Alan Soble, um expert na matéria, que Kant ignorou a verdadeira natureza humana, que quis preservar para o ser humano uma dignidade e um valor próprios e que quis colocar no sexo aquilo que não lhe convém nem se lhe adapta. Sexo, pretende Soble, nada tem a ver com reciprocidade nem com respeito, nem pelo outro nem sequer por si mesmo, sexo é animal e natural, ponto final, parágrafo, muda de linha. Mas Soble esquece que no ser humano tudo o que é natural é também cultural e, se assim é, não podemos descartar tão facilmente as nossas responsabilidades para com nós próprios e para com os outros.
Parafraseando Linda LeMonchek, que não queria discutir o dualismo cartesiano na cama, ninguém quer discutir reciprocidade na cama, mas não pode sentir, nem de perto nem de longe, que ela está em falta, porque, se isso acontecer, pura e simplesmente não alinha, ou não deve alinhar; ponto final, parágrafo, muda de linha.
P.S. Claro que há considerações de Kant sobre sexo com as quais não concordo, Claro que Kant revelou em vários escritos disposições nitidamente misóginas; mas os aspetos acima referidos constituem, em minha opinião, o núcleo do seu pensamento sobre esta matéria e de certo modo contém as potencialidades positivas que assinalei.
sábado, 25 de agosto de 2012
"Amor confluente" e desigualdades estruturais
Anthony Giddens (1938) é um sociólogo britânico contemporâneo que em The Transformation of Intimacy se debruça sobre o amor e a relação amorosa heterossexual. Conceitos-chave do seu trabalho são os de “amor confluente”, “relação pura” e “plasticidade sexual”.
Segundo Giddens, a erosão das tradições no mundo contemporâneo, visível sobretudo na cultura Ocidental, permitiu aos indivíduos definirem com muito maior liberdade pessoal o que querem para as suas vidas e fazerem escolhas que os definem e que constroem a sua própria identidade. Neste novo contexto, surgiu aquilo a que ele chama “amor confluente” que se carateriza pelo facto de a relação amorosa ser uma “relação pura”, isto é, uma situação em que as pessoas mantêm a relação por ela própria e não por interesses estranhos: filhos, interesses familiares ou económicos; as pessoas apenas se mantém juntas enquanto a relação se revela gratificante, enquanto ambas as partes se sentem satisfeitas e decidem permanecer juntas.
Em sua opinião, este tipo de relação exige igualdade entre as partes, ambas responsáveis pela manutenção da relação; neste tipo de relação, as preocupações com o corpo e com a exploração do prazer sexual são fundamentais. Neste aspeto, as mulheres teriam conseguido uma autêntica revolução na sua autonomia sexual procurando o seu prazer de modo não decidido pelos homens, tornada possível graças à dissociação entre prazer e procriação, e permitiu que a sexualidade fosse definida como um meio de auto realização, como uma forma de expressão e de intimidade – aquilo a que chama “plasticidade sexual”.
Giddens é otimista pois pensa que estas transformações na vivência da intimidade amorosa criam condições de igualdade entre homem e mulher e têm repercussão a nível da vida social. Quer dizer, aquilo a que ele chama amor confluente, plasticidade sexual e relação pura têm em sua opinião potencial para operar transformações a nível da vida social. Uma relação pura bem-sucedida, mesmo supondo alguma tensão entre as partes, cria condições de estabilidade psicológica e de segurança ontológica. Contra quem insiste na natureza opressiva da intimidade, Giddens insiste que esta pode operar transformações no sentido da democratização das relações pessoais, no sentido da igualdade de género.
Todavia, esta visão otimista não é corroborada por algumas feministas, como por exemplo, Christine Delphy muito cética quanto a possibilidade de se operarem modificações a nível do social e das estruturas patriarcais se se começar pela família e pela relação heterossexual. Giddens parece estar bem-intencionado, mas também parece ignorar uma das mais persistentes teses das autoras feministas, a de que a opressão tem na origem e no seu cerne estruturas opressivas e não relações individuais. Mas, se aceitarmos a existência de um movimento dialético, podemos supor que mudanças a nível das relações individuais também podem potenciar mudanças sociais.
