quinta-feira, 25 de junho de 2009

“Estou-me nas tintas para a minha reputação”

Entre Femininity, do Magic Summer (1963) e Bad Reputation (1980), da cantora e guitarrista rock Joan Jett, medeiam uns escassos dezassete anos, mas que diferença quanto à mensagem que fazem passar!

No caso de Femininity, temos uma espécie de manual de boas maneiras em verso, para meninas casadoiras, que aconselha a conformidade com os padrões do que convencionalmente se entende por feminino, balizados pela ideia de que o papel da mulher é agradar ao homem e gratificar o seu (dele) ego e que propõe subserviência e passividade para a mulher: “Deixa-o fazer a conversa; os homens gostam de quem sabe ouvir. Ri, mas não demasiado alto, se ele decidir contar uma piada”.
Pode dizer-se que, quanto à relação entre os sexos, o que se está aqui a defender é a teoria da complementaridade, ouve-se mesmo: “Complementa a sua masculinidade”. E para terminar aconselha-se a jovem adolescente a deixar que as aparências governem a sua vida: “ Sê modesta, doce e pura, esconde o que realmente és”
É caso para dizer que, em pleno século XX, no início da década de sessenta, ainda é Jean-Jacques Rousseau, dos idos do século XVIII, que governa as mentalidades no que ao tema diz respeito, vejamos o que ele escreveu no Emile ou de l’Education:

“Pela própria lei da Natureza, as mulheres, tanto por elas como pelos filhos, estão à mercê dos juízos dos homens: não basta que sejam estimáveis, é preciso que sejam estimadas; não basta que sejam belas, é preciso que agradem; não basta que sejam sensatas, é preciso que sejam reconhecidas como tal; a sua honra não reside apenas na sua conduta mas também na sua reputação (…). O homem, ao agir correctamente, depende apenas dele próprio e pode desafiar o julgamento público, mas a mulher, ao agir correctamente, cumpre apenas metade da sua tarefa, e o que as pessoas pensam dela não é menos importante do que o que ela com efeito é. Por isso, a sua educação deve, em relação a este aspecto, ser a contrária da nossa: a opinião pública é o túmulo da virtude para os homens e o trono para as mulheres.

…Toda a educação das mulheres deve ser relativa aos homens. Agradar-lhes, ser-lhes útil, fazer-se amar e honrar por eles; criá-los quando jovens, cuidar deles quando crescidos, aconselhá-los, consolá-los, tornar a sua vida agradável e doce; estes são os deveres das mulheres em todos os tempos e o que se deve ensinar-lhes desde a infância. Quanto mais nos afastarmos deste princípio, mais nos afastaremos do objectivo e todos os preceitos que lhes dermos de nada servirão para a sua felicidade ou para a nossa.”
Rousseau alerta a mulher para a necessidade, não só de ser virtuosa mas também de o parecer, deixando-se tiranizar pela opinião pública que, em contraste, o verdadeiro homem pode desafiar. Nega também autonomia à mulher cuja vida diz só fazer sentido ao serviço do homem. Se repararmos, em Femininity as teses defendidas são muito próximas.

Em flagrante contraste, já na década de oitenta do mesmo século XX, Joan Jett, que não se limita a ser cantora, mas que é também guitarrista numa banda rock, desafia ferozmente a opinião pública e defende a sua autonomia e o direito a ser feliz segundo os seus próprios padrões:
“Estou-me nas tintas para a minha reputação. Tu vives no passado, mas há uma nova geração. Uma rapariga pode fazer o que quiser e é isso que vou fazer. Não tenho de agradar a ninguém. Não tenho medo de ser diferente. De facto não me importa se pensares que eu sou estranha. Estou-me nas tintas para a minha reputação.”

Está na altura de voltarmos a ouvir as duas canções que são também dois marcos na história do feminismo.

2 comentários:

  1. Olá Adília.
    Muito bom seu blog. Temas muito importantes pra reflexão. Preciso voltar aqui com mais calma, muita coisa pra ler!

    Parabéns pelo rico conteúdo.

    Abraços,
    Berenice

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  2. Obrigada pelo seu comentário estimulante. Como pode ver o seu blog também se encontra na lista daqueles que visito regularmente.
    Abraço, Adília

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