sábado, 30 de janeiro de 2010

As anti-femistas e a campanha contra o voto para as mulheres

As anti-feministas partem do pressuposto de que há diferenças significativas a nível biológico e social entre homens e mulheres que determinam o exercício de papéis diferentes e não intermutáveis e que constituem a base para a complementaridade entre os sexos. A partir daí enfatizam a função maternal da mulher, acusando as feministas de a desvalorizarem e consequentemente de constituírem uma ameaça ao estatuto social da mulher e à ordem social existente que, no contexto da relação entre os sexos, consideram ser a preferível. Para elas, pelo menos para muitas, o que confere à mulher especificidade e importância é a sua função enquanto mãe e cuidadora dos filhos e do marido, garantindo assim as bases para uma ordem social estável e segura.

Se recuarmos um pouco no tempo, constatamos que as anti-feministas, mesmo as dos nossos dias, seguem a doutrina de Rousseau; este já no século XVIII pretendia restringir o papel da mulher considerando que a sua função era «servir» o homem - como defende no Emílio ou da Educação, com o argumento de que as mulheres exercem uma influência positiva na educação dos homens, e indirectamente na vida da nação, por isso preconiza que: «toda a educação das mulheres deve ser relativa aos homens. Agradar-lhes, ser-lhes útil, fazer-se amar e honrar por eles, criá-los quando jovens, cuidar deles quando crescidos, aconselhá-los, consolá-los, tornar a sua vida agradável e doce; estes são os deveres das mulheres em todos os tempos e o que se lhes deve ensinar desde a infância.»

Como Rousseau, também as anti-feministas - se quiserem manter uma linha de coerência, aceitam que as mulheres não devem buscar a sua realização enquanto indivíduos através da procura de afirmação pessoal que possa ser conseguida pelo estudo ou pelo empenho em carreiras artísticas ou profissionais,na esfera pública, mas devem limitar-se à esfera privada da família e viver, digamos assim, por interpostas pessoas, sejam estas os filhos, obviamente os do sexo masculino- já que as jovens filhas devem ser educadas para desempenharem os papéis tradicionais, ou os maridos, criando-lhes as condições de estabilidade, segurança e conforto familiar para que eles possam florescer na esfera pública.

Neste contexto, podemos perceber os argumentos utilizados nos fins do século XIX e inícios do século XX pelas anti-feministas para justificarem a sua oposição à concessão do direito de voto para as mulheres, que era reivindicado pelas feministas. O slogan repetido era «O sufrágio da mulher opõe-se aos direitos da mulher» e procurava convencer as mulheres de que, no seu melhor interesse, se deveriam opor e fazer campanha contra essa reivindicação que consideravam espúria pois que se o direito de voto lhes fosse concedido, perderiam privilégios e veriam o seu estatuto de esposas e de mães diminuído já que pelos arranjos sociais existentes, as mulheres, por direito informalmente reconhecido, não precisavam de trabalhar pois os maridos proviam financeiramente às necessidades da família. Por outro lado, argumentavam que o exercício de direitos políticos iria distrair as mulheres da centralidade do seu papel enquanto esposas e mães.

Josephine Dodge, líder fundadora em 1911 do contra-movimento conhecido pela sigla NAOWS – National Association Opposed to Woman Suffrage, casada com um homem rico e poderoso (praticamente todas as lideres e membros influentes das organizações feministas estavam ligadas por casamento a políticos ilustre ou a barões da indústria) escreveu palavras bem esclarecedoras:

«É direito de uma mulher estar isenta de responsabilidade política de modo a que possa ficar livre para prestar o seu melhor serviço ao Estado. O Estado garante-lhe legislação protectora em ordem a que ela possa atingir a sua mais elevada eficiência naqueles departamentos do mundo do trabalho que pela sua natureza e pelo seu treino melhor se lhe adaptam.»

Quer dizer a função da mulher esgota-se no seu papel de esposa e mãe e para bem desempenhar esse papel os assuntos políticos não a devem perturbar e o Estado deve protegê-la. Repare-se como se justifica a recusa de direitos políticos para as mulheres: deixam de ser direitos e passam a ser um encargo que é melhor reservar para os homens, com o pressuposto de que eles irão sempre legislar no melhor interesse das mulheres. De facto, se considerarmos que o melhor interesse das mulheres é, como dizia Rousseau, agradar e servir os homens, então não há qualquer problema. E postas as coisas cruamente é assim que as anti-feministas «vêem» o lugar da mulher na sociedade. Com isto todavia não conseguem fugir a uma contradição de fundo: é que o papel que elas advogam para «a mulher» não é nada parecido com o que elas próprias assumem enquanto líderes de organizações que procuram fazer a diferença na esfera pública; podem sempre argumentar que se trata de um papel provisório, uma espécie de missão, que abandonarão tão logo sejam conseguidos os objectivos que se propõem, para regressarem ao recato do lar doméstico, mas este argumento não parece muito convincente pois elas não conseguem esconder pela sua própria prática de vida a necessidade de protagonismo que as suas adversárias até reconhecem como legítima. Mas apesar desta contradição, que deveria suscitar alguma reflexão crítica, o facto é que a retórica anti-feminista foi perigosa porque conseguiu fazer passar junto de muitas mulheres a imagem de que as sufragistas pretendiam destruir a Família e prejudicar as mulheres, que perderiam o direito a serem suportadas financeiramente pelos maridos. Ora, mesmo em relação à família, o que as sufragistas defendiam era um modelo de família em que a relação de domínio/submissão não tivesse lugar e fosse substituída pela cooperação e pelo verdadeiro companheirismo. Defendiam ainda o acesso das mulheres à educação e ao trabalho considerado socialmente produtivo como garantia de autonomia pessoal em todos os domínios, a começar pelo financeiro que é o básico e o suporte de todos os outros, o que não implicava obrigar as mulheres a desistirem do ideal de vida exclusivamente doméstica se essa fosse a sua real opção.