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
"Caça às bruxas"
Transcrevo, com a devida vénia, o artigo de Rosangela Angelin publicado no blog da Revista Espaço Académico:
http://espacoacademico.wordpress.com/2012/08/04/a-caca-as-bruxas-uma-interpretacao-feminista/
A “caça às bruxas é um elemento histórico da Idade Média. Entre os séculos XV e XVI o “teocentrismo” – Deus como o centro de tudo – decai dando lugar ao “antropocentrismo“, onde o ser humano passa a ocupar o centro. Assim, a arte, a ciência e a filosofia desvincularam-se cada vez mais da teologia cristã, conduzindo, com isso a uma instabilidade e descentralização do poder da Igreja. Como uma forma de reconquistar o centro das atenções e o poder perdido, a Igreja Católica instaurou os “Tribunais da Inquisição”, efetivando-se assim a “caça às bruxas“. Mas quem eram, enfim, estas mulheres que fizeram parte de um capítulo tão horrendo da história da humanidade, e por que o feminismo retoma as bruxas como um dos seus principais símbolos?
1. A “caça às bruxas”
A “caça às bruxas” durou mais de quatro séculos e ocorreu, principalmente, na Europa, iniciando-se, de fato, em1450 e tendo seu fim somente por volta de 1750, com a ascensão do Iluminismo. A “caça às bruxas” admitiu diferentes formas, dependendo das regiões em que ocorreu, porém, não perdeu sua característica principal: uma massiva campanha judicial realizada pela Igreja e pela classe dominante contra as mulheres da população rural (EHRENREICH & ENGLISH, 1984: 10). Essa campanha foi assumida, tanto pela Igreja Católica, como a Protestante e até pelo próprio Estado, tendo um significado religioso, político e sexual. Estima-se que aproximadamente 9 milhões de pessoas foram acusadas, julgadas e mortas neste período, onde mais de 80% eram mulheres, incluindo crianças e moças que haviam “herdado este mal” (MENSCHIK, 1977: 132).
1.1. Quem eram as bruxas
Ao buscarmos uma definição do termo “bruxa” em dicionários, logo pode-se perceber a direta vinculação com uma figura maléfica, feia e perigosa. Neste sentido, também os livros infanto-juvenis costumam descrever histórias onde existe uma fada boa e linda e uma bruxa má e horrível. [1]
Ao analisarmos o contexto histórico da Idade Média, vemos que bruxas eram as parteiras, as enfermeiras e as assistentes. Conheciam e entendiam sobre o emprego de plantas medicinais para curar enfermidades e epidemias nas comunidades em que viviam e, consequentemente, eram portadoras de um elevado poder social. Estas mulheres eram, muitas vezes, a única possibilidade de atendimento médico para mulheres e pessoas pobres. Elas foram por um longo período médicas sem título. Aprendiam o ofício umas com as outras e passavam esse conhecimento para suas filhas, vizinhas e amigas.
Segundo afirmam EHERENREICH & ENGLISH (1984, S. 13), as bruxas não surgiram espontaneamente, mas foram fruto de uma campanha de terror realizada pela classe dominante. Poucas dessas mulheres realmente pertenciam à bruxaria, porém, criou-se uma histeria generalizada na população, de forma que muitas das mulheres acusadas passavam a acreditar que eram mesmo bruxas e que possuíam um “pacto com o demônio”.
O estereótipo das bruxas era caracterizado, principalmente, por mulheres de aparência desagradável ou com alguma deficiência física, idosas, mentalmente perturbadas, mas também por mulheres bonitas que haviam ferido o ego de poderosos ou que despertavam desejos em padres celibatários ou homens casados.
1.2. A “caça às bruxas e o “Tribunal da Inquisição”
Com a ascensão da Igreja Católica, o patriarcado imperou, até mesmo porque Jesus era um homem. Neste contexto, tudo o que a mulher tentava realizar, por conta própria, era visto como uma imoralidade (ALAMBERT, Ano II: 7). Os costumes pagãos que adoravam deuses e deusas passaram a ser considerados uma ameaça. Em 1233, o papa Gregório IX instituiu o Tribunal Católico Romano, conhecido como “Inquisição” ou “Tribunal do Santo Ofício”, que tinha o objetivo de terminar com a heresia e com os que não praticavam o catolicismo. Em 1320 a Igreja declarou oficialmente que a bruxaria e a antiga religião dos pagãos representavam uma ameaça ao cristianismo, iniciando-se assim, lentamente, a perseguição aos hereges.
