Uma definição selecciona, reflecte e mesmo desfigura a realidade, que é sempre mais rica e que com dificuldade se deixa encerrar e limitar por ela, mas, para nos entendermos, e sobretudo para argumentarmos, não podemos dispensar as definições; estas são as premissas das quais deduzimos outras que nos levam a conclusões e, nesse sentido, à defesa de determinadas teses.
A definição de que partirmos condiciona a conclusão a que chegamos e o curso de acção que consideramos preferível, por isso, não é irrelevante o modo como definimos um conceito, mais especificamente ainda no caso da pornografia que, como sabemos, se encontra longe de ser um domínio consensual. Mas, embora não haja unanimidade, podemos, considerar a existência de três tipos de definições de pornografia, vejamos essas diferentes definições.
(1) Há quem defina pornografia como a exposição obscena do corpo humano e da actividade sexual, ligando portanto pornografia e obscenidade, sendo obscenidade a característica daquilo de que não é decente falar ou apresentar em público; assim, por exemplo, o acto sexual na privacidade da vida de um casal não será obsceno, mas a exposição pública do mesmo será considerada indecente porque decorre «fora da cena» que lhe é apropriada. Esta definição de pornografia foi a dominante - para muitos sectores da sociedade ainda é, e decorre de um enquadramento moral normalmente de fundamento religioso.
(2) Para outros, a pornografia é uma narrativa, através de imagens, da sexualidade humana, é uma espécie de discurso sobre esse tema e enquanto discurso sobre uma realidade goza do direito de liberdade de expressão que as sociedades democráticas garantem aos diferentes tipos de discurso.
(3) Por último, encontramos uma terceira definição, mais recente, que ficou a dever-se às autoras feministas Catharine Mackinnon e Andrea Dworkin, que identifica a pornografia não com um discurso ou um pensamento, mas com um acto, um acto no qual se explicita a subordinação sexual da mulher ao homem, através de imagens e/ou palavras. Enquanto acto que explicita a subordinação de um sexo a outro, com a equivalente depreciação que incorpora, a pornografia incorreria na possibilidade de poder ser indiciada como um atentado aos direitos humanos na pessoa das mulheres.
Cada uma das definições tem implícita uma dinâmica própria que importa analisar. À definição de pornografia como obscenidade pode objectar-se que o conceito de obsceno é de tal modo vago e relativo que fica difícil operar com ele, lembremos, por exemplo, que, no século XIX, falar em público em práticas anticoncepcionais era considerado obsceno e quem o fizesse podia incorrer em comportamento criminal. Por outro lado, é uma definição que implica um valor moral colocado apriori, isto é, parte da ideia que a pessoa faz do que é moralmente correcto e encontramo-la ligada à moral religiosa que propende a depreciar o corpo e a sexualidade e por isso a desaprovar a sua exposição.
A definição da pornografia como discurso e narrativa da sexualidade humana permite assegurar-lhe livre-trânsito, constitucionalmente protegido pelo Estado laico que garante liberdade de expressão aos indivíduos, e permite ainda subtraí-la ao domínio da moral e seus valores. Mas esta definição perdeu a ingenuidade, que aparentemente comporta, a partir do momento em que Mackinnon e Dworkin entraram em cena e apresentaram a sua própria definição de pornografia que veremos em seguida.
A definição de pornografia como acto que explicita e promove a subordinação da mulher ao homem, construída por Mackinnon e Dworkin a partir de evidência empírica de material pornográfico analisado, especificamente filmes pornográficos, reconhece que a pornografia não é simples expressão da sexualidade humana, nem é apenas o reflexo do sexismo da sociedade em que vivemos. A pornografia aparece como uma indústria e como toda a indústria produz um produto. Nesta caso o produto é a subordinação das mulheres, um produto complexo pois a pornografia, começando por ser ela própria produto da desigualdade social entre homens e mulheres, acaba por produzir também essa desigualdade ou, se quisermos, por reforçá-la e, enquanto tal, constitui uma violação dos direitos civis.
Mackinnon e Dworkin recusaram-se a entender a pornografia como um assunto moral no sentido vulgar do termo, de obsceno ou indecente, porque expõe o sexo; para elas, não é aí que o problema da pornografia reside; o problema da pornografia é que ela discrimina as mulheres, é um mecanismo de discriminação que prejudica gravemente as mulheres. Esta definição de pornografia tem o mérito de tornar visível o que estava antes dela invisível e que a definição de pornografia como discurso permitia continuar a encobrir.
Antes de avançarmos, convém fazer o ponto da situação. A definição de Mackinnon e Dworkin, apesar de ter trazido à crua luz do dia algo que se encontrava numa confortável penumbra, apresenta algumas dificuldades; ela foi estabelecida a partir de evidência empírica da pornografia existente no mercado, mas a existência, avassaladora é certo, desse tipo de pornografia não exclui a hipótese de ser produzido outro tipo de pornografia que não explore o sexo dessa maneira; ora, se isso acontecer, isto é, se aparecer um contra-exemplo, a definição deixará de ser apropriada. E se aparecer um contra-exemplo, então a segunda definição vai surgir como mais abrangente e correcta.
De qualquer modo, como, em minha opinião, a produção pornográfica dominante parece integrar-se na definição que Mackinon e Dworkin propuseram é dela que irei partir.