As anti-sufragistas acabaram por perder a batalha pois o direito de voto para as mulheres foi aprovado nos Estados Unidos em 1920, mas continuaram a postos para minarem os sucessos alcançados ou para integrarem movimentos de reacção em outras frentes. Um desses movimentos foi a WKKK – Women of the Ku Klux Klan que, como o congénere masculino, defendia a pureza racial, étnica e religiosa, considerada indispensável para a grandeza da nação americana; nessa conformidade advogava ainda o apoio à procriação dos casais brancos (preferencialmente protestantes) como antídoto contra a proliferação de indivíduos de outras raças. Curiosamente, ainda hoje esse argumento é invocado quando se discute a questão do aborto, só que agora o perigo já não parecem ser directamente os negros ou os judeus, mas os muçulmanos.

A KKK e a sua porta-voz feminina a WKKK deixaram uma memória muito triste e lamentável na história americana e é de notar como aquelas que se opunham aos direitos das mulheres afinal também se mostravam disponíveis para fazerem coro com aqueles que se opunham aos direitos dos negros, pretendendo manter estruturas sociais injustas, discricionárias e anquilosadas e não hesitando em recorrer ao terrorismo para alcançar pelo medo o que não conseguiam através da luta politica tradicional. O mesmo estratagema é usado ainda hoje, no fundo pela mesma gente, quando recorre ao assassínio de médicos e de pessoal de clínicas que praticam o aborto, no quadro da lei estabelecida nos Estados Unidos, para conseguirem pelo terror o que não conseguem na arena política.

No decurso da segunda guerra mundial, organizações anti-feministas defenderam o anti semitismo e o isolacionismo norte americano mostrando mais uma vez a sua propensão anti-progressista e reaccionária, ou seja, a sua verdadeira face.
A partir dos finais da década de 70 do século XX as organizações anti-feministas reciclaram-se, fizeram algumas concessões e modificaram o discurso, mas os pressupostos básicos e os objectivos não se alteraram substancialmente.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Organizações anti-feministas

Nos Estados Unidos existem actualmente várias organizações anti-feministas, mas, pela sua influência na vida americana, duas delas destacam-se nitidamente, a IWF (Independent Women’s Forum) e a CWA (Concerned Women for America). Estas organizações agrupam mulheres conservadoras, são activas, bem estruturadas, com capacidade de intervenção na esfera política e com acesso às organizações governamentais e aos Media.

A CWA foi criada em 1979 tendo como objectivo específico combater o ERA (Equal Rights Amendment) e é uma organização de mulheres conservadoras de filiação evangélica com preocupações morais tanto a nível da esfera privada quanto da esfera pública, que se opõe ao aborto, aos direitos civis para os homossexuais e que defende a reintrodução da oração nas escolas.

A IWF é uma organização económica conservadora criada em 1992 tendo como uma das fundadoras a senhora Lynne Cheney, esposa do vice-presidente na época Dick Cheney. Enquanto centrada em questões económico-políticas, a IWF procura limitar o número e o alcance de programas sociais federais, opõe-se a medidas limitativas e regulamentadoras da esfera económica e preconiza o desenvolvimento do sector privado no fornecimento de bens e de serviços públicos, adoptando assim uma linha nitidamente neo-liberal que pretende reduzir ao mínimo a interferência do Estado na vida dos cidadãos. Em relação a questões como o aborto, a IWF não intervém nem se pronuncia oficialmente.

Para além dos objectivos específicos acima enunciados, estas organizações cumprem uma agenda mais ampla, visando em primeiro lugar destruir a hegemonia feminista enquanto representante exclusiva dos interesses das mulheres. Não só contestam que o movimento feminista represente os interesses das mulheres como colocam em questão a definição desses interesses pelo movimento, e procuram intervir, sempre que oportuno, para minarem o sucesso das políticas propostas pelas feministas. Habilmente, através de uma retórica bem conseguida, apresentam valores conservadores sob roupagens feministas e conseguem atrair a atenção e o apoio de um número significativo de mulheres não só para os objectivos específicos que propõem, mas também conseguem mobilizá-las para a eleição de governos e de governantes conservadores. Como se costuma dizer, matam dois coelhos de uma só cajadada: reduzem a audiência e o impacto das organizações feministas e atraem mulheres para as políticas de direita que assim ficam legitimadas perante o eleitorado feminino.