A “caça às bruxas” coincidiu com grandes mudanças sociais em curso na Europa. A nova conjuntura gerou instabilidade e descentralização no poder da Igreja. Além disso, a Europa foi assolada neste período por muitas guerras, cruzadas, pragas e revoltas camponesas, e se buscava culpados para tudo isso. Sendo assim, não foi difícil para a Igreja encontrar motivos para a perseguição das bruxas.
Para reconquistar o centro das atenções e o poder, a Igreja Católica efetivou a conhecida “caça às bruxas”. Com o apoio do Estado, criou tribunais, os chamados “Tribunais da Inquisição” ou “Tribunais do Santo Ofício”, os quais perseguiam, julgavam e condenavam todas as pessoas que representavam algum tipo de ameaça às doutrinas cristãs. As penas variavam entre a prisão temporária até a morte na fogueira. Em 1484 foi publicado pela Igreja Católica o chamado “Malleus Maleficarum”, mais conhecido como “Martelo das Bruxas”. Este livro continha uma lista de requerimentos e indícios para se condenar uma bruxa. Em uma de suas passagens, afirmava claramente, que as mulheres deveriam ser mais visadas neste processo, pois estas seriam, “naturalmente”, mais propensas às feitiçarias (MENSCHIK, 1977: 132 e EHRENREICH & ENGLISH, 1984: 13).
1. 3. Os “crimes” praticados pelas bruxas
No contexto da “caça às bruxas” havia várias acusações contra as mulheres. As vítimas eram acusadas de praticar crimes sexuais contra os homens, tendo firmado um “pacto como demônio”. Também eram culpadas por se organizarem em grupos – geralmente reuniam-se para trocar conhecimentos acerca de ervas medicinais, conversar sobre problemas comuns ou notícias. Outra acusação levantada contra elas, era de que possuíam “poderes mágicos”, os quais provocavam problemas de saúde na população, problemas espirituais e catástrofes naturais (EHRENREICH & ENGLISH, 1984: 15).
Além disso, o fato dessas mulheres usarem seus conhecimentos para a cura de doenças e epidemias ocorridas em seus povoados, acabou despertando a ira da instituição médica masculina em ascensão, que viu na Inquisição um bom método de eliminar as suas concorrentes econômicas, aliando-se a ela.
1.4. Perseguição e condenação à fogueira
Qualquer pessoa podia ser denunciada ao “Tribunal da Inquisição”. Os suspeitos, em sua grande maioria mulheres, eram presos e considerados culpados até provarem sua inocência. Geralmente, não podiam ser mortos antes de confessarem sua ligação com o demônio. Na busca de provas de culpabilidade ou a confissão do crime, eram utilizados procedimentos de tortura como: raspar os pêlos de todo o corpo em busca de marcas do diabo, que podiam ser verrugas ou sardas; perfuração da língua; imersão em água quente; tortura em rodas; perfuração do corpo da vítima com agulhas, na busca de uma parte indolor do corpo, parte esta que teria sido “tocada pelo diabo”; surras violentas; estupros com objetos cortantes; decapitação dos seios. A intenção era torturar as vítimas até que assinassem confissões preparadas pelos inquisidores. Geralmente, quem sustentava sua inocência, acabava sendo queimada viva. Já as que confessavam, tinham uma morte mais misericordiosa: eram estranguladas antes de serem queimadas. Em alguns países, como Alemanha e França, eram usadas madeiras verdes nas fogueiras para prorrogar o sofrimento das vítimas. E, na Itália e Espanha, as bruxas eram sempre queimadas vivas. Os postos de caçadores de bruxas e informantes eram financeiramente muito rentáveis. Estes, eram pagos pelo Tribunal por condenação ocorrida e os bens dos condenados eram todos confiscados.
O fim da “caça às bruxas” ocorreu somente no século XVIII, sendo que a última fogueira foi acesa em 1782, na Suíça. Porém, a Lei da Igreja Católica que fundou os “Tribunais da Inquisição”, permaneceu em vigor até meados do século XX. A “caça às bruxas” foi, sem dúvida, um processo bem organizado, financiado e realizado conjuntamente pela Igreja e o Estado.
