«Nós, homens, herdamos, através das diferentes gerações, o modelo do homem tradicional, baseado em ideias de força, poder e competitividade. O homem tem de ter êxito, dirigir, dispor conforme a sua conveniência. A força, portanto é o eixo veicular de todo o modelo. Temos pois a obrigação de aparecer sempre fortes diante de todo o mundo. Somos reféns desta ideia e não temos sido capazes de construir um modelo alternativo de masculinidade. Está na hora, no meu ponto de vista, de mudar este modelo em direcção a uma masculinidade baseada na igualdade, na justiça, no respeito e na solidariedade. A igualdade de facto da mulher não é possível sem uma revolução masculina. E esta revolução requer que o homem se reconheça a si mesmo como um ser sensível, afectivo e vulnerável para começar a questionar os estereótipos sociais e culturais dominantes. Esta mudança, penso, é primordial para que a batalha contra a violência machista seja combatida também pelos homens. Habitualmente, quando falamos de violência contra as mulheres a primeira ideia que nos vêm à cabeça são os maus tratos físicos. Todavia, por detrás de cada caso escondem-se vítimas que permanecem em silêncio. São as vítimas invisíveis em contraste com aquelas que aparecem nos títulos dos periódicos e que são apenas a ponta do iceberg de um problema generalizado que afecta todos os estratos sociais. Não nos enganemos. A violência machista é uma questão que, longe de pertencer ao âmbito doméstico e privado, constitui um problema social grave que cresce dia a dia e exige a adopção de medidas integrais. Indubitavelmente são necessárias aquelas medidas que tem a ver com a protecção efectiva que vão desde a segurança pessoal à tutela judicial ou aos serviços públicos que ajudem as vítimas a uma recuperação da sua autonomia pessoal, questões que a Lei Integral Contra a Violencia de Género, aprovada pelo primeiro Governo Zapatero, já reflecte. Mas também são vitais aquelas acções que favorecem uma mudança social, cultural e estrutural. Quer dizer as que procuram ir à raiz do problema e que se entendem como medidas preventivas, educativas e de sensibilização. É necessário, em consequência, um incremento das medidas educacionais, fazendo pedagogia contra qualquer tipo de violência, incluindo a violência contra os animais. De facto, muitos investigadores têm afirmado que existe uma conexão entre violência contra os animais e violência contra os seres humanos. Os agressores, na sua grande maioria, não são homens diferentes, ou com algum tipo de enfermidade, como poderíamos pensar. São homens comuns, cidadãos típicos, em muitos casos exemplares, amáveis e, a miúdo, respeitados e cordiais no seu trabalho. Por detrás dessa máscara com que se apresentam ante a sociedade, pensam que a mulher é um objecto que lhes pertence. E quando não se submete docilmente à sua vontade, quando lhe ocorre revoltar-se, sentem-se humilhados e recorrem à violência. Esta é a chave da conduta do agressor. Um homem, sem dúvida, zeloso, possessivo e controlador, que actua como se tivesse uma espécie de direito natural para humilhar a sua companheira. Mas, para além disto, creio que existe outro factor chave para entender este complexo problema: a violência existente no seio de uma sociedade é a soma das violências individuais de cada um dos seus membros; a que cada uma das pessoas que a compõem gera e a que é capaz de tolerar e assimilar. Cada gesto, atitude, ou comentário depreciativo e discriminatório contra as mulheres aumenta a permissividade e abre o caminho para os maus tratos. Não podemos ocultar a realidade. Quando uma mulher é violada, ameaçada, golpeada e assassinada toda a sociedade está ferida de morte. E longe de ser um problema da esfera individual converte-se num problema colectivo do nosso tecido social, da nossa sociedade. Também dos homens. É por isso que considero como um avanço o facto de que algumas das principais mulheres escritoras e jornalistas deste país tenham querido empenhar-se neste Projecto que se chama: Não são só os golpes que doem. Palavras contra a violência de género, para trabalhar e lutar por este objectivo comum. Cada uma partindo da sua visão, da sua ideologia, da pluralidade, origem diferente, desde a França ao Uruguai, desde o artigo de jornal ao relato, desde a dor profunda de alguma experiência, até à utopia pelo fim definitivo deste terrorismo doméstico. Unidas numa só voz, num só livro, longe da crispação reinante. Unindo a sua palavra para que esta tragédia dos nossos tempos seja um episódio de curta duração. Um pesadelo num mundo em que a morte espera muitas mulheres ao virar da esquina, precisamente por isso, por serem mulheres. Já dizia o dramaturgo francês Eugene Ionesco: «As ideologias separam-nos, os sonhos e a angústia unem-nos». E este é o nosso sonho comum: acabar com este ferrete que nos esmaga como os piores pesadelos. Sem sombra de dúvida, com o compromisso destas escritoras e jornalistas, criou-se a base para uma pedagogia social imprescindível para a sua erradicação. »
Javier Montilla, coordenador do livro colectivo «Não doem só as pancadas. Palavras contra a violência de género»»