As organizações anti-feministas não podem ignorar que, apesar do repúdio pela designação de «feministas», muitas mulheres sentem que as suas condições de vida foram favorecidas pelas reivindicações e pelas lutas que o movimento feminista empreendeu. Um inquérito recente realizado nos E. U mostrou que 80% das inquiridas considerava de forma positiva o Movimento das Mulheres (Women’s Movement) entendendo que este tinha aberto novas janelas de oportunidades para as mulheres tanto no plano económico como no educacional. Por isso um dos objectivos das organizações anti-feministas é mostrarem que se preocupam com os interesses das mulheres e este é conseguido através da integração de mulheres nos quadros políticos de partidos de direita ou em lugares de relevo de organizações governamentais. Ainda recentemente na eleição presidencial de 2008/2009, a escolha pelo partido republicano da governadora do Alasca Sara Palin para o cargo de vice-presidente parece ter correspondido a essa necessidade de mostrar às mulheres americanas que um partido conservador também se preocupa com as mulheres e coloca mulheres ou apresenta-as para eleição em cargos públicos de relevância nacional.

Apesar da importância óbvia destas organizações anti-feministas e do perigo que podem representar para o feminismo, o meio académico não tem mostrado interesse na sua análise e interpretação e escasseiam as publicações sobre o tema; esta atitude, em minha opinião, é preocupante pois parece-me que a política da avestruz de pôr a cabeça debaixo da areia, isto é, a política de ignorar os problemas, não consegue por esse meio eliminá-los, bem pelo contrário.

Por outro lado, simplificar a questão, pretendendo que as mulheres anti-feministas são vítimas de falsa consciência, pode não ser a melhor estratégia, mesmo que tal pretensão correspondesse à verdade, o que é discutível. Se reflectirmos um pouco sobre a psicologia da vítima constatamos que muitas pessoas que consideramos como vítimas recusam assumir esse estatuto e negam essa «realidade» a fim de protegerem a sua auto-imagem, estes processos de auto-mistificação resultam em princípio da actuação de mecanismos que operam ao nível do inconsciente ou do subconsciente.
Para nós, feministas, é óbvio que as anti-feministas estão a realizar as vontades dos seus maridos e a promover os valores familiares que a sua religião apresenta como fundamentais e inegociáveis. E objectivamente as coisas passam-se dessa maneira; por isso é que tanto os partidos políticos de direita como os Media (controlados por quem detém o capital, em princípio homens) dão um protagonismo por vezes nitidamente excessivo a mulheres que defendem os valores tradicionais e o status quo e ignoram ou desvirtuam completamente as propostas apresentadas pelas outras.

Claro que palavras como as que Dworkin pronunciou acerca das anti-feministas encontram eco na minha mente e na de muitas outras pessoas, somos tentadas a aceitá-las pelo seu valor facial:
«A tragédia é que mulheres tão preocupadas com a sobrevivência não conseguem reconhecer que estão a cometer suicídio. O perigo é que mulheres com espírito de auto-sacrifício dão soldados-rasos perfeitos que obedecem a ordens não importa quão criminosas essas ordens possam ser. A esperança é que essas mulheres, perturbadas com o conflito interno que não pode ser silenciado por manipulação, se vejam forçadas a articular as realidades das suas próprias experiências enquanto mulheres que se submetem à vontade dos homens.»

Mas para perceber por que motivos tantas mulheres se filiam e apoiam organizações anti-feministas não se pode ficar por aqui;interessa perceber o que tem vindo a afastar as mulheres do apoio declarado ao feminismo já que, mais indirectamente, não negam nem muito menos repudiam as vantagens que com ele alcançaram; numa palavra é urgente tomar consciência dos problemas e das dificuldades ao invés de optar pela reacção emocional primária; por outro lado, torna-se necessário desmontar a retórica anti-feminista ou pelo menos contrapor-lhe uma retórica paralela, à altura. Estas, parece-me, são tarefas e desafios prioritários.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

«The New Woman»

Nos finais do século XIX e inícios do século XX, o movimento feminista conheceu um momento de grande optimismo e fé num futuro que finalmente haveria de trazer liberdade e igualdade para as mulheres. O objectivo do movimento era a conquista do direito de voto e este era entendido como um instrumento que iria permitir modificar os arranjos sociais existentes que, particularmente através da instituição do casamento, se revelavam extremamente limitativos para a autonomia das mulheres.

O feminismo parecia estar na ordem do dia; mas o contra-ataque não se fez esperar. Desde logo surgiram inúmeros artigos publicados por médicos, psicólogos, sociólogos e outras autoridades cujo objectivo, devidamente camuflado sob a capa da descrição objectiva que a ciência permitiria, era o de persuadir as mulheres de que deveriam limitar-se ao desempenho do papel que Deus e a biologia para elas tinham reservado.