2. O feminismo e o resgate da imagem das bruxas
Diante de tantas mortes de mulheres acusadas por bruxaria durante este período, podemos afirmar que o ocorrido se tratou de um verdadeiro genocídio contra o sexo feminino, com a finalidade de manter o poder da Igreja e punir as mulheres que ousavam manifestar seus conhecimentos médicos, políticos ou religiosos. Existem registros de que, em algumas regiões da Europa a bruxaria era compreendida como uma revolta de camponeses conduzida pelas mulheres (EHRENREICH & ENGLISH, 1984: 12). Nesse contexto político, pode-se citar a camponesa Joana D`arc, que aos 17 anos, em 1429, comandou o exército francês, lutando contra a ocupação inglesa. Esta acabou sendo julgada como feiticeira e herege pela Inquisição e queimada na fogueira antes de completar 20 anos. Diante disso, configurava-se a clara intenção da classe dominante em conter um avanço da atuação destas mulheres e em acabar com seu poder na sociedade, a tal ponto que se utilizava meios de simplesmente exterminá-las.
O feminismo busca resgatar a verdadeira imagem das bruxas em nossa história, analisando não somente os aspetos religiosos, mas também políticos e sociais que envolveram a “caça às bruxas” na Idade Média. No olhar feminista, as bruxas, através de seus conhecimentos medicinais e sua atuação em suas comunidades, exerciam um contrapoder, afrontando o patriarcado e, principalmente, o poder da Igreja. Em verdade, elas nada mais foram do que vítimas do patriarcado (ALAMBERT, Ano II, n° 48: 7). Atualmente, as mulheres ainda continuam sendo discriminadas e duramente criticadas por lutarem pela igualdade de gênero e a divisão do poder social e econômico, que ainda é predominantemente masculino, continuando vítimas do patriarcado. Por isto, as bruxas representam para o movimento feminista não somente resistência, força, coragem, mas também a rebeldia na busca de novos horizontes emancipadores.
quarta-feira, 25 de julho de 2012
Faço o que me dizem e como o que me dão!!
Comportar-se passivamente, todavia, não é de modo algum sinónimo de felicidade ou sequer de prazer; qualquer ser humano, em princípio, aprecia a atividade, aprecia poder dispor de si, tomar iniciativas, etc. etc. Esta caraterística, visível nas crianças desde os primeiros anos do seu desenvolvimento, é frequentemente contrariada pelos adultos a pretexto de perigos vários e neste particular caso as meninas e as jovens são muitas vezes fortemente condicionadas a aceitarem um amplo leque de limitações; temos assim que em boa verdade são socialmente predispostas desde a mais tenra infância para o masoquismo.
A ideia de que o masoquismo é inerente à natureza feminina ganhou força no século XIX e contou com a autoridade de Freud que lhe forneceu a respetiva formulação teórica. Recorria-se então a essa predisposição para explicar a passividade das mulheres tanto nas relações sexuais como nas relações sociais. O masoquismo seria a causa e a passividade o efeito, mas podemos bem perguntar se esta relação não estaria equivocada no sentido e se não se estaria a pôr o carro à frente dos bois, confusão afinal mais frequente do que se pode imaginar. De qualquer modo, por motivos de pura conveniência pragmática, importava convencer as mulheres de que adoravam a passividade, adoravam ser dominadas, apreciavam ser tratadas como coisas, sobretudo se essas coisas fossem consideradas valiosas.
Mas como todos os seres humanos e também todos os mamíferos, pelo menos os que nos são mais próximos, gostam de ação, de domínio, de poder, quando se diz que alguns não gostam, o melhor é tentar descobrir a quem é que esse não gosto aproveita. Ora não é preciso escavar muito para descobrir que esse não gosto das mulheres pelo exercício do poder convém, e muito, aos homens. Por isso, não é de estranhar que, quando a partir do século XIX a relação de forças se começou a alterar, com a industrialização e o acesso das mulheres a postos de trabalho remunerados, se procurasse conferir um estatuto científico a essa crença. Afinal se até era científico, a partir daí o que é que as mulheres poderiam fazer? Podiam apenas fazer como o D. João VI da nossa história pátria que à pergunta: Juraste a Constituição, que fazes agora João? Respondeu com bonomia e sentido crítico: faço o que me dizem e como o que me dão!
Resumindo, as mulheres perceberam que o melhor seria fazer da necessidade virtude; como não podiam dominar e tinham de se submeter, como não podiam ser ativas e tinham de ser passivas, então, seria "mais sensato"apreciarem a submissão, amarem a passividade e a orientação de outrem, aceitarem “livremente” a escravidão!
O curioso é que ainda hoje, jovens, pretensamente evoluídas, saem a terreiro para defender este papelão que a sociedade lhes reservou e falam em companheiros dominadores aos quais gostam de se submeter.
sexta-feira, 20 de julho de 2012
Ser sexy - projeto de vida
Nas nossas sociedades, o que é natural, porque habitual, é que as jovens se percebam a elas mesmas como objetos sexuais. Continuam a ser estimuladas a preocuparem-se excessivamente com a aparência física como se o seu valor residisse precisamente em serem bonitas, atraentes e sobretudo sexy. Os modelos que os media lhes apresentam são sobretudo de cantoras, atrizes e manequins, nada de cientistas, muito menos astronautas ou sequer simples técnicas em qualquer campo profissional. Aparentemente ninguém vê nada de mal nem de mais nisso e, desse modo tão simples, tão natural e “inevitável”, sem qualquer intervenção direta ou proibição, o futuro continua eternamente adiado.
O mais espantoso ainda é observar-se como a idade em que as mulheres são convidadas a objetificarem-se tem recuado espantosamente. Investigações recentes mostram que desde os seis anos a maior parte das meninas tendem a pensar-se a si mesmas como objetos sexuais. Um estudo levado a cabo em Galesburg, no Knox College, revelou que, confrontadas com dois modelos de bonecas, uma, vestida com mini-saia, decote, sapatos altos e outros adereços, era preferida pela larga maioria das inquiridas a outra boneca vestida bem mais simplesmente com jeans e sapatos confortáveis. Na maioria dos casos, as meninas tendiam a identificar-se com a boneca sexy, aquela com a qual gostariam de parecer-se. É de supor que essa identificação era motivada pela crença de que ser sexy as tornaria mais populares, com as vantagens sociais que daí adviriam.
Ser popular é desejo de meninas, mas também de meninos; todavia, enquanto o caminho aberto às meninas para atingir esse objetivo passa por ser sexy, o mesmo não acontece com os meninos, para os quais ser popular é ser bom jogador, atleta, ou brilhante em outra qualquer atividade.
Neste mesmo estudo, composto por três amostras de meninas, duas recrutadas em escolas públicas e outra num estúdio de dança local, verificou-se que, para as meninas deste terceiro subgrupo, a boneca não sexy era a mais frequentemente escolhida; Como hipótese explicativa apontava-se o facto de que o dedicarem-se a uma atividade física, no caso a dança, estimulava uma maior apreciação pelo próprio corpo e uma autoimagem mais positiva, com a perceção de que ser sexy não é a única função do corpo e, porventura, não é a função mais importante.
Muitos fatores parecem explicar a tendência das meninas a valorizarem o corpo enquanto objeto sexual. Para começar os media e os modelos que propõem, mas também o exemplo das próprias mães. Em qualquer dos casos, um contexto extremamente difícil de mudar.
terça-feira, 10 de julho de 2012
Para uma teoria da alienação feminina
Segundo Marx, o trabalhador é alienado por dois motivos básicos: (1) primeiro porque é despojado do produto do seu trabalho – não tem controlo sobre aquilo que produz – (2)segundo, porque é impedido de realizar as suas potencialidades como ser humano, dado que não participa na organização do trabalho, não controla a sua atividade produtiva e é encarado como mais uma ferramenta que está ali para produzir um produto. A alienação do trabalhador é-lhe imposta de fora e ele sente-a negativamente; implica a fragmentação da pessoa humana e o impedimento de exercer funções especificamente humanas.
Para o trabalhador alienado, o trabalho em vez de ser fonte de humanização é uma função à qual ele quer escapar o mais depressa possível, apenas um fardo que tem de carregar para subsistir, como o animal de carga, alimentado pelo dono enquanto desempenhar a tarefa.