Intelectuais aparentemente progressistas, como por exemplo E. Belfort Bax, juntavam-se ao coro, manifestando abertamente sentimentos anti-feministas e fazendo campanha declarada contra o feminismo. O livro de Belfort Bax então publicado The Fraud of Feminism, não deixa lugar a dúvidas, o objectivo declarado pelo autor no prefácio é «contestar o novo movimento feminista, denunciando as infamantes falsidades, as declarações convencionais que não são meras perversões da verdade, mas que são directa e categoricamente contrárias à verdade e que se mantém pelo simples facto de serem repetidas sem serem contraditadas.»

Belford Bax era apenas um dos muitos que «responderam com pessimismo ao nascimento dos tempos modernos, para os quais a emancipação das mulheres era central, experienciando-a acima de tudo como uma crise de identidade masculina.»[1]

O contra-ataque não foi apenas protagonizado por homens, também as mulheres se manifestaram em desfavor das pretensões feministas. Caso esclarecedor foi o da escritora Laura Marholm Hansson que exemplifica a estratégia e a retórica então utilizada. Apelando para a natureza feminina, glosando a «alma da mulher» utilizando com oportunidade expressões como «as verdadeiras mulheres» e «os reais interesses das mulheres», Marholm Hansson critica as pretensões intelectuais das «novas mulheres» - expressão usada sempre depreciativamente, defendendo que essa «intelectualidade estéril» não contribuía de modo nenhum para a sua realização.

A «Nova mulher», expressão designativa da mulher emancipada, era descrita e ridicularizada nos meios de comunicação social da época, jornais, revistas, cartoons. O retrato mostrava mulheres pouco ou nada atraentes fisicamente (lembremos que desde sempre a beleza era o atributo feminino mais valorizado), educadas (intelectuais); amantes dos desportos (símbolo da liberdade física), fumadoras (símbolo de emancipação nos costumes) e hostis ao casamento (destino que desde sempre era apresentado em exclusividade, e sem outra opção, para as mulheres). Numa palavra a «nova mulher» não era uma verdadeira mulher e deve reconhecer-se que este retrato não era favorável a que a maioria das mulheres se identificasse com as feministas, bem pelo contrário. É de supor que os cartoons que ridicularizavam as feministas, se aceitarmos o slogan de que uma imagem vale mais do que mil palavras, faziam estragos irreparáveis e duradouros. De facto foi isso que aconteceu e que ainda hoje se mantém.
[1] European feminisms, p. 183

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O feminismo e os Media

Que os homens não nutram particular simpatia pelo movimento feminista e que, em muitos casos, até lhe sejam adversos, é compreensível; afinal, enquanto membros da fraternidade masculina, gozando de privilégios que um milenar estatuto de superioridade e de supremacia lhes confere, é natural que, mesmo sem quererem, mesmo quando manifestam as melhores intenções, se sintam algo ameaçados por um movimento cujo objectivo é reverter uma situação que lhes é muito favorável.

Já a posição das mulheres, de muitas, provavelmente até da maioria, que directa ou indirectamente manifestam hostilidade em relação ao movimento, negando-se a assumir a sua bandeira, reclamando mesmo que não são feministas ou definindo-se até como anti-feministas, é bem mais difícil de compreender: como é que mulheres podem rejeitar um movimento que luta pelos direitos das mulheres, um movimento que é responsável por muitas das conquistas que são hoje dados adquiridos para as mulheres!?

Algumas hipóteses se colocam no sentido de esclarecer tão intrigante postura.
Em primeiro lugar a imagem que o feminismo passou e continua a passar, habilmente explorada pelos Media em todos os momentos em que se mostrou mais interventivo e, consequentemente, mais perigoso pelo abalo que poderia provocar no status quo, é uma imagem deturpada e desfocada que visa desmobilizar as mulheres no sentido destas não aderirem nem simpatizarem sequer com o movimento.

O feminismo é apresentado como o machismo, só que de sentido contrário: as feministas odiariam os homens, estes, se o que elas preconizam fosse realizado, seriam discriminados negativamente e transformar-se-iam em suas vítimas. Ao traçar paralelo entre machismo e feminismo, paralelo que infelizmente é facilitado pela própria fonética e sentido das duas palavras, omite-se que o machismo advoga abertamente a superioridade dos homens sobre as mulheres, enquanto o feminismo apenas pretende estabelecer um patamar de igualdade entre os sexos no plano dos direitos sociais e políticos. Claro que a realidade existente mesmo nos países mais evoluídos em questões de género mostra bem que não há qualquer vitimização dos homens e que, bem pelo contrário, apesar de todos os avanços, eles continuam a deter as alavancas do poder a todos os níveis, desde o poder económico até ao político, passando pelo domínio dos meios de comunicação que, sabemos bem, são responsáveis pelos próprios ataques de que o feminismo é o alvo preferencial. Mas, isto que para mim e para muitas pessoas que reflectem sobre o assunto é evidente, não se apresenta nestes termos para a maioria que, não só não é informada, como, o que é bem mais grave, é sistematicamente desinformada.
Por outro lado as feministas são apresentadas como «machonas», frequentemente até ridicularizadas, representadas em cartoons com barba, aspecto desmazelado e nada atraente; a representação às vezes é extremamente agressiva, como aconteceu com Hilary Clinton na última corrida presidencial norte americana ao ser representada escondendo um pénis entre as pernas. Tudo visa mostrar que as feministas não são femininas, leia-se, não são «verdadeiras» mulheres, e apenas pretendem usurpar o lugar e os papéis que normalmente cabem aos homens.

Esta deturpação da imagem da feminista não é de hoje; já no século XVIII o prestigiado Imanuel Kant, um dos ícons da Modernidade, refere-se a mulheres do seu tempo, cujo única pretensão era acederem à instrução literária e científica, nos seguintes termos: «Uma mulher que tenha a cabeça cheia de grego, como Madame Dacier, ou que se envolva em controvérsias fundamentais sobre mecânica, como a Madame de Chatelet - também devia ter uma barba, pois que talvez esta expressasse mais obviamente o semblante de profundidade no qual tanto se empenha»

Se um dos homens mais ilustres da época pode proferir tais disparates com tamanha impunidade, o que podemos esperar de outros dos nossos dias que de facto devem bem menos à ilustração e ao conhecimento?

domingo, 24 de janeiro de 2010

Mulheres e poder político

A partir de 23 de Janeiro 2010, o governo boliviano tem uma composição igualitária, com 10 homens e 10 mulheres ocupando pastas ministeriais. Ao dar posse ao novo gabinete, Evo Morales afirmou: «a presença de 50% de ministras no gabinete é uma homenagem à minha mãe, à minha irmã e à minha filha».
Entre outras pastas, as da Justiça, da Luta contra a Corrupção, da Saúde, do Desenvolvimento Rural e da Produção passam a ser desempenhadas por mulheres.
Votos de sucesso para os novos governantes e para as novas governantas!
P.S. podem ler a notícia mais completa aqui

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Sim é sim e não é não

A sexualidade feminina tem sido reprimida através dos séculos, nas diferentes épocas e culturas; essa repressão foi o meio que as sociedades de supremacia masculina utilizaram, e ainda utilizam, para a controlar. É nesse sentido que práticas flagrantemente misóginas como a ablação do clítoris, a proibição do aborto em todas e quaisquer circunstâncias e a negação do recurso a anticoncepcionais devem ser entendidas: controlar os corpos das mulheres, negar-lhes autonomia, é um meio - muitas vezes disfarçado com o apelo a slogans que só tem força porque espaldados em convicções religiosas, de manter a dominação de uns e a submissão de outras.
Por este motivo, desde sempre a educação das jovens as condicionou a resistirem aos avanços masculinos, mesmo se esses avanços eram por elas desejados, e levou ao cultivo de virtudes pretensamente femininas como a modéstia e o pudor, sempre ligadas ao comportamento sexual das mulheres. Por isso é que muitas ainda hoje sentem vergonha em relação ao sexo e se sentem desconfortáveis em falar do assunto, mesmo quando se atrevem a fazê-lo; por isso também é que muitos homens interpretam um não como um sim disfarçado que afinal só coloca, como diria Rousseau, um pouco de pimenta (leia-se excitação) na relação.
Está na hora, todavia, de as mulheres reconhecerem e aceitarem os seus desejos, o seu direito ao prazer sexual, o que significa dizerem sim quando o sexo corresponde ao que no momento realmente querem e dizerem não, e assim serem entendidas, quando por qualquer motivo não estão interessadas. Os homens, de facto, só vão perceber que não significa não, se perceberem que a mulher afinal também tem vontades próprias e o direito de as satisfazer.
Estas considerações foram inspiradas pela leitura de um excelente livro que recomendo vivamente e que podem encontrar na gigapedia; para abrir o apetite traduzo o seguinte excerto:

«No esforço incessante de descrever homens e mulheres como opostos, os homens assumem o papel do agressor sexual e esperam que as mulheres sejam sexualmente evasivas. Embora a virgindade até ao casamento seja praticada por muito poucas mulheres, permanecem profundamente enraizados os padrões de virtude feminina, e as mulheres raramente são ensinadas a como dizer sim ao sexo, ou como agir em função dos seus desejos. Mais, dizem-lhes que na actividade sexual os papéis implicam homens insistentes e mulheres que colocam um travão a essa insistência.
Ao mesmo tempo que isto compromete claramente a subjectividade sexual das mulheres, também desfavorece os homens e impede que eles assumam os seus próprios desejos com autenticidade. Os homens são tão versados na dança sexual quanto as mulheres e se eles estão plenamente convencidos de que se espera que as mulheres digam não, mesmo quando gostariam de dizer sim, estarão pouco inclinados a aceitar um não pelo seu valor facial.»