Mas a alienação sofrida pela mulher enquanto mulher – e não apenas enquanto trabalhadora - é diferente da alienação dos trabalhadores e Marx não forneceu instrumentos concetuais para lidarmos com ela. Assim, torna-se necessário construir uma teoria da alienação que a explique.
(1) Em primeiro lugar, a mulher sofre alienação cultural porque é obrigada a assimilar uma cultura para a qual não contribuiu, da produção da qual foi metódica e sistematicamente afastada, cujo objetivo básico é dominá-la; para o percebermos, basta lembrar a linguagem e a carga sexista implícita, a literatura enquanto veículo de misoginia, a ciência e a filosofia, igualmente eivadas de preconceitos sexistas, veiculando uniformemente uma imagem desvalorizada da mulher.
(2)Em segundo lugar, outra fonte de alienação é a objetificação sexual das mulheres, alienadas da sua própria sexualidade, convidadas a verem-se como objetos passivos do desejo de outrem, estimuladas a assumirem um modelo masculino de sexualidade, apresentado como universal. A objetificação sexual significa ser identificada com o corpo, reduzida ao corpo, que como sabemos até tem sido alvo de depreciação pelas religiões, culturas em geral e mesmo pelo senso comum: o ser humano tem corpo, mas a sua dignidade, o seu valor, entende-se, reside na sua mente e personalidade. A objetificação sexual das mulheres é uma forma de empobrecer o seu ser e de o fragmentar.
(3) Por último, mas não menos importante, as mulheres são alienadas do seu próprio corpo que, ao invés de entenderem como um instrumento para conquistarem o mundo e transcenderem a sua condição animal, lhes é apresentado como algo passivo que se destina apenas a ser visto e, em certas condições, a ser apreciado: uma mulher verdadeiramente feminina não corre, não salta, não se arrisca, não é uma «Maria rapaz»; é sossegada, bonita, decorativa.
Todos estes aspetos distinguem a alienação sofrida pelos trabalhadores da sofrida pelas mulheres; (4) mas há um outro, porventura ainda mais preocupante e a requerer explicação pela perplexidade que suscita: enquanto os trabalhadores experimentam a alienação como algo negativo e reagem com a percepção mais ou menos clara de que ela representa uma ameaça à sua identidade como seres humanos plenos, as mulheres, muitas mulheres, são cúmplices da sua própria alienação, não a percebem negativamente e até tiram prazer dela e em muitos casos ainda procuram melhorar a sua «performance», procurando tornar-se mulheres melhores, mais femininas, no que a feminilidade implica de alienação.
segunda-feira, 9 de julho de 2012
Sexualidade feminina - alguns equívocos
Nas mulheres, e falamos na generalidade dos casos, a sexualidade não exprime um desejo autónomo dirigido para um “objeto” exterior; as mulheres não se assumem como sujeitos dotados de sexualidade e esta atitude é ao mesmo tempo o sintoma de uma situação objetiva de dependência e de subordinação em relação aos homens e o reforço dessa mesma subordinação.
Se, nas mulheres, a sexualidade é a expressão da sua dependência e subordinação percebe-se por que é que usam o sexo para tentar reverter a situação, enquanto arma para “prender” o homem. O curioso ainda é que, uma vez atingido esse objetivo, é frequente desinteressarem-se do sexo.
Este paradoxo é resolvido se percebermos que não se entregam ao sexo pelo prazer que este lhes possa dar, mas como meio para atingir outra coisa, e, nesse processo, estão mais interessadas em agradar ao homem do que em que este lhes agrade. Uma vez atingido o objetivo, uma vez “laçado” o homem, o sexo é descartado como mercadoria sem valor e surgem as tão badaladas, quase anedóticas, dores de cabeça, ou as desculpas com as crianças que absorvem, diz-se, toda a sua energia pela atenção e cuidados que requerem.
Estes são alguns equívocos da vivência da sexualidade pelas mulheres e enquanto não forem encarados com realismo, não se afigura que sejam possíveis grandes progressos na sua emancipação sexual.
segunda-feira, 2 de julho de 2012
Amor - via para a liberdade ou caminho seguro para a servidão?