Jaclyn Friedman e Jessica Valenti: Yes means yes, visions of female sexual power and a world without rape. Seal Press, 2008. Encontram mais informação aqui

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

«Masculinidade» vergonhosa

No Guardian de 15 de Janeiro último, foi publicado um artigo que refere uma investigação conduzida por uma associação de defesa de mulheres vulneráveis na qual foram entrevistados 103 homens em Londres acerca do seu «uso» de prostitutas.

A um dos entrevistados, jovem, bem parecido e inteligente, perguntou-se quantas vezes ele pensava que as mulheres a quem ele pagava tinham prazer no sexo. Respondeu «Eu não quero que elas tenham qualquer prazer, eu pago e é trabalho delas dar-me prazer: Se elas gozassem sentir-me-ia ludibriado.» Questionado sobre se achava que as prostitutas eram diferentes das outras mulheres, disse: «O facto de elas estarem preparadas para fazer um trabalho que outras não estão … significa que há qualquer capacidade dentro delas que permite que o façam sem se sentirem desgostosas».

Muitos outros entrevistados acreditavam que os homens «precisam de violar, se não puderem pagar pelo sexo de que necessitam. Um disse: «Por vezes tu podias violar alguém, em vez disso podes procurar uma prostituta.» Outro colocou a questão desta maneira: «Um homem desesperado, que precisa desesperadamente de sexo para se aliviar, pode ser capaz de violar.»
A partir daqui conclui-se que não são as feminstas como Andrea Dworkin ou a própria entrevistadora as responsáveis pela ideia de que todos os homens são potenciais violadores – por vezes os próprios homens o reconhecem.

P.S. Este texto foi traduzido e adaptado do post do blog Feminist philosophers de 19 de Janeiro de 2010.

Podem ler o artigo do Guardian aqui:


terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Virtudes da misoginia

Hoje não é frequente encontrar homens que exprimam ou verbalizem sentimentos misóginos porque em certo sentido isso deixou de ser politicamente correcto. Afirmar que as mulheres são inferiores aos homens e que a relação entre os sexos é uma relação de domínio/ submissão, pelo menos em público e no Ocidente, deixou de ser aceitável, mas isso não impede que esse verniz estale na primeira e mais leve oportunidade e que a prática e a realidade do quotidiano desmintam essa postura teórica.

De qualquer modo já avançamos um pouco, e esse pouco é significativo, se lembrarmos que ainda nos fins do século XVIII, Kant podia estabelecer e defender, sem se sentir minimamente perturbado, a necessidade das mulheres serem dominadas pelos homens:

«A natureza requer, explicou Kant, que a espécie se propague. Para esse propósito, é necessária a união entre homens e mulheres, uma união na qual é requerida diferença para assegurar uma adaptação coesa. Para que tal união seja estável, uma das pessoas tem de submeter-se à outra e, correspondentemente, uma deve ser superior à outra de modo a dominar ou governar» (Kant, Antropologia, citado por Andrea Nye in Feminism and Modern Philosophy.)

Deste modo, a filosofia pela voz de um dos seus mais autorizados pensadores deu expressão a um preconceito corrente na época e ainda hoje largamente difundido - Kant não se limitou a exprimir o preconceito, também o reforçou, acrescentando-lhe justificação, fornecendo-lhe o racional. Não passou pela cabeça de Kant que a união entre homem e mulher pudesse ser fundada na cooperação; a relação de domínio/ submissão é por ele vista como inevitável, porque fundada na natureza, e desejável, porque necessária para a perpetuação da espécie.

Afinal a misoginia sempre tem as suas virtudes!!

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A minha vida é a maior empresa do mundo

Escolho hoje este poema de Fernando Pessoa para lembrar às mulheres que a vida de cada uma «é a maior empresa do mundo»:

Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e tornar-se um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um 'não'. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...(Fernando Pessoa)


Se a tua vida é a maior empresa do mundo, revolta-te, em vez de ficar deprimida; denuncia a injustiça, em vez de conviver com ela; une-te, em vez de permanecer isolada!

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Mulheres, maternidade e carreira profissional

No reino Unido está em curso uma campanha destinada a promover debate de ideias sobre problemas de género. A imagem acima apresentada insere-se nesse contexto.
Mas, pergunto-me, dada a prevalência do sexismo nas nossas sociedadades não se está a correr o risco de fazer propaganda a ideias feitas, ao invés de as contestar? Não seria preferível ter ao menos colocado uma interrogação no fim da frase que este famoso «cartão postal britânico» publicita tão energicamente?

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Preconceitos científicos – ontem e hoje

A - As mulheres não devem frequentar as universidades porque o esforço intelectual desvia energia dos seus órgãos reprodutivos.

No século XIX, quando as mulheres começaram a reivindicar acesso às universidades, de imediato surgiram autoridades a denunciarem os prejuízos que daí decorreriam já que, dizia-se - e ninguém se atrevia a contestar porque se tratava de uma opinião científica, não convinha que as mulheres desenvolvessem esforço intelectual vigoroso requerido pelos estudos superiores porque tal iria desviar energia dos seus órgãos reprodutivos e poderia torná-las inférteis.

Convém lembrar, todavia, que já antes, no século XVIII, quando mulheres influentes e cultas procuraram instruir-se em áreas científicas, filósofos como o «sublime» Kant tinham tentado ridicularizar o seu esforço considerando essas mulheres uma espécie de monstros de circo às quais convinha melhor o uso de uma barba em razão das suas pretensões masculinas.

Para além dos filósofos também o senso comum reforçava a ideia de que a ilustração e o conhecimento não convinham às mulheres, dizia o povo e os literatos secundavam: Livre-nos Deus da burra que faz him e da mulher que sabe latim; ainda com mais grosseria também o povo dizia e diz: quem sua mulher ensina a ler ou é corno ou está para o ser.

Como se vê até uma pretensão tão simples como a da instrução era negada às mulheres sob os mais diferentes pretextos e essa negação era justificada pelos filósofos e como não podia deixar de ser pelos próprios cientistas, não fossem eles todos elementos da confraria masculina que acima de tudo percebiam muito bem que iriam perder privilégios com a instrução das mulheres. Por tudo isto não é assim tão estranho que em pleno século XXI, (2005)um ilustre presidente da Universidade de Harvard numa conferência académica tenha procurado justificar a sub-representação das mulheres em profissões científicas e tecnológicas com o argumento de que as suas aptidões (inatas) são muito diferentes das dos homens, o que em sua opinião explicaria essa sub-representação.

A arma mais importante para a libertação das pessoas é o conhecimento, daí que negar o acesso ao conhecimento seja o meio mais eficaz para mantê-las oprimidas. Depois, se não for de todo possível manter as pessoas na ignorância, distorcer o conhecimento também pode dar muito jeito.
Como a imagem documenta, muitas mulheres em epocas recuadas preferiam a reclusão da vida monásticas pois aí gozavam paradoxalmente de alguma liberdade e podiam instruir-se sem estarem sujeitas à zombaria e escarnio social.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Reorganizar a vida familiar

Uma investigação empreendida no Canadá em Agosto de 2008: «Models of Earning and Caring, Determinantes and Implications» concluiu que os casais que partilham equitativamente as tarefas e as responsabilidades domésticas e com a criação dos filhos, isto é, em que cada um realiza entre 40 a 60% do trabalho não pago, reportam em média índices mais elevados de felicidade e de satisfação com a própria vida. A investigação sugere ainda que esta partilha de tarefas acaba por beneficiar não só as próprias mulheres como também a sociedade no seu todo pois torna mais rentável a participação de toda a população adulta no trabalho socialmente produtivo. Ademais diminui significativamente a vulnerabilidade das mulheres em caso de divórcio ou morte do marido. O estudo aconselha o governo canadense a tomar medidas que estimulem a partilha das tarefas domésticas e das responsabilidades familiares.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Ciência e sexismo

Aceitamos que ao nível do senso comum o nosso conhecimento acerca da realidade que nos cerca é subjectivo e relativo. Estas características encontram-se expressas em provérbios populares que dizem por exemplo, «cada cabeça, sua sentença; «quem o feio ama bonito lhe parece»; quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto, etc etc.

Também sabemos que o conhecimento filosófico e as conclusões que estabelece, por mais rigoroso e racional que seja o processo utilizado, embora mais fiável que o do senso comum, é conhecimento controverso e não nos sentimos na obrigação de lhe dar a nossa adesão incondicional.

Já quanto à ciência, a tendência natural é para aceitar como verdadeiras as conclusões a que os cientistas chegam, sem haver qualquer margem para discussão, esquecendo que os cientistas são pessoas como nós e sobretudo foram desde sempre exclusivamente do sexo masculino - só agora as coisas começam a mudar timidamente, e acabam por interiorizar valores e preconceitos da época, com a agravante de pretenderem estar acima deles.

Tudo isto vem a propósito para chamar a atenção para o viés sexista da ciência ocidental bem ilustrado pelos exemplos a seguir apresentados, acerca da capacidade intelectual das mulheres:

«Um dos temas favoritos (da ciência ocidental) tem sido o da capacidade intelectual das mulheres. No século XVII por exemplo dizia-se que o cérebro das mulheres era demasiado «frio» e «mole» para poder servir de suporte ao pensamento rigoroso. No século XVIII a cavidade craniana das mulheres era considerada demasiado reduzida para alojar um cérebro poderoso. No século XIX, pensava-se que o exercício cerebral desenvolvido pelas mulheres era prejudicial aos seus ovários. No século XX, sugere-se que o modo como as mulheres processam a informação espácio-visual (usando supostamente o hemisfério esquerdo em adição ao direito) torna-as pretensamente inferiores na aptidão relacionada com a visão no espaço (incluindo as aptidões matemáticas)»
Janet Kourany: Philosophy of Science