Afirmar que as relações amorosas heterossexuais são, com uma frequência bem maior do que gostaríamos de reconhecer, um espaço no qual ocorre crueldade mental e violência física e psicológica, mas também um instrumento para as mulheres aceitarem sem recalcitrar, em nome do amor, um lugar de submissão e de subserviência é ir contra a corrente e fazer de desmancha-prazeres.
O amor é visto pela mulher que se lhe entrega como o refúgio de um mundo exterior marcado pela desigualdade e pela agressividade; mas esta perceção é ilusória pois a esfera privada, na qual se vai acantonar, é do mesmo modo um lugar caraterizado pelo exercício de um poder que se abate sobre ela e contra o qual não consegue lutar precisamente por causa do amor que abraçou incondicionalmente.
Conscientes destes perigos bem reais do amor romântico, alguns teóricos contemporâneos, procuram isentar o amor e atribuem a opressão ainda vigente a mecanismos ideológicos de natureza religiosa, legal e cultural que continuam a atuar em favor dos interesses da ordem patriarcal. É esta precisamente a tese defendida por Anthony Giddens.
Para explicar esta mudança no sentido da democratização do amor, invocam-se não só as reivindicações feministas, mas também o exacerbamento do individualismo e da procura do prazer no curto prazo: ninguém está mais disponível para sacrifícios em nome de grandes palavras, a vida é curta, a morte certa e o carpe diem do filósofo torna-se o lema da nossa civilização.
Porque parece salvar o amor, a tese da democratização é muito sedutora; constrói uma narrativa de progresso social e em simultâneo mantém os princípios básicos do romantismo, no pressuposto implícito de que é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma. O amor continua a ser entendido como uma tábua de salvação e não se procede à análise da sua estrutura para decidir se ele é compatível com a apregoada democratização. Além disso, aparentemente a teoria da democratização do amor é consistente, pelo menos as investigações sociológicas não lhe encontram contradições, a igualdade amorosa parece ter pernas para caminhar; mas não será isto apenas wishful thinking? Como é que de repente se passa de um fenómeno – o enamoramento – misterioso, estranho inexplicável, para um enamoramento, negociável e preocupado com princípios de justiça social? Como é que uma realidade se pode manter idêntica quando assume caraterísticas tão diferentes?
Assim o problema em aberto que interessa resolver é o de saber se será possível conhecer a natureza do amor e determinar se ele é, em si mesmo, uma via para a liberdade ou bem pelo contrário o caminho seguro para a servidão.
domingo, 24 de junho de 2012
O 'Eu' e o 'Outro' - transcendência e imanência
A transcendência é o processo através do qual um ser humano ultrapassa – transcende - a condição dada à partida e cria a sua própria vida, fazendo escolhas e tomando decisões. Do ponto de vista metafísico, o sujeito orienta-se para o mundo dos possíveis e não se limita a aceitar o mundo dado como um destino a que passivamente se submete.
Como de Beauvoir refere, os meninos são socializados desde a mais tenra infância no sentido de se tornarem independentes dos adultos, de correrem riscos, fazendo-lhes sentir que se é mais exigente para com eles porque de alguma maneira são superiores: um menino não chora, não se queixa dos outros, não é mariquinhas, etc. etc. São encorajados a serem independentes e punidos se desistirem facilmente do empreendimento. É sempre a sua subjetividade que é estimulada, sob a forma de auto assertividade e autonomia.
Em flagrante contraste, o conceito de imanência tem implicações completamente diferentes. Viver na imanência é permitir que os constrangimentos e as contingências limitem a liberdade do indivíduo, que as assume ao invés de as procurar ultrapassar. O confinamento físico da vida das mulheres é o símbolo do seu confinamento psicológico, se o mundo exterior lhes é vedado, ou significativamente limitado, deixa de existir o mundo dos possíveis e apenas lhes resta a 'opção’ de se submeterem ao que se espera delas, ao mundo dado, percebido como uma necessidade e uma inevitabilidade.
Ora, as mulheres, na medida em que vivem num mundo social que as define como o ‘Outro’ e não essencial, que deixa o protagonismo aos homens, esses sim, definidos como essenciais, ficam condenadas à imanência e a sua subjetividade, embora dificilmente eliminável, já que é definidora de qualquer ser humano, independentemente do sexo, fica extremamente frágil e enfraquecida, condenada na melhor das hipóteses a afirmar-se por vias ínvias e por processos manipuladores.