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Ciência, objectividade e perspectiva masculina

Temos hoje como um dado incontroverso que o pensamento filosófico reflecte sempre as circunstâncias sociais em que é produzido, é sempre o pensamento de uma determinada época e a sua aspiração à universalidade e à intemporalidade é isso mesmo, aspiração. O filósofo é filho do seu tempo e não há como rejeitar essa paternidade. Hoje praticamente esta situação é reconhecida, não suscita polémica e não torna menos prestigiante a actividade filosófica, embora a envolva sempre em alguma suspeição, suspeição essa até saudável e consistente, se aceitarmos que a crítica, a dúvida, o cepticismo tem de ser elementos constitutivos do labor filosófico.
Já em relação à ciência e ao conhecimento científico o seu estatuto, por ora, encontra-se menos abalado, pois que, por um lado, é um conhecimento que pretende ater-se aos factos e, por outro, rodeia-se de uma panóplia de mecanismos de registo e de validação que, pensa-se, lhe garantem a racionalidade pura, pela anulação do sentimento e da emoção, numa palavra do parti e pris afectivo do cientista. Por isso, a ciência, até há bem pouco tempo, pôde arrogar-se a pretensão de descrever o mundo de um modo neutro, puramente racional, universal e objectivo descrevendo a realidade de uma forma imparcial. Mesmo ainda hoje é assim que a grande maioria das pessoas a percebe e lhe reconhece aquele poder que habitualmente só a associação entre conhecimento e verdade suscita. Mas, também há já quem comece a perceber que assim como a filosofia é feita por filósofos e estes são filhos do seu tempo, do mesmo modo a ciência é feita por cientistas e estes também não podem negar a sua filiação. Há já quem perceba o óbvio - escondido durante tanto tempo, a ciência é uma actividade social e, por isso, pese embora a sua pretensão à neutralidade e à universalidade, incorpora necessariamente os valores da sociedade em que é produzida porque, enquanto pensamento humano, é determinada pelas condições económicas e culturais da sociedade.

As sociedades em que a filosofia e a ciência, os mais altos expoentes do saber humano, têm sido produzidas, são inegavelmente sociedades sexistas nas quais os homens foram os protagonistas exclusivos; só a partir da época contemporânea as mulheres, timidamente, se vêm aventurando nestes redutos masculinos; e, assim como no passado, filosofias e ciências produziram concepções do mundo, da vida, das relações entre os sexos, que basicamente exprimiam o ponto de vista masculino, hoje não podemos esperar que, por um golpe de mágica, passem a descrever a realidade e, particularmente, as relações sociais sem o preconceito de género que desde sempre as condicionou.

Não mais é possível manter a ilusão de que a ciência descreve objectivamente a realidade – a ciência é feita por sujeitos e não pode anular-se a sua subjectividade sob pena de se anular o conhecimento; mas é possível alimentar a ambição de que ela deixe de descrever a realidade partindo da subjectividade masculina, partindo da perspectiva dos homens que é apenas um ponto de vista, que está longe de ser o único e não é com certeza nem neutro, nem imparcial e muito menos universal. Mas para que isso possa acontecer é necessário que cada vez mais e mais mulheres sigam carreiras cientificas, integrem e comecem mesmo a chefiar equipas de investigação. Aqui como em outros domínios é de esperar que os interesses das mulheres comecem a ser acautelados.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Tudo é subjectivo, mas há subjectividades mais confiáveis do que outras!!

Eu sou feminista, portanto, dizem-me, não posso ser objectiva, não consigo perceber com imparcialidade a realidade que me cerca, muito particularmente a realidade da opressão que as mulheres suportam pelo simples e puro facto de … serem mulheres. Eu não posso ignorar a minha subjectividade. Concordo, mas agora pergunto-me, quem é que pode?
Serão os homens mais capazes de objectividade quando a questão têm a ver com as mulheres? É facto que estão mais distanciados pois não sofrem opressão pelo facto de serem homens, mas, mesmo assim, isso não lhes dá qualquer vantagem porque eles são, ainda não o querendo, os beneficiários directos da opressão do sexo feminino; e têm todo o interesse do mundo em a justificarem. É a «confraria» masculina que, como um todo, continua a orquestrar a música que nos rege e ao som da qual dançamos. Umas, alegres, com a bem-aventurança que caracteriza a pobreza de espírito, outras, mais amargas, com a sabedoria que decorre de experiências que não são aceites acriticamente.
Tudo parece conjugar-se para nos levar a concluir que temos de viver com as subjectividades; mas, se calhar, a subjectividade dos pobres que apenas recebem as migalhas do sistema capitalista para sobreviverem; a subjectivdade de quem sofre discriminação racial ou a subjectividade das mulheres que são lesadas por um sistema opressivo, são subjectividades mais confiáveis do que as dos ricos, dos brancos ou dos homens, beneficiários do sistema. E por isso, não podem ser descartadas sob o labéu de que não evidenciam uma visão objectiva, neutra e imparcial da realidade.